Quero aqui deixar uma primeira nota de sobriedade e de seriedade, porque se aproximam eleições europeias e a União Europeia é uma coisa séria. E, desde logo, é uma coisa diferente da “Europa”, embora sejam palavras normalmente utilizadas de forma indistinta.

São coisas diferentes, radicalmente diferentes, e nessa diferença reside o fulcro da questão “europeia” actual. A Europa é velha de milénios e deve as suas marcas de uniformidade civilizacional fundamentais (pelo menos a ocidente) a Roma e ao império unificador da lei e da cultura dos romanos. A Europa nunca foi, no entanto, um território propenso a períodos extensos de paz militar e as tensões, disputas políticas e guerras sangrentas foram praticamente sempre uma constante, muito potenciadas pela política de alianças entre os Estados (tal como concebidos, segundo parâmetros modernos, sobretudo a partir do séc. XVI), tão fundamental quanto variável.

Esta política de alianças potenciou a polarização entre blocos e tornou, por isso, cada vez mais difícil o surgimento de guerras localizadas e imunes à interferência de terceiros – as consequências desta alteração de escala dos conflitos desembocou nas duas guerras mundiais que a primeira metade do século passado conheceu.

Pois bem. É conhecido o estado de devastação em que se encontrava o nosso continente em 1945: um território exaurido económica e espiritualmente e destroçado física e financeiramente, imediatamente retalhado entre as potências aliadas e dividido a meio em termos ideológicos e geo-políticos.

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Em 9 de Maio de 1950, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Francês, Robert Schuman, em concerto com Jean Monnet, propôs a instituição do controlo bilateral (Francês e Alemão) da produção de matérias-primas fundamentais para o desenvolvimento de qualquer esforço de guerra futuro, como carvão e o aço à cabeça.

Esta proposta visionária – de implicações económicas e políticas, em direcção à unificação e depois à integração europeia – veio a ser materializada no Tratado de Paris de 1951 (celebrado entre França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – a antecessora directa da Comunidade Económica Europeia, criada em 1957.

O objectivo primordial e mediato dos fundadores que mencionei acima foi, claro está, militar – tornar a guerra impossível na Europa. Esse propósito foi, para já, um êxito quase total, mas nada nos garante que assim continue a ser.

A União Europeia é, como é sabido, uma organização jovem, especialmente quando se faz um esforço de contextualização histórica – e, na verdade, a sua massa crítica não é ainda suficiente para que possamos descansar à sombra da robustez das suas instituições, da lucidez das suas lideranças ou da profundidade das suas políticas.

Bem pelo contrário! Estamos hoje confrontados com problemas no seio da União Europeia que contêm em si mesmos a semente da destruição do edifício construído sobre as ideias de Schuman e Monnet.

A insatisfação galopante dos cidadãos, o sentimento de distância de Bruxelas e de distanciamento dos políticos e a crise recente mal e tardiamente atalhada expuseram o espaço europeu a toda uma sorte de novos desafios e ameaças cujo desfecho está longe de ser claro: o Brexit, os nacionalismos e proto-fascismos, a esquerda extremista e nacionalizadora, a desarmonia bancária e fiscal, a falta de sintonia na abordagem às migrações, as tensões geo-estratégicas nas fronteiras a leste, etc., etc., etc.

E agora? Mais integração ou encolhimento do euro-espaço? Federalismo ou soberania? Mais euro ou menos euro? Mais política nacional ou mais política comunitária? Impostos europeus, exército europeu, bancos europeus?

Por cá, têm-nos chegado e são relativamente conhecidas as visões de alguns políticos que intervêm na ágora Europeia e que têm pensamento próprio com profundidade, denotando cultura e reflexão e contendo propostas para discussão sobre o presente e sobre o futuro, concorde-se ou discorde-se.

Destaco os nomes de Carlos Moedas, Paulo Rangel, José Manuel Fernandes, Ana Gomes e Francisco Assis (estes dois últimos, por sinal, renegados pelo PS), que muito têm contribuído para a informação dos cidadãos, para transmitir pontos de vista construtivos e palpáveis sobre a União Europeia e, por isso mesmo, na minha opinião, para a diminuição da abstenção.

E António Costa? E o Partido Socialista? E aquele que se diz o mais europeu de todos os partidos? O que pensa? O que quer? O que propõe? O que defende? O que abomina? O que anseia?

Não sei. Não sabemos. Sabemos as quatro coisas que propõe o solitário e incógnito funcionário Pedro Marques, que no comício de arranque da sua proto-candidatura, amplamente difundido pelas televisões e dirigindo-se ao cabeça-de-lista-de-facto às eleições europeias, as anunciou com enlevo:

Costa/avança/com toda a confiança! (1)
Costa/avança/com toda a confiança! (2)
Costa/avança/com toda a confiança! (3)
Costa/avança/com toda a confiança! (4)

Quanto ao resto, não sabemos nada.