Deus perdoa tudo. E o homem? Consegue o homem perdoar quem atenta contra a vida humana? Consegue o homem perdoar quem usa uma faca para ceifar a vida a outra pessoa? Os bispos e padres com quem o Observador falou — na sequência da degolação de um pároco numa igreja no norte de França — acreditam que o homem também consegue perdoar, mesmo que seja muito difícil. E todos condenam este e outros atos “hediondos” que têm sido levados a cabo nos últimos meses, com a assinatura do autoproclamado Estado Islâmico.

“Humanamente custa muito perdoar nestes casos, por isso Jesus recomenda que rezemos pelos inimigos, para que se convertam. E é isso que a Igreja faz. Reza. Mas nestes casos é preciso rezar muito”, confessou o bispo de Beja, António Vitalino Dantas, que disse estar “horrorizado com o que aconteceu”, esta terça-feira. “É horrível sobretudo porque aconteceu no lugar que achamos ser o mais sagrado da Terra.”

Na mesma linha, o bispo de Lamego, Jacinto Botelho, também admitiu que “é humanamente impossível realizarmos o perdão”, para logo acrescentar que, “com a graça de Deus, conseguiremos ultrapassar” esta tragédia. E é igualmente a Deus que recorre o padre Américo, presidente da Irmandade dos Clérigos, para encontrar força para o perdão. “Com Deus no coração há uma certeza do perdão” que “humanamente pode ser difícil”.

E à Igreja cabe, nesta hora, assim como nos outros atentados registados nos últimos meses, responder com oração, concordaram os três bispos e os seis padres com quem o Observador falou, tal como defendeu o arcebispo de Rouen, D. Dominique Lebrun, que abandonou Cracóvia, na Polónia, onde estava a participar na Jornada Mundial da Juventude: “A Igreja Católica não pode tomar outras armas que não sejam a da oração e a da fraternidade entre os homens”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A única solução é rezar”, defendeu o padre Gonçalo Portocarrero. Até porque “a Igreja não tem outros poderes além da oração”, reforçou o bispo António Vitalino Dantas. O mesmo conselho foi deixado pelo padre António Vaz Pinto, que acrescentou que a Igreja deve “colaborar com todas as forças de forma a entendermos estes fenómenos e os seus porquês”.

Entender o fenómeno e combater as causas. É isto que deve ser feito em resposta a estes atentados, na opinião do padre Anselmo Borges. “O que é preciso é atacar as causas que agudizam a violência: a não integração, a infelicidade, a falta de sentido, a injustiça, a falta de sentido de comunidade, a falta de valores, o aliciamento que há nas redes sociais para o terrorismo.”

Já o padre Feytor Pinto fez questão de sublinhar que a Igreja deve “pedir aos políticos que assumam a sua responsabilidade” na condenação de atos como o desta terça-feira, assim como ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas apela à “prudência”. “Violência gera violência.”

“Temos de estar mais precavidos. Não estamos seguros em parte nenhuma”

Esta foi a primeira vez que se soube de um atentado promovido pelo Estado Islâmico (que já reivindicou o ataque) contra a instituição da Igreja Católica Cristã, nestes últimos meses, na Europa. Mas a maioria dos membros da Igreja com quem o Observador falou recusa-se a acreditar que tenha um significado especial ou que seja a prova de que o caminho dos terroristas se está a desviar para uma espécie de combate aos cristãos.

“Quero crer que o Estado Islâmico, pela reivindicação que tem feito, não escolhe lugar nem pessoas e age de uma forma indiscriminada. E o facto de o atentado desta vez ter sido numa Igreja é a prova de que não são escolhidos lugares. É um ataque às pessoas”, afirmou o bispo de Viseu Ilídio Leandro.

Também para o padre Américo “este ataque só nos mostra que o alvo não é alguém em especial. É a humanidade em geral. Humildemente interpreto como um dizer a todos nós que não há ninguém livre. A maldade é destinada a todos“.

O padre José Manuel Pereira deixa contudo um conselho. “Temos de estar mais precavidos”. “Não estamos seguros em parte nenhuma. Quem faz estes ataques procura as falhas de segurança e elas existem”. E o pior é que “ninguém sabe como evitar estas tragédias”, acrescenta o padre Anselmo Borges.

Também o bispo de Beja, António Vitalino Dantas, acha possível que “na Europa se voltem também para os que professam uma atitude e uma fé diferentes das deles” e, por isso, “temos de estar preparados para professarmos a nossa fé. Os mártires continuam a existir, hoje mais do que nunca.”

Perseguição a cristãos não é novidade e Cruzadas não podem ser argumento

E a verdade é que embora nenhum se recorde, na história recente e na Europa, de nada tão “hediondo” nem flagrante como o que aconteceu a Jacques Hamel — o pároco de 86 anos que foi degolado dentro da Igreja, na região da Normandia, quando celebrava a missa –, todos lembram que a perseguição aos cristãos vem de há muito tempo.

As perseguições a cristãos não são inéditas. Vejamos o que aconteceu na Síria e no Iraque. Temos tantos exemplos deste tipo de situações contra cristãos. Padres têm sido sequestrados e mortos. Houve perseguições oficiais a cristãos em Cuba, na China, na Coreia do Norte”, recordou o padre Gonçalo Portocarrero.

O padre Feytor Pinto fez também referência aos “atos massivos de sacrifício contra cristãos no Iraque, onde havia quatro milhões de cristãos e agora só há 350 ou 400 mil”.

E nunca as Cruzadas — movimentos militares cristãos com o objetivo de ocupar a Terra Santa que resultaram num número incalculável de mortos — podem ser usadas como argumento e desculpa por parte do Estado Islâmico para se “vingar” e matar cristãos, rematou o padre Feytor, explicando que “as Cruzadas foram há 1.000 anos” e, por isso, “é inadmissível serem ressuscitadas”.

Opinião reforçada pelo bispo de Beja que lembrou que “as cruzadas já foram condenadas pela própria Igreja. Foi um tempo diferente. Já passaram oito séculos e a humanidade evoluiu e os princípios cristãos tornaram-se mais fortes. Não podemos recuar assim na história.”

Precisamente por não quererem recuar tanto na história e descartarem a violência, todos encararam com “perplexidade” este ato de terror. “Nunca pensámos que nesta altura estaríamos a ser perseguidos”, afirmou o padre Gonçalo.

E lembram as palavras do Papa Francisco, que comentou cedo este atentado, dizendo que a Igreja está impressionada “pelo facto de esta violência ter acontecido numa igreja, um lugar sagrado” e condenando “da forma mais radical” este “bárbaro assassinato de um sacerdote”. Uma reação que chegou depois de o arcebispo de Rouen, Dominique Lebrun, ainda em Cracóvia, ter dito que chorava e rogava “virado em direção a Deus”, ao lado de “todos os homens de boa vontade” e convidando os não crentes a juntarem-se ao luto pela morte do padre.

Em Portugal, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, o padre Manuel Barbosa, também condenou o atentado. Em comunicado, defendeu que é preciso “não baixar os braços e continuar a lutar contra esta e tantas outras formas de extrema violência, contando sempre com o reforço da segurança por parte dos governantes, de modo a proteger a vida de todas as pessoas e comunidades”. Contactado, o patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, remeteu a sua posição para a nota da Conferência Episcopal.