Os Portugueses não querem saber das eleições europeias para nada. E estão no seu direito – é lamentável, é irresponsável, é perigoso, mas é o seu direito.
É certo que os debates televisivos e a campanha agressiva e apalhaçada dos partidos não ajudam a criar motivação para ir às urnas, mas a culpa da abstenção não é dos políticos, ao contrário do que se diz para aí. A culpa da abstenção é de quem se abstém, que acha que a eleição não lhe diz respeito ou que o seu voto é irrelevante. Simplesmente, não lhe interessa “a política”, “os políticos”, “o sistema” e muito menos os assuntos “europeus”.
Trata-se a meu ver de um reflexo da cultura democrática do nosso país, que promove activamente a irrelevância e o desinteresse cultural, político e cívico através da oferta massificada da monocultura do futebol e da distribuição a torto e a direito de pão e circo visando a criação de uma plateia acrítica.
Inspirado pelo outro lado do Atlântico, proponho uma nova narrativa (como agora é moda dizer). Lance-se um candidato do mundo dos negócios (desses que sabem fazer em vez de falar), mostre-se a história do homem e as suas semelhanças com o herói do povo – Cristiano Ronaldo -, o nascimento pobre numa ilha remota e sem futuro, a emigração para a distante África, a conquista a pulso, primeiro devagar e depois com exuberância, acrescente-se uma dose de negócios especulativos com diamantes e malas de dinheiro à mistura, apaziguem-se as elites com flutes de champagne e obras de arte contemporânea e as “tias de Cascais” com um fato preto sempre de corte impecável e negócios de herdades e vinha que têm sempre distinção. Faça-se isso e temos o candidato e a narrativa perfeitas.
A seguir, convide-se um Bannon da vida a escrever o discurso e a fazer a propaganda certa nas redes sociais e voilà! Ninguém resistirá a Berardo e ao seu slogan “Make Portugal Great Again”.
Quantos votos teria? Quantas almas o endeusariam? Quantas entrevistas e capas de jornal daria? E não me venham com a tese do respeito e dos risos e dos calotes!
Recordemos a verdade para depois a voltarmos a esquecer rapidamente: o homem queria dinheiro para investir (designadamente em acções) foi à banca pedir e esta emprestou-lhe sem garantias. Top!
Entretanto, o Governo de José Sócrates decidiu criar um museu de Arte Moderna e Contemporânea, aproveitando o acervo do senhor comendador, e para isso criou um museu com o seu nome e até se comprometeu a pagar (o Estado, claro está) as despesas de funcionamento da respetiva fundação. Top!
E se Sócrates o terá usado como peão no jogo de interesses que visava manter o controlo da Portugal Telecom (alguém ainda se lembra do que isso era?) e ter mão no BCP, paciência… Eu lembro-me de ver Berardo entrar na Assembleia Geral da PT debaixo de bandeiras vermelhas agitadas por sindicalistas e simpatizantes do PCP, que o saudavam como o capitalista vermelho, e de o ver pisar uma passadeira vermelha mais do que uma vez para receber as sucessivas medalhas que correspondiam a tão fiel comportamento. Top!
Parece que o Sr. Berardo ficou, pelo caminho, a dever umas centenas de milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos (sem curar dos outros bancos) e foi chamado a uma Comissão de Inquérito parlamentar onde fez o seu número habitual do clown ingénuo, trapalhão e esquecido – que nos tempos de Sócrates tanto enternecia o país.
Se Bannon cá estivesse, essa teria sido a rampa de lançamento da campanha – o homem despreza o sistema, os políticos e toda essa turba e ainda por cima se safa com um sorriso. Que delícia!
Como não deu jeito nesta fase, a classe política diligente tratou de o enxovalhar publicamente, insultando-o diariamente, sendo que as pedras mais pontiagudas vieram daqueles que no Governo Sócrates lá estiveram nos museus, nas vernissages e nos jantares da Bacalhoa.
Claro que este é um artigo de ficção, mas fica aqui um alerta. Os que hoje se regozijam dizendo que Portugal está imune ao populismo são os mesmos que plantam as sementes da desertificação e do desinteresse e que escancaram as portas ao aparecimento de um Trump Português.
Joe Berardo é aqui o que menos interessa. É só o rosto visível de uma certa classe empresarial espertalhona e permanentemente colada ao poder e encostada ao Estado, servindo-se mutuamente numa simbiose de interesses cuja fatura é sempre atirada para a frente e sempre paga pelos contribuintes sujeitos à mais brutal carga fiscal de que há memória em Portugal.
Suspeito portanto, por tudo isto, que os eleitores não enjeitariam aplaudir o homem de “mérito”, que subiu a pulso, que se fez rico à custa das falhas do sistema. Do mesmo sistema que os esmaga e os oprime com impostos, serviços públicos de baixa categoria e operações stop da GNR para cobrar dívidas ao fisco de arma em punho, penhorando automóveis – esse sistema do qual gostariam de se vingar secretamente.
Comendador! Comendador! Candidate-se por favor!