Para um político, há uma coisa ainda mais importante do que os discursos: é o que os assessores de comunicação chamam normalmente a “linguagem corporal”. E percebe-se bem porquê. As palavras enganam, mas as imagens raramente mentem.

Já assisti a muitas conferências de imprensa e, por dever profissional, passei alguns anos a observar com atenção a “linguagem corporal” de líderes políticos. Depois de ter assistido às declarações de António José Seguro no domingo à noite, tenho uma certeza: ele sabe muito bem que não ganhou as eleições europeias. Foi penoso. O sorriso amarelo ocupava o ecrã da televisão, o ar de tristeza de Assis, os vivas forçados de meia dúzia de militantes, o ar de enterro de duas ou três caras conhecidas na fila da frente. E depois de ouvir o líder socialista ter dito umas dez vezes nos dois primeiros minutos “ganhámos”, percebi que ele precisava de convencer-se a si próprio e aos restantes socialistas que tinham ganho. Seguro não estava a falar para os portugueses, mas sim para o interior do seu partido. Estava a dizer, ‘podem fazer tudo o que quiserem contra mim, que eu ganhei e por isso daqui não saio. Em troca continuarei a atacar implacavelmente o governo’.

Pior do que tudo para Seguro, uns minutos antes as imagens tinham mostrado um Passos Coelho e um Paulo Portas com um ar aliviado. Por uma vez, até pareciam felizes lado a lado. A televisão pode ser devastadora.

Muitos jornais repetiram a lenga lenga do que por um voto se ganha, como se a política fosse futebol. Ora a política está longe de ser como o futebol, e umas eleições não são um jogo de futebol. Todos os portugueses sabiam que a coligação PSD-CDS iria perder as eleições. Muitos previam uma vitória esmagadora do PS: “dez pontos de diferença”, “PS com cerca de 40% e governo abaixo dos 30”. Alguns até falavam de “demissão do governo” e de “eleições antecipadas.”

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Ou seja, a questão central das eleições europeias era apenas uma: os portugueses olham para o PS como uma alternativa ao governo? Estão os socialistas a caminho de um vitória clara em 2015? A resposta foi um claro não, em ambos os casos. E não acreditem naqueles que dizem agora que não se pode fazer “leituras das eleições europeias para as legislativas.” Muitos deles teriam pedido a demissão do governo em caso de uma “grande vitória socialista.”

Os dirigentes socialistas sabem que para alcançarem uma vitória clara em Setembro de 2015 precisavam de um resultado muito próximo dos 40%. Tiveram 31.5%. Foi uma derrota de 8.5 pontos. E sabem igualmente que necessitariam de ir buscar votos à direita e esquerda. Daí a encenação patética de um pequeno-almoço com António Capucho e a declaração inútil de apoio da Joana Amaral Dias. Será que no Largo da Rato alguém acredita realmente que este tipo de acões valem mais do que dois votos (os dos próprios) no PS? Se acreditam, e parece que sim, a pobreza de pensamento politico por aqueles lados não deixa de ser espantosa. Como demonstrou o fracasso de Rui Tavares e o seu projecto politico pessoal (será que a vaidade não tem limites?), as deserções em política não compensam.

A verdade é que o PS não deu um único passo para qualquer dos lados. No seu lado direito, todos os que estão insatisfeitos com o governo (e não são poucos), ficaram em casa, contribuindo para a esmagadora vitória da abstenção. Estes são normalmente os que votam tanto no PS como no PSD e portanto ajudam a decidir as eleições. Ora se nem a enorme insatisfação que sentem os leva a votar no PS, é porque Seguro não os convence.

Em relação ao lado esquerdo, o fracasso do PS foi idêntico. O Bloco de Esquerda está em vias de desaparecimento. A continuar assim, voltará a ser simplesmente a soma da UDP com o PSR. Regressará a uma pureza ideological radical e a uma mais do que merecida irrelevância. Até um antigo bastonário da Ordem dos Advogados ficou à frente dos bloquistas (ainda é cedo para se dizer que Marinho e Pinto não passa de um segundo Nobre, lembram-se?). Com a queda dos órfãos de Loucã, assistiu-se ao fracasso de Mário Soares de tentar legitimisar o BE como um parceiro de um governo de coligação do PS. E a subida do PCP ajuda a matar a possibilidade de uma maioria absoluta de esquerda em 2015.

A ‘derrota’ do PS e a incapacidade de conseguir uma maioria absoluta em 2015 significa que, apesar da insatisfação da maioria dos portugueses, os eleitores deram uma segunda oportunidade ao governo. Conseguirá este aproveitá-la? Conseguirão o PSD e o CDS transformar a sua aliança no único projecto de estabilidade política em Portugal? .