Os portugueses gastarão em 2025 mais de 16 mil milhões de euros no seu Serviço Nacional de Saúde. Ao contrário da percepção generalizada de todos os que usam o SNS, sejam portugueses ou estrangeiros, a saúde em Portugal não é gratuita. Convém, pois, que este dinheiro seja aplicado da melhor maneira, em quem fizer melhor e mais barato. Isto leva-nos a exigir a medição de resultados pois, como escreveu Peter Drucker, “o que não se mede, não se pode melhorar”.
Dizer, como se ouve com frequência, que em Portugal não se mede nada é certamente um exagero. Mas, embora se meçam muitos indicadores há́ um longo caminho de progressão até que o dinheiro que investimos produza os melhores resultados, que são os maiores ganhos em saúde.
Em primeiro lugar, porque o dinheiro é essencialmente gasto a tratar doenças em vez de ser empregue em promoção da saúde.
Em segundo lugar porque o sistema assenta principalmente na remuneração dos tratamentos de doença aguda, quando as doenças crónicas são cada vez mais prevalecentes.
Em terceiro lugar porque há enormes assimetrias e injustiças geográficas e entre várias áreas e especialidades da Medicina.
Em quarto lugar porque existe um certo deslumbramento ao promover a inovação sem que esta demonstre realmente o valor que traz a cada doente, além de que não é habitualmente considerado o custo de oportunidade de não tratar muito mais doentes em tratamentos convencionais.
Em quinto lugar porque se insiste em pagamentos por quantidade de actos (consultas, cirurgias, exames, técnicas, medicamentos, …) sem demonstração do valor em saúde que se oferece aos doentes.
Em sexto lugar porque até mas USF, onde o financiamento está mais próximo da qualidade, ficaram-se pelos indicadores de estrutura e processo, sendo residuais o financiamento por resultados. Nos hospitais, é pequena a parte dos pagamentos indexadas a indicadores de qualidade.
Em sétimo lugar porque as prioridades de investimento são quase sempre determinadas por proximidade ao poder.
As reformas da saúde em Portugal sofrem de duas enfermidades fatais: são habitualmente levadas a cabo por actos de fé (quando não originadas em motivos inconfessáveis), sem apresentação de evidência da sua bondade, e são interrompidas ou adulteradas quando mudam os governantes, sem darem tempo para poder ser feita a confirmação ou infirmação da sua pertinência.
As Unidades Locais de Saúde (ULS) generalizadas este ano já tinham sido testadas no terreno com resultados positivos, apesar de terem funcionado com subfinanciamento crónico, ao arrepio do modelo de capitação que agora se anuncia. O pecado original desta nova onda de ULS foi não terem começado com orçamentos por capitação a partir do primeiro dia. Em 2024 o valor da capitação (financiamento da ULS por habitante inscrito) variou entre cerca de 650 e 2000€ por habitante. A média foi de cerca de 1050€ (tabela anexa). Isto aconteceu porque se limitaram a somar os orçamentos de 2023 dos hospitais aos dos centros de saúde, mantendo-se uma hierarquia de ULS que não faz qualquer sentido. Este ano as alterações são opacas, com tendência para aumentar as assimetrias, não se percebendo o racional da distribuição do dinheiro. O principio da ULS é que o dinheiro acompanha o cidadão. Será que os cidadãos de umas ULS têm menos direitos que os outras?
O modelo de estratificação de risco que está a ser preparado, baseado no consumo dos recursos, também vai beneficiar os mais ineficientes e perpetuar as desigualdades entre áreas geográficas.
Cabe aos governos definir quanto é que se investe na saúde dos portugueses. É uma decisão política que considera o orçamento disponível e opções de governação. O resultado é uma determinada quantidade de dinheiro para cada instituição do SNS. Este dinheiro é, recorda-se, pago pelos cidadãos para manter um sistema que promova a sua saúde e os proteja em caso de doença, o que faz com o destino do nosso dinheiro deve ser objecto de profundo escrutínio. A discussão, tão frequente, sobre se o prestador é público ou privado é importante, mas secundária, e deve ser tida dentro das ULS e em sede de orçamento das mesmas.
O guardião deste dinheiro que entregamos ao Estado sob a forma de impostos é a ACSS (Administração Central do Serviço de Saúde). Esta entidade assume o papel de agência de contratualização e deve responder perante os cidadãos onde gasta o dinheiro. Mas só pode fazê-lo se forem transparentes os critérios e as transferências. E estes não podem ser outros que não sejam o acesso, a segurança, a eficácia, a tempestividade, a eficiência e a equidade. Numa palavra: o Valor.