Vivo na mesma casa desde 1998. O espaço público onde se insere era dominado pelo conforto mental e físico transmitido pela higiene, limpeza, beleza da envolvência saudável de Portugal do século passado. Menos de uma década depois, coincidente com o avanço cultural vertiginoso e avassalador da esquerda, esse espaço existencial começou a ser violado. Colocar o pé na rua passou a ser entrar num espaço público dominado por uma névoa depressiva de imundice, de um nojo grafiteiro que foi conspurcando a fachada do meu prédio, rua, freguesia, bairro.

Vómitos de tintas foram tomando conta de muitas e muitas fachadas exteriores de edifícios e demais construções, mesmo em espaços de acesso improvável, vandalismo urbano e suburbano que se propagou pelo país neste século XXI eufemisticamente batizado de arte urbana. Não há crime da esquerda que não tenha nome bonito, heroico, artístico, inclusivo.

Tal ódio manifesto à propriedade tem subjacente o ódio latente ao ser humano, às suas realizações, conquistas e respetivos símbolos perduráveis desde que a história se fez história. Traço típico do ataque aos ricos pelo marxismo cultural que, paradoxalmente, martiriza sempre os mais pobres.

Não existe descontinuidade entre o indivíduo e o coletivo, pelo que a necessidade intrínseca do ser humano viver em conforto mental é indissociável da higiene e beleza do meio onde habita. Por pobre que seja, começa na intimidade da casa de cada um de nós, estende-se à rua e bairro onde habitamos e, para citar um caso emblemático, vai até ao conforto existencial de contemplar a limpeza, beleza, cuidado do arranjo envolvente da magnitude do Mosteiro dos Jerónimos, em Belém/Lisboa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A vandalização de qualquer espaço edificado – da nossa casa ao mais significativo monumento nacional – tem o mesmo significado na nossa saúde mental. É sempre a violação da nossa intimidade, identidade, dignidade, segurança. Nenhuma construção afetivamente significativa para os seres humanos se esgota num amontado de betão e pedra, uma vez que nós projetamos nela a nossa condição humana, damos-lhe a nossa alma. A construção preserva e devolve-nos esse sentimento. Quem se afasta muitos anos do lar de infância e um dia regressa percebe com simplicidade o poder dessa experiência humana.

Como a esmagadora maioria dos portugueses, não vejo todos os dias o Mosteiro dos Jerónimos. Porém, todos os dias vejo a fachada exterior e envolvência do prédio onde habito violentadas por grafitis que, vezes sem conta, me deprimem pela memória consciente e inconsciente do tempo bom em que aqueles mesmos espaços eram símbolos de limpeza, higiene, dignidade do espaço público. Mas também eram a saudável continuidade daquilo que nos esforçamos por ter na intimidade do nosso lar. É deprimente sentir que o lar e a rua se tornaram inimigos, que a última quer destruir o primeiro, que a populaça foi culturalmente instigada a destruir a família.

Quanto mais carenciados são os bairros suburbanos, mais depressivo é o sentimento de sujo, nojo, violação, vandalização grafiteira dos espaços públicos. O pouco de bom que os pobres sempre tiveram ao longo de milénios foi-lhes arrancado pelo marxismo cultural.

Uma das imagens gratas que guardo de Moçambique é a das mulheres das habitações pobres, as mamanas das palhotas, como se dizia, na sua secular tradição ancestral começarem o dia a varrer o quintal de terra batida à volta do lar. Quando a poeira assentava, ficavam na terra os veios da vassoura artesanal de ramos secos, ritual matinal de higiene mental e física dos mais pobres entre os pobres. Depois os da casa, e também galinhas e patos, iam apagando e sujando esse toque da alvorada deixando as marcas do seu caminhar. No dia seguinte tudo se repetia. Retrato do que sempre foi a luta do ser humano pela sanidade existencial do espaço em que vive, luta que temos de restaurar.

Deste lado do mundo, duvido que exista uma única pessoa de direita em Portugal, isto é, do Partido Chega, que tolere a vandalização de qualquer momento nacional, edifício ou espaço público, entre palácios, igrejas, museus, teatros, estátuas, centros culturais, escolas, hospitais, pontes, complexos desportivos, prédios, casas ou simplesmente ruas. O mesmo com as paisagens naturais cujo descuido é o horror dos conservadores.

Ver a esquerda (PS, BE, PCP, Livre, PAN) e a direita fofinha (PSD, IL, CDS) – os instigadores ou coniventes com o boçal vandalismo grafiteiro urbano e suburbano das décadas recentes e sem precedentes históricos – acusarem os deputados do Partido Chega de vandalizar o edifício da Assembleia da República, o Palácio de São Bento, por terem pendurado nas janelas faixas com mensagens políticas colocadas e removidas sem qualquer dano, é o cúmulo da estupidez.

Eu, os meus vizinhos, as pessoas do meu bairro e os portugueses cuja propriedade foi vandalizada por grafitis – por responsabilidades objetivas do poder cultural da esquerda – talvez não fosse má ideia começarmos a enviar a fatura por danos morais e patrimoniais à Assembleia da República. Quem sabe se tanto deputado hipócrita aprenderia a lição.