As alianças são, por definição, uma união entre duas ou mais entidades em prol de um objectivo comum. E é a sua utilidade e capacidade de adaptação ao tempo ou aos tempos que as faz ou não perdurar. A que celebramos esta semana tem mais de seis  séculos e meio. E tem o Mar no seu centro. Começou por ser o meio pela qual também conseguimos garantir a nossa independência e a dos nossos territórios, facto repetido  inúmeras vezes ao longo da nossa história; deu-nos aquela que seria a geração de Aviz e “novos mundos ao mundo”; teve momentos de quase cisão, em que os  interesses nem sempre foram coincidentes (como no caso dos territórios portugueses em África); outros em que foi accionada, como em 1982 para a utilização da base das  Lajes durante a guerra das Falklands, mas, acima de tudo, foi e é um instrumento potenciador da vocação atlântica dos dois países versus o continentalismo absorvente europeu. No século XXI como no século XIV. Reinava em Inglaterra Eduardo de Lencastre  e em Portugal o rei D.Fernando quando, em 16 de junho de 1373, se assinou o Tratado de Westminster, depois reforçado pelo de Windsor de 1386. Já vinte anos antes, em 1353, no reinado de Afonso IV se celebrara o Tratado de Londres, assinado pelo Rei de  Inglaterra e pelos mercadores das vilas e cidades marítimas de Portugal.

Se era reconhecida a importância comercial, era essencialmente de estratégia geopolítica e do xadrez da guerra dos 100 anos que se tratava. E seria sempre assim,  mudando o nome à guerra, ajustando-se os seus intervenientes, mas mantendo sempre a componente de duas nações atlânticas que se solidificam a si, aos seus impérios e agora às suas zonas de influência.

A criação da ONU e da NATO logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, a adesão à EFTA e depois ao que seria a União Europeia trouxeram novos espaços de diálogo entre os dois países, ainda que numa vertente multilateral; a saída desta última por parte do Reino Unido e a nova Ordem Mundial em que a NATO assume novos desafios, é uma oportunidade para o aprofundamento do relacionamento bilateral, agora mais centrado no eixo Londres/Lisboa do que em Bruxelas, que pelo não apostar numa política atlântica vê hoje deslocar a centralidade do mundo para o Pacífico e em tratados como o AUKUS. E no reforço do atlantismo também como defesa do hiberismo e da fuga dos centros de decisão de Lisboa para Madrid. Na economia do mar deste eixo atlântico que importa desenvolver, 19% do investimento em Portugal é proveniente dos EUA e 15% do Reino Unido, acima, por exemplo, de parceiros da EU como a Alemanha.

E se antes foram as grandes viagens ultramarinas que colocaram Portugal no centro das decisões mundiais, é-nos dado agora um tempo único para, também através desta aliança luso-britânica, desenhar uma estratégia atlântica em que, tirando partido da mais valia da nossa situação geográfica, consigamos ser o elo de ligação imprescindível entre o continente europeu e o Atlântico sul, não esquecendo que aí estão Brasil e Angola, os dois maiores países de língua oficial portuguesa. Os recentes acordos assinados em Luanda são disso exemplo. A experiência da Commonwealth um modelo para a CPLP alargada ao mundo lusíada.

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Deve ser essa a grande prioridade nacional e estes 650 anos de ligação a uma grande  potência marítima e atlântica como o Reino Unido uma demonstração da sua validade e utilidade para os interesses portugueses. Foi sempre pelo Mar que Portugal se  fortaleceu e se concretizou como país, e foi sempre o contrário quando tal não aconteceu. Portugal desvanece-se no quadro continental e reforça-se no atlântico.

O cabo submarino de alta velocidade entre Sines e Fortaleza é, aliás, uma bela metáfora  disso mesmo. Os 19 cabos actualmente existentes demonstram como Portugal se posiciona como uma plataforma cada vez mais fundamental na área das transmissões,  com ganhos superiores  a qualquer outro concorrente europeu, incluindo o Reino Unido. Numa era em que a velocidade e segurança é cada vez mais exigente e prioritária, a proximidade geográfica aos continentes americano e africano são, de novo, uma mais-valia mas também um desafio pela necessidade de criar condições para que essa centralidade seja acompanhada com a criação de infrastruturas que as acompanhem nas suas ligações e componente securitária. Num mundo totalmente dependente de informação e da rapidez com que lhe tem acesso mais importante será o hub português com base em Sines, que liga todos os continentes à excepção da Antártida, mas maiores serão também as ameaças externas, o que deve levar a reforço da componente de segurança nesta área na revisão do conceito estratégico de defesa actualmente em curso.

Esta estratégia, natural em si mesma, decorre também e a par dos novos desafios mundiais decorrentes da pandemia e da guerra na Ucrânia e da própria nova definição  do conceito estratégico NATO. Neste, é sublinhada a necessidade de reforço das ligações  a vários níveis, nomeadamente no flanco sul e a visão 360º da organização. A resposta às novas ameaças, nomeadamente cibernéticas e híbridas mas também de segurança, energia e alimentar, gerem-se e garantem-se sobretudo por via marítima. E aí, uma vez mais, Portugal a Sul e o Reino Unido a Norte são pontos centrais nesse garante fundamental à liberdade de navegação e segurança das rotas marítimas essenciais à sobrevivência da própria Europa. Segurança essa que tem no campo ambiental um desafio conjunto decisivo. O crescente apoio britânico ao Air Centre dedicado ao estudo  do oceano e do clima atlântico situado nos Açores simboliza também isso. E os acordos de Londres de 2022, fortemente focados nas tecnologias e no investimento conjunto em energias renováveis, eficiência energética e transição digital, sinal de que a Aliança se renova e adapta sem perder a sua essência ao espírito com que foi instituída.

E se, como já foi referido, o grande objectivo comum é o Oceano e muitas são as áreas  em que esta aliança se desenvolve e renova a sua razão de existir, é também com a experiência da mais antiga democracia do mundo e com o modo de funcionamento das  suas instituições que devemos repensar todo o nosso sistema político cada vez mais frágil e incapaz de corresponder àquilo que é a defesa do interesse nacional e das necessidades dos portugueses presentes e futuros. Como disse D.João I no seu auto de aclamação, voltar ao paradigma inglês de governo “em prol e honra do que costumam  fazer em Inglaterra e que por isso são louvados em todas as partes do mundo”. Com muitas décadas (séculos) de atraso vale a pena também e sobretudo apostar nesta  forma de defesa da nossa soberania e do fortalecimento da presença de Portugal no mundo.