António Costa ainda não pode ir ao banco, embora falte pouco. Entretanto, a sua piada desavergonhada pôs muita gente a tentar explicar-lhe, mais uma vez, porque é que os seus planos não vão tornar Portugal mais rico. Para essas pessoas de boa vontade, um conselho: não percam tempo. António Costa e Elisa Ferreira, que esta semana, sem se rir, lamentou o “atraso” do país, sabem isso perfeitamente. Chegaram os dois ao governo em 1995. O seu objectivo nunca foi fazer um Portugal menos atrasado: foi fazer um Portugal em que mandassem.
Vale a pena repetir isto: há vinte anos que, sob governos socialistas e maiorias de esquerda, Portugal iniciou o mais longo processo de divergência económica em relação à Europa desde a II Guerra Mundial. Pela primeira vez, a economia portuguesa não foi capaz de acompanhar uma época de crescimento da economia global. Mas o mais grave não é isso. Hoje, Portugal não está apenas mais longe da UE. Está também menos capaz de cobrir essa distância. A evolução da produtividade portuguesa por hora de trabalho em relação à média da UE (27 países) não nos deixa ilusões. Em 1995, era de 68,6%; em 2019, de 65,3% (no mesmo período, a República Checa passou de 62% para 76,6%, e a Roménia, de 23,7% para 66,1%). Por mais vezes que Costa vá ao banco, não haverá milagres.
O que temos aqui não é um detalhe estatístico. É o drama de gerações que, há trinta anos, acreditaram que viveriam um dia num país tão prospero e tão livre como o resto da Europa ocidental. Em vez disso, vão viver na sociedade mais pobre da UE, sujeitos a constrangimentos e a escolhas cada vez mais desagradáveis (impostos ou cortes e “cativações”?). Perante esta catástrofe, não é porém correcto dizer que a “receita” socialista falhou. Isso pressupõe que a “receita” socialista tivesse como fim a convergência. Ora, nunca foi esse o caso.
Este PS, então chefiado por António Guterres, começou a governar em 1995. Portugal saía do chamado “cavaquismo” (1985-1995), a melhor época de crescimento económico e de desenvolvimento social desde a década de 1960. Os socialistas falavam da “paixão da educação”, tal como dez anos depois falariam do “plano tecnológico”. Mas essas figuras de retórica nunca tiveram outro sentido senão o de esconder o verdadeiro projecto: o de submeter Portugal ao poder de um partido. Em 1995, depois de dez anos na oposição, com resultados alarmantes (20,7% em 1985, 22% em 1987), a direcção socialista deixara de confiar na sociedade portuguesa. Quando por acaso se viu no governo, graças à crise da sucessão de Cavaco Silva no PSD, a sua preocupação principal não foi a de prosseguir a convergência, mas a de impor um poder perene. A receita esteve na colonização brutal do Estado (“jobs for the boys”), e no uso desse Estado partidirizado para controlar a sociedade, em aliança com vários poderes fácticos (o BCP e depois o BES). A face desse poder socialista está hoje nos 69% de concursos viciados para as direcções da administração pública, ou na gigantesca Câmara Municipal de Lisboa (17 000 empregados, contando com as empresas municipais) — esse espesso mundo de funcionários, assessores e consultores que em Portugal se chama Partido Socialista.
Em vinte e seis anos, nunca ocorreu aos socialistas mudar de rumo. Não é difícil perceber porquê. Há vinte e seis anos que o PS manda, e só uma vez, em 2005, teve uma maioria absoluta – e mesmo assim, com muito menos votos do que Cavaco Silva em 1987 e em 1991. De resto, os governos do PS, tirando o de 2005, têm sido os menos votados desde 1985. Os socialistas não convenceram o país: submeteram-no.
Um domínio deste tipo tem custos. Não vale culpar a globalização e o euro. Nada disso impediu outras economias de convergir. Em Portugal, foram o esforço fiscal, o controle do Estado e a corrupção gerada pelo “mecanismo” do poder que não deixaram os portugueses tentar transformar a globalização e o euro em oportunidades. E neste momento, estamos a passar para uma nova fase: a da impossibilidade de sequer discutir tudo isso livremente. Para voltarem ao poder em 2015, os socialistas acabaram, em desespero, por se apoiar no PCP e no BE, os únicos partidos no parlamento que admiram ditaduras e recusam a democracia liberal e o pluralismo político. Mas não se limitaram a contar os votos da extrema-esquerda. Oficializaram a sua velha intolerância, entretanto reforçada pela importação da “cultura de cancelamento” americana. Quem quer que se afaste da linha oficial é “radical” ou “fascista”. Como se viu na perseguição a Nuno Palma, em que se comprometeram altos dirigentes socialistas, até a ideia de convergir com a Europa passou a ser “saudosismo salazarista”. Não subestimem esta restrição da liberdade de debate. É outro factor de empobrecimento, tão grave como o estatismo e o esforço fiscal.
Rui Rio diz que o PS não quer reformas. Mais uma vez, não é por o PS não compreender que são necessárias reformas. Todos os meses, um organismo internacional lembra isso a António Costa. É por os socialistas perceberem muito bem que essas reformas consistiriam em limitações ao poder político, e portanto em menos poder para os socialistas e em mais liberdade para os portugueses. O que Costa, o primeiro-ministro com menos votos desde 1985, não se pode permitir. Mas é isto sustentável?
O Estado socialista encarregou-se de tirar aos portugueses razões para investir e inovar. Por isso, a economia não cresce. O que quer dizer que o Estado, para satisfazer os seus compromissos, tem de se financiar no exterior. Por outras palavras: se os portugueses dependem do Estado, como o PS tudo faz para que dependam, o Estado tem de depender de entidades financeiras externas. Um país de dependentes é, naturalmente, um país dependente. Costa pensa que isto não é problema, porque acredita que a Europa, enquanto puder fabricar dinheiro sem medo da inflação, lhe pagará as contas. Veremos.
Este é o resultado do projecto de poder socialista. Para o país, é uma frustração histórica. Para o PS, é um sucesso. A receita socialista não falhou: resultou perfeitamente. Não precisamos de lhes explicar nada.