Os portugueses não são dados à leitura. Segundo um estudo da Marktest de 2014, 2014 só 65% dos portugueses com mais de 15 anos tinha lido pelo menos um (um!) livro no ano anterior. Em média lêem 3 a 5 livros por ano. Mais de um terço dos garbosos nacionais não leu mais do que os rótulos da comida no supermercado e os títulos das revistas cor de rosa e dos jornais desportivos. Catarina Martins, do BE, está justamente preocupada. Pelo que propõe duas medidas infalíveis: atacar as editoras que vão conseguindo sobreviver e expropriar efetivamente a propriedade aos senhorios de livrarias e alfarrabistas.
Catarina Martins – que tem uma quota inegociável de 20% da produção nacional de disparates – visitou a feira do livro de Lisboa deste ano e partilhou connosco o seu magno plano. Deixem-me ir mais à frente ao magno plano, porque na visita à feira do livro a líder do BE informou-nos de uma realidade calamitosa: ‘a concentração do mercado editorial e livreiro tem diminuído o acesso à diversidade dos livros’.
Ora é curioso. É que eu nunca diria que um dos problemas do país fosse a falta de acesso à diversidade de livros. Sobretudo depois de uma visita à feira do livro. É certo que talvez falte vontade aos editores de lançarem livros com títulos do jaez de ‘Tornar-se Revolucionário em 10 Passos’, ‘Aprender a odiar a propriedade privada’, ‘Teoria Avançada da Luta Armada’ ou, ainda, ‘Guerrilheiro Sempre’. Entendo, e simpatizo, que este nicho de mercado esteja sub representado nas edições portuguesas, mas ainda assim havia muitos livros, e diversos, na feira do livro. O mercado editorial tem alguns problemas, é certo, mas também é verdade que há várias editoras pequenas com catálogos bem interessantes – ainda que, lá está, sem um excelente ‘Troquei a minha família pela militância no extremismo de esquerda’.
Na minha primeira visita à feira do livro encontrei ao fim de dois minutos o escritor chinês Yu Hua a dar autógrafos. Na minha modesta opinião, é um autor que, sem me supor demasiado temerária, diria que é ‘diversidade’. No livro que me autografou – “China em Dez Palavras” – fala da revolução cultural, quando de facto existiu uma abundante falta de ‘acesso à diversidade de livros’. Yu Hua conta como só conseguiu ler “A Dama das Camélias” depois de copiar à mão, com um amigo, um exemplar da obra disfarçado com uma foto de Hua Guofeng na capa. Talvez esteja distraída, é possível, mas não nos julgo perto desta ‘falta de acesso’.
Por outro lado, há essa novidade maravilhosa chamada internet. E aposto que as pessoas que leem mais de três a cinco livros por ano não são infoexcluídas, terão acesso aos milhões de livros que se vendem nos mais variados sites em línguas sortidas. Pode aliviar o coração deste problema de acesso à diversidade, Catarina Martins.
Mas vamos às propostas do BE. De chofre, quer contrariar a concentração do mercado editorial. Traduzo: quer estragar, de qualquer forma criativa, a vida às empresas que já têm dificuldades num mercado com portugueses que pouco leem – donde, há poucos consumidores. Também tenciona impedir os despejos de livrarias e alfarrabistas, provocados pela malévola especulação imobiliária. Ou, em palavras mais simples, atacar ainda mais o direito à propriedade privada.
Mas afirmo que partilho algumas das preocupações de Catarina Martins. As editoras e as livrarias devem ser ajudadas pelo Estado, e a leitura (de livros diversos ou ortodoxos) incentivada. Mas pelo Estado, Catarina Martins, percebe? É o Estado que tem de fazer a sua parte, não criar engulhos às empresas maiores nem explorar os senhorios.
Dou alguma ideias. Os livros podem isentar-se de IVA (atualmente pagam a taxa reduzida). O IRS relativo às rendas dos imóveis alugados a livrarias pago pelos senhorios pode diminuir, bem como o IMI. Até se poderia condicionar a redução destes impostos ao arrendamento a livrarias de grupos com menos de x euros de vendas consolidadas – para favorecer as pequenas livrarias independentes. E sim, Catarina Martins tem razão, a política do preço único dos livros deve ser alterada. Os grandes grupos livreiros conseguem furá-la com cartões de desconto, promoções cirúrgicas e por aí adiante. As pequenas livrarias poderiam conseguir competir se não estivessem obrigadas a manter preços iguais aos das livrarias maiores, sem igual capacidade para gerar descontos para usar no futuro.
E, Catarina Martins, sabe o que também era catita? Era a Autoridade Tributária não vampirizar as editoras que expõem na feira do livro. É particularmente vil que num setor longe de saudável, na ocasião em que as editoras podem despachar stocks e ter boas entradas de tesouraria, a Autoridade Tributária atormente empresas de um mercado exíguo. E, calhando, lhes aplique multas de milhares de euros por ridicularias como não discriminar na fatura o livro vendido.
Em 2016 o fisco atormentou, qual espírito mau, as editoras que estavam na feira do livro. E ainda se mostrou orgulhosa do número de autos e de isto e aquilo. Este ano reincidiu e visitou as barraquinhas de livros no Parque Eduardo Sétimo. Sabe, Catarina Martins, apoiante do governo que tutela a AT, o que era bonito? Não ser hipócrita.