As desculpas apresentadas pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa não retiram a necessidade das explicações ao país no caso dos dados de manifestantes divulgados a várias autoridades estrangeiras.
Em primeiro lugar, é preciso contextualizar que Fernando Medina atua várias vezes em estreita articulação com o Governo. Um dos vários exemplos foi a reunião que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa teve com o movimento “A Pão e Água”. A manifestação terminou quando Fernando Medina reuniu com os empresários da restauração e os próprios indicaram que o presidente de Câmara conversou com o ministro da Economia sobre as suas revindicações, tendo o governante indicado, apenas a Fernando Medina, que os apoios disponibilizados necessitavam de alterações.
São vários os episódios em que Fernando Medina evidencia uma proximidade com o Governo, que não advém do facto de ser apenas presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mas também do seu posicionamento interno no Partido Socialista.
Este contexto já lhe permitiu anunciar o passe social (Navegante) antes do ministro do Ambiente e Ação Climática, ou criticar a ministra da Saúde num dos “picos” do surto epidemiológico que vivemos.
Por esse motivo, a falha na gestão de dados de manifestantes não é apenas um problema a nível técnico. Uma das principais figuras do Partido Socialista, e presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pediu desculpas por um erro que afeta gravemente imagem do país.
O problema é que o reconhecimento do erro não foi acompanhado da consciência da sua gravidade para Portugal.
Fernando Medina não pode procurar posicionar-se apenas como um autarca que gere uma falha administrativa, quando todo o seu percurso político foi no sentido de se posicionar como segunda figura do PS e candidato à sucessão de António Costa. Mas mesmo que assim não fosse, o argumento de erro burocrático com origem num patamar de decisão técnico é errado.
Tudo o que Fernando Medina anuncia como “obra feita” tem uma determinada participação de pessoas a um nível técnico. E nessa circunstância, tal como nesta, ninguém procura esmiuçar o nível de responsabilidades dos técnicos. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem responsabilidades para o que é bem e mal feito. Pode partilhar as responsabilidades com outras pessoas, mas não pode dizer que não as tem.
Eventualmente, Fernando Medina terá tentado desvalorizar a sua responsabilidade por ser uma proeminente figura do partido que suporta o Governo e, nesse sentido, há impactos negativos no Partido Socialista com consequências nas autárquicas.
Contudo, esta provável explicação apenas indica que Fernando Medina geriu este assunto com receio dos impactos no seu percurso político dentro do PS.
Se for este o enquadramento, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não percebe que o problema de fundo é a falha das suas funções, com impacto direto na imagem do país.
A área dos Negócios Estrangeiros em Portugal está acima das probabilidades eleitorais de um candidato autárquico do PS e distante da medição de forças na disputa de liderança de qualquer partido.
O ministro de Estado e Negócios Estrangeiros deveria ter atuado para mitigar a situação. É insuficiente o pedido às autoridades russas para apagar os dados enviados pela Câmara Municipal de Lisboa. Em primeiro lugar, foram envidados vários dados, por diversas ocasiões, a diferentes autoridades estrangeiras, não apenas à Rússia. Em segundo lugar, O ministro não indicou em que medida e de que forma iria acompanhar este tema, dando a entender que o pedido realizado à embaixada Rússia seria suficiente.
O ministro de Estado e Negócios Estrangeiros sabe, por força da sua larga experiência política, que a sua atuação até ao momento não é suficiente. E se não fizer mais, irá parecer que está condicionado pelo facto de este caso envolver Fernando Medina, que já demonstrou mais do que uma vez a sua influência junto do Governo.
Será importante que o ministro de Estado e Negócios Estrangeiros não desvalorize este assunto para não “contaminar” ainda mais a sua área governativa. Porque foi evidente que Fernando Medina procurou desvalorizar a sua responsabilidade, sem perceber que um presidente da Câmara Municipal de Lisboa não pode falhar com o país.