Estamos a salvar vidas com as medidas de contenção. Mas, para tal, estamos simultaneamente a asfixiar a economia — sabendo que as crises económicas também matam. É consensual que, nesta fase, a saúde pública é o bem-maior que justifica as medidas draconianas em vigor. Mas tudo tem um prazo e o da economia não será certamente o do vírus: não é possível parar a economia durante meses, mesmo que a pandemia permaneça por conter e ainda ameace a saúde pública. Virá, portanto, um momento em que será necessário tomar uma decisão política: quando reabrir a economia? Noutros países em estádios diferentes face à pandemia, como o Japão e os EUA, essa decisão política está tomada. Ora, apesar da óbvia imprevisibilidade do que temos pela frente, o governo tem de comunicar claro, com transparência, e colocar cenários na mesa. Não pode ser navegação à vista, há que dizer às empresas quanto tempo de esforço se espera delas.
Hoje, vivemos numa emergência de saúde pública. Em breve, viveremos num quadro de profunda crise económica. Importa pouco especular sobre a dureza do embate na economia em percentagem do PIB — basta perceber que será pior do que foi a crise iniciada em 2008. O que importa mesmo é perceber isto: a crise económica que aí vem resulta, não do comportamento das empresas ou de uma falha do mercado, mas de opções políticas. Foi a opção de impor medidas de isolamento social, de encerrar estabelecimentos de ensino, de restringir o comércio aos bens essenciais, de limitar a actividade das empresas, de balizar a liberdade de circulação, de fechar fronteiras. Opções necessárias? Estamos todos de acordo. Mas mesmo se necessárias em determinado momento, as opções podem alterar-se, pois geram consequências e é preciso lidar com elas — a política é isso mesmo.
Na antecâmara da crise de 2009, ficou famosa a frase do então primeiro-ministro José Sócrates, de que o mundo havia mudado em quinze dias. Ora, o relógio desta crise não pára. Há duas semanas, foi urgente decidir sobre medidas de contenção, nomeadamente o encerramento de escolas e de espaços comerciais, para travar o contágio. Agora, perante a possibilidade de prolongamento indefinido dessas medidas, importa sublinhar que, a cada dia que passa, agrava-se a crise económica e social que daí resultará. Assim como aumenta a conta a pagar pelo Estado nos apoios a cidadãos e empresas afectados, que o Estado tem o dever de ajudar. Dever, sim. O mercado e as empresas estavam a funcionar até ao dia em que o governo ordenou que parassem, com a duração dessa paragem nas mãos do governo. Grande parte da insustentabilidade da actual situação das empresas (e da economia portuguesa) foi, portanto, uma decisão (necessária) do Estado, que agora tem de apoiar as empresas a aguentar os efeitos dessa sua decisão.
O retrato não é agradável, mas vivemos num momento em que não há soluções óptimas à disposição. Todos os cenários apontam neste sentido: da mesma forma que foi necessário fechar escolas e estabelecimentos comerciais numa fase inicial (para ganhar tempo e meios de resposta à pandemia no SNS), muito em breve, possivelmente no período pós-Páscoa, virá o momento em que será necessário reabrir a actividade económica, de forma a não hipotecar irremediavelmente a economia nacional. E se o encerramento foi então feito sob aplausos e em alinhamento com a vox pop, até depois de muitas famílias já se terem isolado em casa, a reabertura da actividade económica dependerá de maior coragem política.
Sim, decidir quando reabrir a economia e como apoiar as empresas são duas decisões que acarretam uma ponderação complexa entre a saúde pública, a situação económica e as limitações orçamentais de um país endividado como Portugal. Mas por mais técnicos que sejam os dossiers, a decisão final não é dos técnicos ou dos especialistas. É dos políticos e assentará na definição de prioridades por parte do governo — que têm de ser explicadas aos portugueses, discutidas e escrutinadas. É isso que se espera que seja feito. Porque é nestes momentos de excepção que a fibra dos nossos líderes se mede.