Fidel Castro, o histórico líder e ditador cubano, morreu esta sexta-feira à noite aos 90 anos, em Havana. O anúncio foi feito pelo irmão, Raúl Castro, presidente de Cuba, em direto na televisão estatal.

“É com profunda dor que informo que o comandante-chefe da revolução cubana morreu esta noite às 22h29 [3h29, hora de Lisboa]”, afirmou Raúl Castro, que sucedeu a Fidel no poder em 2006, sem divulgar porém mais pormenores. “Os seus restos serão cremados durante a manhã de sábado de acordo com o seu pedido.”

Raúl acrescentou que os pormenores relativos às homenagens póstumas serão divulgados em breve, terminando o curto comunicado com “Hasta la victoria, siempre“, a frase que se tornou num símbolo da revolução cubana.

As primeiras reações à morte de Castro começaram a chegar de todo o mundo. Enrique Peña Nieto, presidente mexicano, lamentou na sua conta do Twitter a morte de Fidel, “líder da revolução cubana” e “figura emblemática do século XX”. Para Nieto, “Fidel foi amigo do México, promotor de uma relação bilateral baseada no respeito, no diálogo e na solidariedade”.

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Nicólas Maduro, presidente da Venezuela, um regime autoritário, também reagiu através do Twitter. “No dia em que se assinalam os 60 anos da partida do Granma do México, parte Fidel”, escreveu, terminando com a frase “Hasta la victoria, siempre“. Rafael Correa, presidente do Equador, considerou que morreu um “dos grandes”. “Viva Cuba! Viva a América Latina!”

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, lamentou a morte de um “grande amigo” da Índia. “Fidel Castro foi uma das figuras mais icónicas do século XX.”

A morte de Fidel é, em contrapartida, motivo de comemoração para a comunidade de imigrantes cubanos em Miami, nos Estados Unidos. Durante os anos do regime de Castro, milhares de pessoas viram-se obrigadas a fugir da ilha em busca de melhores condições de vida. As opiniões em relação a Fidel mantêm-se divididas, até na morte. Em Little Havana, as ruas tornaram-se um local de festa. As imagens transmitidas pela MSNBC mostram uma mulher vestida com uma camisa com a frase “Tu dia llegou” (“O teu dia chegou”), que guardou durante 20 anos à espera que Fidel morresse.

O anúncio da morte de Fidel Castro era há muito esperado devido aos seus problemas de saúde, que o obrigaram a afastar-se do poder, cedendo o lugar ao irmão. Apesar de não se saber ao certo que doença o líder histórico tinha, eram muitos os que especulavam que tivesse Diverticulite, que afeta o intestino grosso.

Nos últimos anos, as aparições em público eram cada vez mais raras. O último discurso data de abril, por altura do congresso do Partido Comunista cubano. Na altura, admitiu que nunca pensou que chegaria aos 90 anos e que o seu fim estava próximo, frisando a importância dos ideais comunistas, ainda hoje válidos. “Em breve cumprirei 90 anos, não em resultado de nenhum esforço mas por capricho do destino”, afirmou.

“O fim chega para todos mas as ideias dos comunistas cubanos irão sobreviver como prova de que se trabalharmos com fervor e dignidade, podemos produzir o material e os bens culturais de que os seres humanos precisam. E precisamos de lutar sem tréguas para os obter”, disse durante a cerimónia de encerramento do congresso, acrescentando ainda que “o povo cubano será vitorioso”, disse ainda.

Em agosto, quando completou 90 anos, esteve no teatro Karl Marx, em Havana, onde foi aplaudido pelas cerca de cinco mil pessoas que gritaram “Fidel, Fidel, Fidel”. Na audiência estava o presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Uma vida de dignidade e vitórias, para sempre unidos a Bolívar, Martí e Chávez, em Revolução”, escreveu Maduro na sua conta oficial de Twitter, em língua portuguesa.

Há menos de um mês, Marcelo Rebelo de Sousa visitou Cuba e teve um encontro com Fidel em que teve a oportunidade de “colocar questões e ouvir a experiência” do líder histórico cubano, que “acompanha tudo o que se passa no dia-a-dia”, disse na altura aos jornalistas. Segundo o Presidente da República portuguesa, Fidel é “também é uma pessoa bem-disposta“, e por isso os dois aparecem sorridentes na fotografia do encontro que foi divulgada.

“Sou um marxista-leninista e sê-lo-ei até ao fim dos meus dias”

Fidel Castro nasceu a 13 de agosto de 1926 numa pequena localidade no município cubano de Mayari. O seu pai, Ángel Castro y Argiz, um imigrante espanhol em Cuba, tinha feito fortuna com a plantação de cana de açúcar numa quinta em Birán. Filho ilegítimo, foi só aos 17 anos que foi reconhecido por ele e registado com o seu nome definitivo: Fidel Alejandro Castro Ruz.

Foi durante os tempos de estudante, na Universidade de Havana (onde estudou Direito), que Fidel começou a interessar-se por política. Depois de participar na revolução contra os governos de direita na República Dominicana e Colômbia, começou a planear a queda do então presidente cubano Fulgencio Batista. Depois de uma tentativa falhada e de um ano na prisão, mudou-se para o México onde formou um grupo de revolucionários com o seu irmão, Raúl Castro, e Che Guevara. Regressou a Cuba em novembro de 1956, desempenhando um papel de destaque na revolução cubana.

Tornou-se primeiro-ministro depois da queda de Batista, em 1959. Dois anos depois declarou Cuba um estado socialista, o que levou a que os Estados Unidos da América cortassem relações com Havana, situação que se prolongou até 2015. Durante os quase 50 anos que liderou Cuba, Fidel governou Cuba com mão de ferro, reprimindo toda a dissidência e resistindo à oposição de dez presidentes norte-americanos (nas democracias há limitação de mandatos, algo que Fidel desdenhava), mantendo relações estreias com o bloco socialista europeu até sua implosão. Até à queda da União Soviética, em 1991, recebeu ajuda económica e militar do país, situação que apenas dificultou as relações com os Estados Unidos da América. Em março do ano passado, Barack Obama tornou-se no primeiro Presidente norte-americano em funções a visitar a Cuba em 88 anos.

Fidel ocupou o cargo de primeiro-ministro até 1976, altura em que se tornou Presidente de Cuba. Marxista-leninista até ao osso — “sou um marxista-leninista e sê-lo-ei até ao fim dos meus dias”, disse um dia –, foi ainda secretário-geral do Partido Comunista Cubano de 1961 a 2011.

15 e 17 mil pessoas terão sido executadas pelo regime

Apesar de ter chegado ao poder apoiado pela maioria dos cubanos, prometendo reinstaurar a Constituição de 1940, criar uma administração honesta, restabelecer liberdades civis e políticas e realizar reformas moderadas, a governação de Fidel tornou-se rapidamente numa ditadura. Amado por uns, odiado por outros, foi permanentemente acusado por compatriotas e pela comunidade internacional de autoritarismo, radicalismo, violação dos direitos humanos e perseguição de religiosos e homossexuais. Entre 15 e 17 mil pessoas terão sido executadas, segundo uma estimativa feita em 1997 por um conjunto de académicos na obra O Livro Negro do Comunismo.

A situação em Cuba levou a que milhares de pessoas abandonassem o país, muitas delas de forma ilegal. Apesar dos pequenos sinais de abertura dados pelo regime desde que Fidel se afastou do poder, Cuba continuava a ser, em 2015, um país onde os direitos humanos são frequentemente violados. Só nos primeiros dez meses desse ano, segundo um relatório do Human Rights Watch, foram feitas mais de 6.200 detenções arbitrárias de jornalistas, defensores dos direitos humanos e opositores ao regime. Além disso, os meios de comunicação social são atentamente controlados e o acesso à internet é muito limitado, o que contribui para uma cultura de fraca liberdade de expressão e oposição.

A 31 de julho de 2006, Fidel Castro afastou-se da liderança devido a problemas de saúde e delegou o poder em Raul Castro, que começou um processo de abertura e de reformas no país, reconhecido em 2009 pela União Europeia, que levantou nesse ano as sanções a Havana. “Desejo só combater como um soldado das ideias. Continuarei a escrever. Será mais uma arma do arsenal com que se poderá contar”, escreveu Fidel no dia em que renunciou.

Durante a última década, fez poucas aparições públicas, foi dado como morto várias vezes na Internet e nas redes sociais e manteve um contacto regular com o mundo através dos seus artigos. Também era um anfitrião para Presidentes e outras personalidades que visitavam a ilha caribenha, como aconteceu no mês passado com o Presidente português.

Os mais assíduos foram os aliados bolivarianos, os Presidentes da Bolívia e da Venezuela, Evo Morales e Nicolas Maduro (e o seu antecessor Hugo Chávez) respetivamente, mas também recebeu o papa Francisco em setembro de 2015, o chefe de Estado francês François Hollande quatro meses antes e o patriarca ortodoxo russo Kiril em fevereiro deste ano.

Num país em crise económica e desafiado pelas consequências da normalização das relações com os Estados Unidos, a figura e as palavras de Fidel Castro continuavam a ter eco na política e na sociedade cubanas, guiando os que querem manter a ortodoxia revolucionária face à crescente pressão para uma maior abertura política e económica.