O Tribunal de Instrução Criminal decidiu não aplicar a medida de coação máxima, prisão preventiva, a Paulo Lalanda e Castro. O ex-líder da filial portuguesa da Octapharma vai ficar em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, de acordo com o comunicado da Procuradoria Geral da República (PGR).

Lalanda e Castro já tinha sido constituído arguido pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de corrupção ativa e branqueamento de capitais. De acordo com um comunicado do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o igualmente ex-administrador da holding da farmacêutica suíça Octapharma está igualmente indiciado pelo crime de recebimento indevido de vantagem. Além de ser obrigado a permanecer na sua residência, Lalanda está ainda proibido de contactar com os restantes arguidos do processo.

O gestor farmacêutico é suspeito de ter alegadamente corrompido Luís Cunha Ribeiro como presidente do júri do primeiro concurso lançado em 2000 para a centralização da compra de hemoderivados (medicamentos feitos a partir do plasma do sangue) por parte do Serviço Nacional de Saúde que foi ganho pela Octapharma. Está igualmente a ser investigado pelo Ministério Público (MP) e pela PJ um concurso de compra de plasma sanguíneo adjudicado igualmente à farmacêutica suíça, como pode verificar aqui.

De acordo com o comunicado da PGR, os dois “terão acordado entre si” que Cunha Ribeiro “utilizaria as suas funções e influência para beneficiar indevidamente” a Octapharma liderada em Portugal por Lalanda e Castro. Ao contrário do comunicado datado de 13 de dezembro, desta vez a PGR identifica Lalanda e Castro, voltando a não mencionar o nome de Cunha Ribeiro.

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Cunha Ribeiro, que é suspeito dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito e branqueamento de capitais, encontra-se preso preventivamente depois do mesmo Tribunal de Instrução Criminal ter considerado como fundamentados os indícios de perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito e perigo de destruição de prova que o Ministério Público imputou ao arguido.

No comunicado enviado esta sexta-feira às redações, a PGR revela que “o desenvolvimento desta investigação veio reforçar a sua especial complexidade e dimensão” e que, por isso, decidiu deferir ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal a competência para a direção do inquérito, assim como manter como titular a magistrada que tem dirigido o processo, “atendendo ao conhecimento que a mesma possui da investigação”. A magistrada “será coadjuvada pelas magistradas do Ministério Público em funções do DCIAP que integram a equipa que tem investigado os casos de fraude ao Serviço Nacional de Saúde”.

SEF não terá comunicado presença de Lalanda em Portugal

Aquando do lançamento da Operação O – no dia 13 de dezembro, a estratégia do MP passava pela detenção de Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro. Este médico, que foi presidente do Instituto de Emergência Médica e da Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, foi detido no mesmo dia em que a PJ executou mais de 30 buscas domiciliárias e não domiciliárias relacionadas com este caso. Já o ex-líder da Octapharma Portugal foi detido no dia 15 de dezembro na cidade alemã de Heidelberg (cidade do fundador da farmacêutica suíça e onde a Octapharma tem instalações) no âmbito de um mandado de detenção europeu emitido a pedido por parte das autoridades portuguesas. Lalanda terá sido detido durante uma reunião do conselho de administração da Octapaharma.

O problema é que um juiz alemão, a pedido da defesa de Lalanda e Castro que era assegurada por Ricardo Sá Fernandes e por advogados locais, considerou que não se justificava a detenção, visto que o gestor já se tinha disponibilizado por várias vezes em missivas dirigidas à PGR para ser interrogado no caso que nasceu de uma reportagem da TVI emitida em 2015.

Sá Fernandes afirmou então que o mandado de detenção europeu tinha sido anulado pelo tribunal federal alemão que analisou o caso — facto contestado por fontes judiciais portuguesas ouvidas pelo Observador. Certo é que Lalanda e Castro ficou livre.

De acordo com a sua defesa, o gestor regressou a Portugal no dia 23 de dezembro, tendo-se manifestado desde logo disponível para ser interrogado pelo MP como arguido e ser conduzido à presença de um juiz de instrução para o primeiro interrogatório como arguido e para a definição das medidas de coação.

Apesar do mandado de detenção europeu estar em vigor no momento em que Lalanda e Castro aterrou no Aeroporto de Lisboa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não terá comunicado à PJ a chegada do gestor a território nacional, ao que o Observador apurou. O facto de Lalanda ter feito uma viagem intra-comunitária — isto é, o avião partiu de um país do Espaço Económico Europeu (a Alemanha) para Portugal — fez com que o seu voo não tivesse sido fiscalizado pelo SEF.

Certo é que poderia ter sido emitido um novo mandado de detenção mas tal não aconteceu.

Dirigente dos hemofílicos terá recebido 300 mil euros

Além de Lalanda e Castro e Cunha Ribeiro, foram ainda constituídos arguidos os advogados Paulo Farinha Alves e Barros Figueiredo, e a farmacêutica Elsa Morgado, representante da Associação Portuguesa de Hemofílicos e membro do mesmo júri do concurso liderado por Cunha Ribeiro em 2000 que deu a vitória à Octapharma na compra de medicamentos hemoderivados.

De acordo com o Expresso, Elsa Morgado será suspeita do crime de corrupção passiva para ato ilícito, por alegadamente ter recebido mais de 300 mil euros de Lalanda e Castro. Segundo a notícia da edição de 7 de janeiro daquele semanário, a PJ terá detetado um conjunto de transferências nesse valor para Morgado e familiares seus.

Soares da Veiga, advogado de Lalanda e Castro, diz que essas transferências dizem respeito a um empréstimo do gestor farmacêutico a Elsa Morgado a propósito da falência de uma parafarmácia que ambos detiveram em conjunto em Lisboa durante os anos 90 do século passado. O causídico recusa qualquer relação entre a circulação desse dinheiro e os negócios da Ocptaharma com o Estado português.

Soares da Veiga é assim o novo advogado de Lalanda e Castro na Operação -, mantendo-se Ricardo Sá Fernandes na Operação Marquês e Paulo Saragoça da Matta como advogado no caso Vistos Gold.

No processo que tem José Sócrates como principal arguido, o gestor farmacêutico foi constituído arguido por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais por alegadamente ter contribuído para Sócrates receber mensalmente fundos que teriam origem no Grupo Lena.

Já no caso Vistos Gold, Lalanda e Castro foi mesmo acusado pelo MP e pronunciado pelo juiz Carlos Alexandre por dois crimes de tráfico de influência e deverá ser julgado no início de 2017.

Um advogado por processo é a estratégia de Paulo Lalanda e Castro — uma estratégia cara que não está ao alcance de qualquer bolso. Não é menos certo, contudo, que o recheio das contas bancárias de Lalanda e Castro não estão ao alcance do cidadão comum por via dos salários que auferiu durante largos anos como administrador da holding da multinacional suíça. Só em 2015, a Octapharma teve vendas brutas de 1,58 mil milhões de euros e lucros líquidos de 351 milhões de euros. Lalanda, que se demitiu de todos os cargos da Octapharma antes de ser anunciada a sua detenção em dezembro, chegou a ser apontado como um potencial sucessor do fundador e líder da Octapharma, AG. Conheça aqui a história de Paulo Lalanda e Castro.