1 Portugal não tem falta de médicos. É o oitavo país com maior número de médicos per capita do mundo, 7º maior da Europa e 4º maior da União Europeia (5,1 médicos/1000 habitantes – números do World Bank; 5,2 – números do Pordata).

2 O SNS tem falta de médicos, sim, especialmente no Interior e no Algarve, mas também em algumas especialidades, em outros locais, nomeadamente Lisboa.

3 As especialidades mais deficitárias são Saúde Pública e Medicina Geral de Familiar. Mas há especialidades hospitalares com grandes listas de espera.

4 Depois de entrar na faculdade, um médico demora 10 a 12 anos a formar-se. Uma parte é na universidade (6 anos), a outra no SNS (3 a 6 anos, dependendo da especialidade). Não adianta continuar a abrir vagas na primeira metade, se não abrirem vagas na segunda. No ano passado ficaram cerca de 600 licenciados em Medicina sem vaga de Internato Médico, os quais fariam muita falta ao SNS. A solução que estes médicos têm para continuar a sua vida é emigrar.

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5 As vagas de Medicina têm aumentado. Actualmente são mais de 1500 por ano. As 7 faculdades de Medicina estão a abarrotar pelas costuras. Em algumas, os alunos já não falam com doentes, mas sim com actores treinados ou simuladores. Os doentes dos hospitais universitários com casos “interessantes” são incomodados por hordas de alunos nas aulas.

6 Além desses 1500 licenciados por ano, estão a ser formados noutros países (Espanha, República Checa, Reino Unido, para dizer os mais importantes) mais algumas centenas de médicos portugueses. A esses acresce a livre circulação de trabalhadores de outras nacionalidades, menos significativa em número.

7 O Ministro da Ciência e Tecnologia diz que é preciso formar mais médicos. Propôs que as faculdades actuais aumentassem ainda mais as vagas. Estas não “aproveitaram”. Agora vai virar-se para mais universidades. Há candidatos privados (CESPU, Católica Lisboa). O ministro vai propor às universidades de Aveiro (que teve uma tentativa falhada em 2012) e Évora que abram Medicina.

8 Não é fácil abrir e manter um curso de Medicina: é necessário que um ou mais hospitais sejam parceiros do projecto e que as quase 50 especialidades médicas estejam representadas, para que os alunos, depois de um ciclo de ciências mais fundamentais (Matemática, Química, Bioquímica, Física, Anatomia, Histologia, Fisiologia, Patologia, Imunologia, Genética, Farmacologia, etc.), tenham contacto com doentes com as diversas patologias que compõem o curso para obterem a formação mais ampla possível. Poucos hospitais têm todas as especialidades. E é um dos cursos mais caros que existe.

9 No ano passado, a Universidade Católica de Lisboa tentou abrir o curso de Medicina. A decisão final da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), que é soberana neste tema, foi chumbar esse curso. No processo, foi particularmente mediatizado o parecer negativo dado pela Ordem dos Médicos, baseado no facto de os hospitais parceiros não cobrirem todas as especialidades médicas, mas também no facto de o curso ser dado em inglês, naquilo que constituiu uma “saloiice” e o principal factor de descrédito do parecer, que genericamente apontava na direcção certa.

10 Concluindo:

a) A falta de médicos no SNS não se deve às poucas vagas do curso de Medicina no Ensino Superior.

b) Portugal está a formar médicos suficientes, só falta saber aproveitá-los, abrindo vagas de Internato Médico, para que todos possam tirar a especialidade e serem úteis ao país.

c) As faculdades de Medicina portuguesas não aguentam levar com mais alunos de Medicina: a qualidade do ensino está a degradar-se. Os alunos estão a ter um ensino essencialmente teórico.

d) Embora não seja uma necessidade, é preferível abrir Medicina em mais faculdades, sejam públicas ou privadas, e diminuir o número de vagas nas faculdades existentes salvaguardando que os alunos, no seu percurso formativo, passem pelas especialidades necessárias a uma completa formação, e as turmas tenham uma dimensão razoável. Mas não é preciso aumentar o número total de vagas, porque não é preciso mais licenciados em Medicina.

e) Se pagassem melhor aos profissionais de saúde, nomeadamente aos médicos, talvez não houvesse tanta emigração. A Suécia, a Dinamarca, o Reino Unido, a Irlanda, a Suíça, a Noruega, adoram contratar médicos portugueses. Não pagam a sua formação e têm à disposição médicos de qualidade cuja formação, que não é barata, foi paga pelos contribuintes portugueses.

Uma última nota: se continuarem a aumentar vagas de Medicina nas universidades portuguesas sem o equivalente aumento de vagas de Internato Médico, não vão resolver a falta de médicos no SNS. Apenas vão aumentar a emigração dos licenciados em Medicina que se vêem impedidos de continuar a Carreira Médica em Portugal.

A solução para a falta de médicos no SNS está no próprio SNS. Não é preciso inventar a roda.

Outras leituras úteis: São precisos mais cursos de Medicina.