No último dia de campanha para as eleições europeias, as sondagens dão resultados expressivos a partidos eurocéticos que se posicionam longe do centro. A Frente Nacional francesa, o Partido do Povo Dinamarquês, o UKIP no Reino Unido e o Syriza, na Grécia, podem conquistar o primeiro lugar nas eleições para o Parlamento Europeu nos respectivos países. São os agitadores da Europa. À direita, opõem-se à perda de soberania nacional em prol da UE. À esquerda, lutam contra o neoliberalismo. A sua vitória pode ter um impacto nas políticas do continente. (continua a seguir à infografia)
Mas que partidos são estes e como surgem? Na extrema-direita, há que contar com o partido dos Democratas suecos, a Frente Nacional francesa, o Interesse Flamengo na Bélgica, o Partido da Liberdade na Holanda, a Liga Norte em Itália, o Partido da Liberdade na Áustria e o Partido do Povo na Dinamarca. Em comum têm um discurso anti-imigração e anti-islão, mas negam as acusações de racismo e anti-semitismo. À direita destes está ainda o Jobbik na Hungria e o Aurora Dourada na Grécia, partidos associados ao anti-semitismo, ao racismo e à violência e que utilizam simbologia nazi.
A Alternativa para a Alemanha, os Verdadeiros finlandeses, o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) de Nigel Farage e o Movimento 5 Estrelas (M5S) de Beppe Grillo cabem largamente no grupo dos populistas. São eurocéticos com um discurso anti-elite e alguns pedem políticas de imigração fortes. O Syriza, da Grécia, é o partido da extrema-esquerda com mais destaque nestas eleições. Pode vencer com quase 30% dos votos e eleger sete deputados.
Como explica Riccardo Marchi, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), ao Observador, o euroceticismo encontra-se tanto na extrema-direita como na extrema-esquerda. Isto porque o projeto dominante a nível europeu é o da “construção da economia de mercado global” e da “concentração cada vez maior de poderes delegados pelas soberanias nacionais”. A extrema-esquerda põe a tónica “na oposição ao mercado global neoliberal” e a extrema-direita, na “oposição ao desmantelamento da soberania nacional em prol da UE”. Por vezes têm propostas concretas semelhantes, como a de defesa do sector público das economias.
Para Goffredo Adinolfi, investigador do ISCTE, na génese destes partidos está “a falta de soluções, as respostas não dadas, a contínua subida do desemprego e a falta de futuro” numa Europa “que prometeu ser de desenvolvimento e que agora se tornou numa prisão para todos”. Segundo Riccardo Marchi, a consolidação da extrema-direita deve-se mais à “crise do projeto europeu” do que à crise económica. “A construção europeia, que os partidos da governação nos diferentes países europeus apresentavam há muitos anos aos respetivos eleitores como uma garantia de melhoria das condições políticas, económicas e sociais dos europeus, num mundo cada vez mais globalizado demonstrou, pelo contrário, não estar à altura de responder de forma convincente à crise internacional”, defende Marchi.
Apesar deste descontentamento, muitos partidos de extrema-direita não têm resultados tão positivos nas eleições nacionais como aqueles que possivelmente alcançarão nos votos para o Parlamento Europeu. Como explica ao Observador Cas Mudde, cientista político holandês, as eleições europeias são “eleições de segunda ordem”, ou seja, têm uma importância secundária para os eleitores. “Muitos votantes usam estas eleições como uma forma de enviar um sinal às elites nacionais. Geralmente, eleições europeias que calhem entre duas eleições nacionais produzem uma elevada taxa de abstenção e o voto é um voto de protesto, o que pode ajudar partidos como a Frente Nacional ou o Partido da Liberdade”.
A confirmar-se o peso dos eurocéticos no Parlamento Europeu, que consequências terá isso para a política europeia? Para começar, a Frente Nacional francesa de Marine le Pen quer aliar-se ao Partido da Liberdade holandês de Geert Wilders e criar um novo bloco político de extrema-direita e eurocético. Segundoo Telegraph, esta nova agregação iria receber mais de 2 milhões e meio de euros, teria tempo de antena no PE e gozaria de um papel mais significativo a nível legislativo.
Para que este bloco seja uma realidade é necessário reunir pelo menos 25 deputados de sete países diferentes. Segundo as últimas sondagens, só o partido de le Pen deverá eleger 23 deputados e o partido da Liberdade quatro, o que significa que juntos têm 27 deputados.
Mais difícil será cumprir o segundo critério. Wilders tem dito que o UKIP vai ser tentado a juntar-se. Mas Nigel Farage é pro-Israel e continua a ver a Frente Nacional de le Pen como um partido nacionalista anti-semita, como explicou ao Observador Riccardo Marchi. Para este cientista político, o percurso histórico destes partidos e as declarações mais recentes dos seus líderes tornarão“bastante difícil a organização de um grupo político homogéneo no Parlamento Europeu”.
Por outro lado, a aproximação ou distanciamento destes partidos também está dependente daquilo que podem ganhar ou perder nos respetivos países: “Não vale a pena arriscar perder votos declarando abertamente uma estratégia de coligação com outras forças radicais a nível europeu, facilitando assim os ataques dos concorrentes a nível nacional”, diz Marchi.
O Partido da Liberdade da Áustria, o Interesse Flamengo na Bélgica, a Liga Norte italiana e o Partido Nacional eslovaco já foram indicados como possíveis membros desse bloco; e a Frente Nacional francesa teve conversações com os Democratas suecos, ainda que o partido de le Pen seja impopular na Suécia, escreve o Telegraph.
Questionado pelo Observador sobre os perigos que a subida da extrema-direita representam para as liberdades e garantias dos europeus, Riccardo Marchi diz que quem pode sofrer com esta ascenção são as “minorias europeias” e os “não europeus”. Quanto aos primeiros, Marchi refere os homossexuais, por exemplo, cuja luta pelo direito ao casamento e à adoção pode ser afetada. Relativamente aos “não europeus”, o investigador pensa que quer as políticas de acolhimento para os imigrantes extra-europeus, quer o reconhecimento do jus soli para os filhos de imigrantes podem ser dificultadas. Mas Marchi afasta um cenário em que a liberdade de expressão e de reunião, por exemplo, estariam ameaçadas: “Não estamos na Europa dos anos 20 do século passado. Nem ao nível institucional, nem ao nível das forças políticas em jogo”.