Reportagem em Paris, França

Farid veio de propósito aos Campos Elísios, em Paris, para estar ao pé do local do atentado terrorista que matou Xavier Jugelé, um polícia de 37 anos. Assim que teve tempo, foi de uma cidade nos subúrbios de Paris para o centro da capital. No local, mete-se com as pessoas que ficam a olhar, interpela jornalistas, reúne em seu torno pessoas que acabam por escutá-lo com atenção. Afinal de contas, tem um discurso que muitos acharão improvável: filho de argelinos e muçulmano, Farid prepara-se para votar este domingo em Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional, de extrema-direita.

“Sempre votei na Frente Nacional e tudo o que está a acontecer apenas me dá razão para votar ainda mais neles”, garante, exaltado. “Votei em Jean-Marie Le Pen [pai da atual candidata], já votei e vou votar em Marine Le Pen, depois daqui a uns anos vou votar na Marion Le Pen [neta do fundador e sobrinha da atual líder] e se a Marion tiver filhos tenho a certeza que votarei neles um dia!”

O grande alvo da exaltação de Farid vai para “todos os ministros do Interior, sejam eles de esquerda ou de direita”. Isto porque, como foi noticiado já na sexta-feira, o autor do atentado (Karim Cheurfi, francês de 39 anos) era conhecido das autoridades por se ter radicalizado — embora, como chegou a ser noticiado e depois desmentido, nunca tivesse sido formalmente referenciado como “fiche S”, o código usado para aqueles que representam um perigo grave para a segurança de Estado. Porém, a revolta de Farid passa ao lado dessas nuances. “Todos os ministros do Interior, todos os políticos que deixam isto acontecer, devem responder perante a justiça!”.

Farid, muçulmano e apoiante de Marine Le Pen, teve de ser impedido pelos seguranças da presidente da Câmara de Paris depois de avançar sobre ela

Enquanto fala, um grupo de cerca de 15 a 20 pessoas avança sobre o local, em jeito de enxame. Farid olha e vê várias câmaras televisivas em torno de alguém. “É quem? É quem?”, pergunta, já a avançar em direção ao grupo. “Ah-haaaa, é ela!”, diz, assim que reconhece a presidente da Câmara Municipal de Paris, a socialista Anne Hidalgo. Logo a seguir, a exaltação de Farid multiplica-se por mil. “A culpa é sua! A culpa é sua! A vida daquele homem perdeu-se por sua culpa!”, atira à autarca parisiense. Esta, sob escolta de seguranças, avança a passo apressado. Farid é empurrado por um deles, afastando-o mais longe possível da socialista.

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“São eles os responsáveis!”, grita Farid, já longe de Anne Hidalgo mas com várias pessoas a ouvi-lo, outras a filmá-lo. “Nenhum candidato falou dos mortos em Nice ou no Bataclan e isto continuou. Só ontem é que abriram todos as suas grandes bocas!” E, depois falou da sua própria fé:

Sou muçulmano mas já não o quero ser mais. Tenho vergonha! É preciso levar a à justiça todos os ministros do Interior. Todos. É uma vergonha. J’accuse!, como dizia um escritor francês!”

“Sempre soube em quem votar. Agora, sinto-me perdida e muito triste”

Ariane, de 63 anos, estava só de passagem. Veio às compras com a filha, mas não conseguiu deixar de passar em frente ao local do atentado. Ainda não sabe em quem votar. “Já voto há mais de 40 anos e a verdade é que nunca estive indecisa na vida. Sempre soube em quem votar. Agora, sinto-me perdida e muito triste”, diz. O atentado de quinta-feira deixou-a ainda mais desalentada. “Não sei o que fazer.”

“Para mim, não será certamente a esquerda quem vai resolver isto”, garante. Quando diz “isto”, não se refere apenas ao terrorismo. “Falo de tudo junto. Do terrorismo, da imigração, da economia, de tudo. Verdadeiramente, a esquerda é feita de incapazes, neste momento”, diz. Sobra-lhe o centro e a direita, já que a extrema-direita, Marine Le Pen, também não lhe agrada. “Eles é que têm a ganhar com isto”, diz. “Só os ajuda a dividir ainda mais as coisas, a meter uns contra os outros. Espero mesmo que os franceses não tenham, pelo menos na sua maioria, uma reação primária a tudo isto. Votar na Frente Nacional não resolve nada.

França. Quantos votos para Le Pen a cada ataque?

“Foi tudo muito rápido”

Omar, professor de físico-química numa escola secundária, decidiu ontem em quem votar. Aos 44 anos, só se lembra de ter votado na extrema-esquerda. Agora, a história não vai ser a mesma. “Em tempos calmos, estaria à vontade em desperdiçar o meu voto na extrema-esquerda. Agora não. Agora seria uma loucura”, explica. Qual é a sua escolha, então? “Vou votar em Emmanuel Macron, porque acho que é quem pode fazer algo de positivo com tudo o que se passa.”

A decisão foi tomada a quente. Na quinta-feira, quando ocorreu o atentado, Omar estava sentado numa esplanada a menos de 100 metros. “Foi tudo muito rápido”, diz ao Observador. Nessa altura, decidiu enfim o seu sentido de voto. Até porque, acredita, Emmanuel Macron é agora “a única pessoa que pode ter alguma hipótese de travar Marine Le Pen”.

Ontem, quando tive cabeça para refletir um pouco sobre o que aconteceu, pensei logo: um atentado antes das eleições? Marine Le Pen pode abrir já o champanhe“, diz. “Agora, a única opção que temos para que o champanhe seja amargo para ela é Macron. Se não for ele, estamos perdidos.”

O discurso de Omar balança entre o pessimismo por uma presidência de Marine Le Pen e o otimismo por uma vitória de Emmanuel Macron — segundo as sondagens, são os dois favoritos para disputar a segunda volta, a 7 de maio. Mas sempre que parte de um ponto de vista que considera positivo, acaba sempre por desaguar na mesma imagem: Marine Le Pen no Eliseu.

“Ela vai saber vender muito bem a ideia de que a França está a ser derrotada pelo terrorismo.” Ainda assim, Omar tem precisamente a opinião contrária. Da noite de ontem, além do atentado que levou a vida a Xavier Jugelé, destaca a reação da polícia. “Pouco depois de se ouvirem os tiros, isto encheu-se logo de polícia, havia polícia por todos os lados a controlar a situação. A resposta foi muito boa. Em menos de nada, apareceu logo um helicóptero. Isto só pode acontecer num grande país como o nosso. Acredito verdadeiramente que venceremos esta batalha”, garante. E a guerra? “As guerras nunca se ganham, infelizmente. Na guerra, toda a gente perde.