Há uns anos, eu e mais duzentos passageiros estivemos mais de uma hora fechados num avião de uma transportadora regular portuguesa no Aeroporto de S. Tomé e Príncipe. A causa não foi qualquer problema técnico, meteorológico ou de segurança. Simplesmente nesse avião comercial o Sr. Presidente da República de S. Tomé iria viajar não sei com que destino, mas como se da sua aeronave privada se tratasse, por razões que só ele e a sua comitiva saberiam, chegou ao aeroporto com um atraso intolerável. O comandante desse avião, por iniciativa própria ou porque recebeu ordens nesse sentido, decidiu esperar. E com essa decisão ficaram prejudicados os duzentos passageiros, que pagaram o seu bilhete, que também teriam os seus compromissos e eram absolutamente alheios às causas deste abuso que estavam a ser sujeitos.

Noticiou a comunicação social de sexta-feira dia 18 de Fevereiro que um comandante da TAP foi irredutível em abrir as portas já fechadas de um avião com destino a Zurique para que o Chefe de Estado da Eslovénia e respectiva comitiva, que compareceram atrasados, entrassem na aeronave.

Não está aqui em causa nestes dois exemplos, se os personagens eram de S. Tomé ou da Eslovénia, que felizmente até são duas democracias. Podiam ser de qualquer país. O que está em questão, é a veleidade e falta de consideração que a maioria dos titulares de cargos políticos demonstram pelos direitos dos cidadãos que os elegeram. De ditadores não justifica falar, porque esses claramente estão à margem de todo o respeito pelos outros, até serem apeados.

Casos como o ocorrido no aeroporto de Lisboa, embora normalmente com um desfecho diferente em prejuízo dos cidadãos, já sucederam com quem quer que viaje de avião ou até no seu automóvel particular.

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Quantas vezes o avião da ponte aérea Lisboa- Porto-Lisboa descolou mais tarde porque um político se atrasou e pediu à companhia uma espera e que esta acedeu, facto que os passageiros já sentados só se apercebem quando o personagem relapso comparece finalmente a bordo?

Quantas vezes são criados condicionamentos e engarrafamentos de trânsito para uma comitiva de ilustres visitantes se dirigir em marcha rápida para Belém ou S. Bento, prejudicando seriamente os legítimos planos e vida normal dos cidadãos?

E os incontáveis encerramentos de vias e a obrigação de percursos alternativos, para que um membro do governo ou de uma autarquia, proceda a uma qualquer inauguração, acto absolutamente inútil, não fosse o facto do político em causa necessitar de uns minutos de televisão?

Já não falando no estafado abuso de velocidade nas estradas que membros do governo utilizam, para comprimir agendas de compromissos impensáveis, privilégio que não está ao alcance de qualquer outro cidadão, a quem também seria muito útil usar de tal prerrogativa, sem ver a licença de condução apreendida.

Não existe na lei nenhuma prerrogativa deste tipo para os titulares de cargos políticos, salvo os casos de urgência em situação de manifesto interesse público ou força maior, não preenchendo este requisito, a “urgência” de comparecer a uma reunião ou audiência, que é a principal razão destes incómodos para os cidadãos, na quase totalidade dos casos conhecidos.

Quem não se lembra dum acidente espetacular ocorrido há alguns anos na Av. da Liberdade em Lisboa, entre por curioso acaso duas viaturas oficiais, em que um dos veículos envolvidos desrespeitou um sinal vermelho a alta velocidade, confessando publicamente o alto funcionário passageiro que deu tal ordem ou permissão ao seu motorista, porque estava atrasado para uma reunião.

Voltando ao caso do Sr. Presidente da Eslovénia, ao que parece o Estado português viu-se obrigado a custear por 40.000 Euros uma aeronave particular para que pudesse ser fornecido transporte alternativo ao Presidente. Este custo, ao que também transpirou, foi pago para salvar as aparências do Estado português e com algum pesar por tal despesa imprevista ter de ser efectuada.

De facto, o Comandante da TAP, ao que tudo indica, tomando uma decisão absolutamente correcta, protegeu os direitos dos passageiros do seu avião em detrimento de um conjunto de outros passageiros que não compareceram no horário, não relevando, e bem, se um deles era um Chefe de Estado.

O Estado português lamentou-se de gastar 40.000 Euros, aliás dinheiro dos contribuintes, mas nunca se ouviria tal lamento se por via do atraso desse voo, isso causasse ao conjunto da centena de passageiros a bordo um prejuízo igual ou superior, fosse em transportes alternativos à chegada ao destino, fosse à perda de ligações com outros voos ou à não comparência a tempo aos seus compromissos agendados.

Os titulares de cargos políticos, sobretudo numa democracia, devem comportar-se como todos os cidadãos, ter os mesmos direitos destes e provavelmente até terem mais deveres, pois exercem os cargos para que foram eleitos, porque a eles se candidataram voluntariamente.

O Comandante da TAP em causa não precisa de nenhum louvor porque se limitou a cumprir profissionalmente os seus deveres. Só tomou uma decisão que se afigura exemplar porque outros não têm coragem de a tomar ou têm ordens para não a tomar. Se alguém merece censura, neste caso como noutros similares e quotidianos, são os que pela sua conduta, olham para os cidadãos como uma espécie de “classe económica” do poder.