Em 2015, muitos eleitores de centro transferiram o seu voto para o PS por uma ou mais de três razões: porque era patente desde o verão de 2013 o esgotamento da maioria que sustentara o governo anterior; porque acreditavam que só um Governo de esquerda poderia tornar consensual o imperativo de equilibrar as contas públicas sem prejuízo das prometidas reposições; e porque julgavam ter chegado finalmente o tempo de o PCP e o BE integrarem o Executivo, caso fizessem parte de uma eventual nova maioria parlamentar, de esquerda.

O esgotamento da maioria anterior ficou patente na penosa incapacidade do PSD/PPD, durante dois anos, de reconhecer a sua derrota e a erradicação do défice das contas públicas foi efetivamente conseguida no último ano da legislatura e assumida urbi et orbi como doravante inescapável, mas o BE e o PCP não chegaram nunca a integrar o Governo apesar de muitas das suas políticas terem sido adotadas desde a primeira hora, algumas delas, garantidamente, contra a sensibilidade da maioria dos cidadãos.

Esta dissonância violou o direito dos eleitores de pedir responsabilidades ao Executivo por todas as políticas aprovadas pela maioria parlamentar que lhe subjaz, o que em democracia não é aconselhável porque dá um pretexto ao Governo para se distanciar sempre que corram mal políticas aprovadas pelo Parlamento graças ao voto ou à iniciativa de deputados de outros partidos, ainda que oriundos da mesma maioria.

1. A emergência sanitária de 2020 obrigou o Governo a inverter o saldo positivo do Orçamento Geral do Estado atingido no ano anterior e, consequentemente, inviabilizou o objectivo da redução da dívida pública abaixo dos 100 por cento do PIB, o qual, para grande contrariedade do PCP e do BE, tinha sido anunciado durante a campanha eleitoral pelo próprio Primeiro-Ministro, como sua prioridade para a legislatura em curso.

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Mas nem por isso deixou de acentuar a instabilidade estrutural da maioria parlamentar de esquerda causada pela não integração do PCP e do BE nos Executivos, o que terá decerto contribuído para que o candidato que se apresentou  às presidenciais de 2021 como originário da direita social, conquistasse o voto de mais de 60 por cento dos eleitores, aparentemente, metade oriundos do centro-direita e metade oriundos do centro-esquerda.

2. Em face de um resultado de tal dimensão, é de esperar que os dirigentes do PSD/PPD, do CDS/PP e do PPM se apressem a acordar na apresentação conjunta às eleições autárquicas com a sigla comum mais forte da direita social, AD, a fim de conquistarem, em outubro, o maior número possível dos 2,5 milhões de votos que recebeu a respetiva candidatura.

Com efeito, para que chegue vitoriosa às legislativas em 2023, ou 2022, a dinâmica iniciada com a mudança de maioria parlamentar nos Açores em 2020, e consolidada nas presidenciais de 2021, requer instantemente aquele passo, o qual, por seu turno, requer uma determinação férrea por parte do líder do PSD/PPD, na medida em que a distribuição entre os três partidos dos candidatos que a AD apoiará para presidir aos mais de 300 concelhos terá, naturalmente ,que fazer tábua rasa das sondagens e dos comentários.

A apresentação da AD às autárquicas deve, além disso, sem prejuízo do localismo que as caracteriza, assentar num elenco de compromissos ideológicos que apontem já, sem ambiguidades, o caminho para as políticas concretas que serão submetidas ao eleitorado pela mesma coligação nas próximas eleições legislativas, daqui a dois ou três anos, e para a correspondente divisão do trabalho no futuro Governo.

Esta divisão do trabalho tem que estar muito bem alicerçada na identidade histórica de cada um dos três partidos que compõem a AD, cabendo ao PSD/PPD a responsabilidade de aumentar a capacidade de escolha dos cidadãos na Educação e na Saúde e de libertar a capacidade de criação de riqueza paralisada há 20 anos por impostos e regulamentos excessivos; cabendo ao CDS/PP a responsabilidade de, seguindo as pisadas do Presidente da República durante o primeiro mandato, concentrar o esforço coletivo de solidariedade social nos que foram descartados nos lares, nas ruas, nos bairros de barracas, nas aldeias remotas, nos hospícios e nas prisões; e ao PPM, a responsabilidade de resgatar o que resta do legado de Gonçalo Ribeiro Teles, através da restauração e institucionalização das reservas agrícola e ecológica nacionais, tão caras à maioria dos portugueses de todas as gerações.

Seriam compromissos, ao mesmo tempo, enraizados na história política da direita social nos últimos 45 anos, mas que também iriam ao encontro das prioridades da atual presidente da Comissão Europeia e que, por conseguinte, seriam bem recebidos em Bruxelas.

Claro que este caminho é impossível sem, por um lado, sacrificar o imobilismo dos aparelhos e sem, por outro lado, fazer um investimento deliberado e consistente, antes e depois das autárquicas, no debate sobre as políticas preconizadas pela AD, com a sociedade civil, a universidade e o setor privado, mas é o mínimo que exige a vitória notável do candidato da direita social nas presidenciais.

Os políticos mais livres, aqueles que, em vez de basearem a sua ação no que leem nas sondagens, na opinião das iluminados e na vontade de agradar a gregos e troianos, ousarem propor aos eleitores soluções genuínas para os problemas que afligem as suas vidas, por mais duras que essas soluções pareçam, e sejam, são os que acabarão por merecer a confiança da maioria.