É bem verdade que a esmagadora maioria de nós não tinha perdido até agora um minuto das suas vidas a pensar nos afeganistões deste nosso mundo. Até porque, para a grande maioria, eles não são bem dele. Bem dizia o grande Eça quando descrevia a aflição na leitura de um jornal por a “Luisinha da Boavista ter partido uma perna” e o voltar indiferente de página com mais uma tragédia para os lados, já costumeiros, do Oriente. Não mudámos grande coisa desde então. Mas talvez desta vez, e muito pela força das imagens, sejamos obrigados a agir e a mudar.

Eles podíamos ser nós. Vemos em directo as suas caras, ouvimos os seus testemunhos como se estivessem aqui ao lado. O desespero que leva à entrega de um filho a um estranho não é muito diferente do que se passou na Segunda Guerra Mundial, em tantos conflitos no Ocidente ou em épocas de pobreza extrema no nosso país. Os Portugueses que partiram, sabendo que nunca mais voltariam, podiam-nos contar muitas destas histórias.

A mundialização também nos deu isto: o trazer para as nossas consciências aquilo que é nosso dever fazer pelo outro, por mais longe ou diferente que ele possa estar ou ser. E tanto as redes sociais como a rádio e a imprensa escrita, são instrumentos poderosíssimos para essa construção. A importância da educação, a valorização da dignidade da pessoa humana sem olhar à sua condição social ou religiosa são temas nossos, tão portugueses e ocidentais como afegãos, e estão na base de um dado modelo de sociedade que promove uma visão transformadora da humanidade. A distância agora tem outro sentido que não a geográfica e ganha uma nova forma, a da não indiferença ou do não conformismo. Por cada jovem que conseguirmos trazer para as nossas universidades, por cada homem ou mulher a quem consigamos dar trabalho digno em Portugal, estaremos a ajudar cada um de nós e a dar um sinal ao mundo de que já não queremos ser assim. Que temos força e que nos importamos. Que há uma sociedade civil que se mobiliza nas suas diferentes formas e instituições para pôr de lado barreiras por vezes quase impossíveis de ultrapassar.

Não sei se são cristãos ou muçulmanos nem de onde vêm. Mas sei que são pessoas, com uma história, uma família e uma comunidade. A que pertencem, com quem riram e com quem choraram, com quem partilharam sonhos e desilusões. E sei que um deles, que não conseguiu cá chegar, se chamava Zaki, tinha a idade dos meus filhos e também gostava (muito) de jogar futebol.

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