Foi no dia 5 deste mês, pelas 17h e 30m, em Madrid. Maria, quando foi buscar os seus filhos ao Colégio Montealto, em Mirasierra, pensando que estava a travar o carro, de facto acelerou, atropelando três alunas. As mais velhas, de 10 e 12 anos, ficaram feridas em estado grave, mas a mais pequena, de 6 anos, faleceu pouco depois.

Infelizmente, situações desta natureza acontecem com alguma frequência e, por isso, alguma indústria automóvel reagiu a este acontecimento anunciando o propósito de estudar formas que permitam evitar, no futuro, este tipo de acidentes. De facto, uma tragédia de que resulta a morte de uma criança é sempre terrível.

Pouco haveria a dizer deste caso se não fosse a reação dos pais da menor falecida, que se chamava Maria, como a sua mãe e também a condutora do carro que a atropelou mortalmente. Com efeito, a mãe da pequena Maria ainda a encontrou com vida, mas quando já nada podia fazer pela sua filha, foi consolar a mulher que, involuntariamente, ocasionara a sua morte, abraçando-a carinhosamente.

Não sei quem seria capaz de um tal gesto, mas sei, com absoluta certeza, que só um cristão a sério reagiria deste modo. Outra pessoa teria culpabilizado a condutora porque, mesmo agindo de boa-fé, devia saber conduzir o seu carro, sobretudo num lugar onde, dada a abundância de crianças, todos os cuidados são poucos. É sabida a confusão que, em geral, se estabelece à porta dos estabelecimentos de ensino, pouco antes de começarem aulas ou logo depois de terminarem. Portanto, era de esperar uma especial prudência por parte desta mãe, sobretudo naquela hora e lugar.

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Mesmo que a mãe da vítima mortal conseguisse ter o suficiente sangue-frio para não culpabilizar a condutora pela morte da sua filha, teria sido compreensível que, desfeita pela dor, fosse incapaz de olhar para quem ocasionara o acidente, ou de se dar conta do sofrimento em que se encontrava. E, contudo, não só a procurou como a consolou, quase como se fosse ela a vítima e não o contrário. Que exemplo extraordinário!

No Twitter, o Arcebispo de Madrid, Cardeal Carlos Osoro, não ficou indiferente a esta tragédia, dando prova de uma proximidade verdadeiramente pastoral: “Uno-me ao sofrimento das famílias afectadas pelo acidente no Colégio Montealto, com uma oração por todas elas e, muito especialmente, pela que perdeu uma filha. Estendo o meu afecto a toda a comunidade educativa.”

Também o fez a directora do colégio, Araceli Barea: “Estamos muito tristes pelo trágico acidente ocorrido ontem à tarde, à saída do colégio. Fazemos nossa a imensa dor dos pais da Maria. Com a serenidade que nos dá a fé, nós e todas as famílias de Montealto acompanhamo-los com a nossa oração e carinho. Também estamos a rezar pelas melhoras das outras duas nossas alunas. É impressionante constatar como todo o colégio Montealto – famílias, professores, alunas e alumni [ou seja, ex-alunas] – estão a apoiar as famílias afectadas. Hoje, mais do que nunca, Montealto é uma família de famílias.”

Ante a avalanche de reações de solidariedade, os pais da pequena Maria, na impossibilidade de responderem a cada uma das mensagens, optaram por fazê-lo colectivamente, através de uma carta cujo conteúdo é também impressionante:

“Estamos esmagados por tantíssimas manifestações de afecto, mas de momento estamos fechados em casa, tentando-nos ajudar uns aos outros. Não é possível imaginar sequer a centésima parte do que todos estão agora a rezar por nós! Não podemos ler todas as vossas tão carinhosas mensagens porque, se o fizéssemos, ficaríamos todo o dia a chorar, o que não podemos fazer, porque temos mais cinco filhos pequenos para cuidar. As vossas mensagens são, todas e cada uma, extremamente carinhosas e cheias de fé e de amor. São as vossas orações que, vos asseguramos, agora nos sustentam.”

Embora em grande sofrimento, como só quem passou por igual luto pode imaginar, os pais da pequenina Maria não esqueceram as outras duas crianças feridas, nem a condutora que provocou o trágico acidente: “Sabemos que já o fazem, mas pedimos a todos que rezem muito pelas outras duas famílias e pela Maria, a mãe a quem lhe correspondeu, na nossa opinião, a pior parte do acidente, e a quem mais uma vez pedimos que confie em Deus e se dê conta que não teve culpa nenhuma. Decerto, o acidente é incompreensível, mas de certeza que Nosso Senhor o permitiu para alcançar maiores bens.”

Bens que, pelos vistos, não tardaram a chegar: “Na capela mortuária contaram-nos vários episódios de pessoas que estavam afastadas da fé e que, graças à nossa pequena Maria, foram rezar o terço às igrejas e se sentiram muito confortadas. A essas pessoas pedimos que continuem a fazê-lo, que continuem à procura do Senhor, para que o cheguem a conhecer, o amem e se deixem amar por Ele. O amor humano é finito, mas o Amor de Deus é infinito e por isso a todos convidamos a beber da fonte do amor que nos pode dar uma verdadeira vida na plenitude e, depois, a vida eterna.”

É também significativo que, não obstante a aflição pela perda da sua filha, os seus pais não culpabilizaram ninguém e até agradecerem a colaboração prestada pelos profissionais que ocorreram ao local e tentaram, sem êxito, salvar a vida da pequena Maria: “Também queremos agradecer aos profissionais de Samur [o Serviço de Assistência Municipal de Urgência e Resgate], da polícia e dos bombeiros da Câmara Municipal de Madrid, que nos socorreram com tanto profissionalismo e carinho e que nos fizeram sentirmo-nos muito orgulhosos do nosso país, a nossa querida Espanha. O mesmo digo também dos nossos colégios de Fomento: Montealto e El Prado, e muitos outros que demonstraram, com obras, o espírito cristão que fomentam. E também, decerto, o mesmo podemos dizer da nossa Mãe a Igreja, porque na nossa diocese de Madrid e em muitas outras, estiveram sempre em oração e manifestaram-nos todo o seu apoio.”

Apesar de que, nestas tão dolorosas circunstâncias, seriam razoáveis sentimentos de dor e de revolta, os pais da Maria só têm palavras de agradecimento: “Damos graças a Deus por todos os nossos amigos e pela nossa grande família. Como é importante cuidar dos amigos e da família também, sobretudo agora que, ao que parece, alguns querem fazê-la desaparecer.”

O parágrafo final foi escrito pelo pai, Alex: “A Maria” – sua mulher – “e eu, para conseguirmos dormir, partilhamos […] a certeza de que a nossa ‘Mariquilha’ está felicíssima no Céu, porque já aqui na terra era muito feliz. Pensamos que ela sabia que só lá podia ser ainda mais feliz, com o seu verdadeiro Pai e a sua verdadeira Mãe. Consola-nos saber que fizemos tudo para que à nossa ‘Mariquilha’ não faltasse nada e fosse sempre muito acarinhada. E damos muitas graças a Deus por nos ter dado estes cinco maravilhosos anos com ela.”

Por uma curiosa coincidência, este drama envolve três Marias: a vítima mortal, a sua mãe e a condutora. Não é, decerto, uma ironia do destino, mas uma graça de Deus, que convida a olhar para Maria de Nazaré, que foi capaz de perdoar e de acolher como mãe a Pedro que, por três vezes, negou o seu divino Filho, e aos restantes discípulos, que também o abandonaram na sua paixão e morte na Cruz. Dos primeiros cristãos, os pagãos diziam: “Vede como eles se amam!” (Tertuliano, Apolog., 39). E Jesus disse: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 35).