Se houvesse eleições nos próximos tempos, eu não votaria em ninguém. Sim, sei que teremos as “autárquicas” após o Verão, mas nessas nunca votei (excepto para me cobrar impostos, não reconheço qualquer utilidade às autarquias, que ainda não encomendaram rotundas e “arte pública” suficientes para me convencer do contrário). As eleições em que não participaria por decisão casuística seriam as “legislativas”, nas quais nem a teoria do mal menor me arranja uma possibilidade de escolha decente: o comportamento dos partidos vigentes é mau o bastante para não justificar o incómodo de sair de casa num domingo de Setembro ou Outubro. Porquê? Porque nenhum partido tem levantado obstáculos relevantes ao avassalador poder socialista.
Em Portugal, há dois espaços políticos, o marxista, que vai do PS para a esquerda, e o restante, que pode ou não enfiar a carapuça de se afirmar “direita”. A designação não me interessa, os actos sim. Não quero saber se um partido se diz ou não se diz de “direita”. Quero um partido que se oponha à esquerda na matéria que mais conta e que a esquerda mais ameaça: a liberdade. O último ano mostrou que esse partido não existe. Existe, de facto, um conjunto de partidos que não são, ou não deveriam ser, marxistas. Infelizmente, nas questões decisivas não se distinguem particularmente do governo e respectivos aliados formais.
Para não ser exaustivo, dois exemplos chegam. E sobram. O primeiro é o “combate” à Covid, leia-se a histeria que apressou a descida do país à falência, causou um número indeterminado de mortos por incúria e, talvez principalmente, tornou a opressão dos cidadãos numa rotina. Gostaria de ter visto um partido, um deputadozinho que fosse, protestar a sério contra tamanha vergonha. Salvo uns gemidos pouco convictos do Chega, da IL e, curiosamente, do PCP, não vi. Gemidos incluídos, todos os parlamentares legitimaram e continuam a legitimar medidas criminosas e humilhantes, inconsequentes no que toca ao vírus e arrasadoras de tudo em seu redor. A liberdade não preocupa o espaço não marxista.
O segundo exemplo consistiu na aprovação, explícita ou por abstenção, da lendária “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital”, que entra vigor em breve e sem hesitações estabelece um regime de censura para as notícias desagradáveis aos senhores que mandam. Proposto pelo PS, o dito regime nem se esforça por disfarçar a inspiração das regras em vigor durante o salazarismo. À direita do PS, ou lá onde é que querem estar, nem um partido se esforçou por contrariar este assalto a uma noção elementar de um estado de direito. A “desinformação”, jargão moderno para “revelação de factos discordantes da propaganda oficial”, é considerada por todos um alvo a erradicar. A liberdade não preocupa o espaço não marxista.
O que preocupa então o espaço não marxista? Imensos assuntos, que levam os partidos em causa a cismar imenso e a debater imensas vezes para tirar imensas conclusões acerca da imensa “identidade” de cada um. Ainda há dias decorreu uma oportunidade de o fazerem em conjunto, organizada pelo Movimento Europa e Liberdade (MEL). Dizer que o encontro esclareceu as massas é um eufemismo. Quem desconhecia, aprendeu que o PSD do dr. Rio não é de “direita”, que a Iniciativa Liberal não aprecia o Chega, que o CDS não morreu e que o Chega, além de tirar privilégios aos ciganos e vigor sexual aos pedófilos, sonha tirar eleitores à direita envergonhada. Sobre o estado policial criado a expensas da Covid, nem um palpite. Sobre a lei da censura, nem meio palpite. Coerência não falta aos partidos à direita do PS. O que falta? Pertinência. Ou razão de ser.
As forças políticas não se definem especialmente por “princípios”, “valores” e “linhas”, vermelhas ou amarelas: definem-se por – escapa-se-me a palavra, esperem aí que está quase – oposição. Por muito que os partidos à direita do PS remoam aquilo que são, esquecem-se daquilo que devem ser: oposição, oposição ao PS e às forças totalitárias cujo pacto com o PS deslocou o centro ideológico indígena para a esquerda da esquerda que sempre foi. O país não precisa de partidos que receiam situar-se à “direita”, seja lá a direita o que for. E não precisa de partidos que se afirmam de “direita” para preencher quotas de eleitorado. Do que Portugal carece é de resistência activa e inequívoca à noite escura em que o socialismo, com o seu cortejo de corrupção, prepotência e miséria, nos enfiou. E isso Portugal não tem. Tem, fraca compensação, uma colecção de pechisbeques que, aqui e ali, reclamam da superfície e deixam as profundezas intactas. Os partidos presentes no MEL limitam-se a compor o ramalhete “democrático”, e nessa medida ajudam ao simulacro em que vivemos.
Mas uma coisa é o país precisar de partidos capazes de perceber o perigo que vem da esquerda. Outra coisa é os portugueses sentirem igual necessidade. Salvo excepções minoritárias, a vasta maioria das pessoas parece estar bem como está, e estará bem como vier a estar em breve. Mesmo que em breve estejam arruinadas e subjugadas e dependentes a um nível que nos afasta em definitivo das democracias comuns. Se calhar, no que respeita ao desprezo pela liberdade, os partidos à direita do PS não imitam só o PS e os aliados do PS: imitam os portugueses. O problema é que o PS os imita melhor. A nossa “direita” é rica em princípios e pobre nos fins. Donde o seu fim ser triste.