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Voos da CIA, submarinos, José Sócrates, Tecnoforma. As lutas travadas por Ana Gomes no Parlamento Europeu são tantas que a enumeração podia continuar. O motivo da entrevista ao Observador é o facto de ter sido vice-presidente da Comissão de Inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers que, esta terça-feira, 12 de dezembro, debate o relatório final e respetivas conclusões e que são votadas na quarta-feira no hemiciclo europeu em Estrasburgo — mas que ainda podem sofrer alterações.
O relatório da Comissão de Inquérito menciona o caso BES e tem uma referência aos alegados subornos de que José Sócrates é acusado. Ana Gomes foi, nos tempos do socratismo, das poucas vozes no partido que destoava do líder. Agora diz que o PS de António Costa já se devia ter demarcado de uma forma mais clara das ações de José Sócrates e que o partido devia refletir sobre como se deixou instrumentalizar por um homem “um projeto pessoal de poder e de enriquecimento“.
Aproveitando estar a falar de offshores, Ana Gomes lembra a forma como as grandes empresas escapam ao fisco, dizendo que o PS falhou ao recuar na taxa das Renováveis no Orçamento do Estado. Diz mesmo que, se estivesse na Assembleia da República, teria votado ao lado do Bloco e furando a disciplina de voto, como fez o “camarada Ascenso Simões”. No entanto, discorda de Bloco e de PCP em matéria de Cooperação Estratégica Permanente — a política de segurança e defesa europeia –, em relação à qual considera “lamentável” que o Governo não tenha feito, desde logo, parte do “núcleo duro inicial”.
Sobre os Panama Papers, Ana Gomes lamenta que o caso dos submarinos não tenha sido um dos investigados pelo inquérito e lamenta que o nome de Paulo Portas não tenha sido aceite na lista de audições a fazer em Portugal. Quanto à Tecnoforma, revela que já enviou uma carta para Bruxelas a pressionar a Comissão Juncker a tomar uma posição sobre o arquivamento. A entrevista ao Observador foi realizada por Skype, já que Ana Gomes se encontrava em Bruxelas.
“Amnistias fiscais [RERT] foram esquemas de branqueamento de capitais legalizados”
Qual a grande conclusão da comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers?
O relatório, como todos os do Parlamento Europeu, é um bocadinho uma árvore de Natal, porque abarca tudo. Isto é uma investigação dificílima porque o manancial de informação era tremendo. Então, fizemos uma amostra dos casos que achámos mais significativos e importantes em diversas áreas. A conclusão mais importante que tiraria de todo o trabalho feito é que os paraísos fiscais não são realidades alheias à própria União Europeia. Fazem parte do sistema. Anos de desregulação, tornaram os paraísos fiscais parte do sistema financeiro, e das economias. Os paraísos fiscais e a facilitação de mecanismos para a evasão fiscal, para a elisão fiscal e para o branqueamento de capitais, encontram-se dentro da própria UE.
Houve conivência dos líderes europeus com esse sistema?
Completamente. Por conivência, por captura, por interesse, por ignorância ou por convicção ideológica. Porque, obviamente, isto tem tudo a ver com a desregulação do sistema e as formas mais perversas da ideologia neoliberal: que se desculpa, que não se pode fazer nada porque este é um combate que se tem de travar no plano global… são desculpas de mau pagador, de quem não quer começar a mudar o sistema. E a UE podia, absolutamente mudar o sistema. Podia ter impacto a nível global, como tem noutras matérias, se de facto tomasse algumas medidas absolutamente profiláticas. E que não têm sido tomadas por falta de vontade dos Estados-membros.
O vosso relatório diz isso que há falta de vontade política dos Estados-membros. Portugal — tanto com o atual Governo como com os anteriores — é um dos Estados que assobia para o lado?
Sim. Nalgumas matérias, sim. Sem dúvida. Para já, porque não há pressão nenhuma de justiça fiscal. A pressão que há é de setores que têm interesses, de menos regulação, de menos taxas ou distribuir o suporte dos impostos, como vimos com o episódio da TSU. E não há massa crítica em Portugal para pôr esta questão no centro dos combates políticos. E, portanto, não há pressão nenhuma sobre os Governos, este ou os anteriores, para atacar as questões centrais da justiça fiscal.
E há pressão das grandes companhias para que não exista [taxação elevada sobre elas]?
Claro que há, claro que há. Como ainda agora se viu neste episódio da EDP e das renováveis a fazerem pressão sobre o poder político para, obviamente, não sobrecarregar a fatura delas em matéria de impostos. E para onerar os clientes.
Acha que o Bloco de Esquerda teve razão em ficar chateado com o PS?
Acho que teve razão. E acho que os cidadãos deveriam ter uma reação. Porque é um caso. Mas há outros. Eu não era minimamente especialista nestas matérias, não sabia nada de questões de fiscalidade e só comecei a olhar para elas quando percebi em plena crise e receita da troika que Portugal tinha feito uma amnistia fiscal. E aí percebi que não era a primeira, era a terceira desde 2005. E depois percebi as condições em que se fazia e achei que era o maior despudor, o maior ataque aos cidadãos e que pagam impostos e o maior ataque à justiça fiscal.
Favorece as grandes empresas?
Nem sequer isso. As três amnistias fiscais, a de 2005, a de 2010 e a 2012, são esquemas de branqueamento de capitais legalizados. São pagas taxas mínimas, que não têm sequer comparação com o que pagam de impostos os contribuintes normais. E sobretudo com esquemas de legalização de capitais que estão no estrangeiro…
Está a falar do RERT [Regime Excepcional de Regularização Tributária]…
Os três RERT. O último ainda é mais escandaloso. Não só porque estamos num momento sob supervisão apertada da troika e em que são impostos aos portugueses os mais brutais impostos além de todos os outros cortes. E ainda por cima nas condições em que é feito: o último RERT nem obriga ao repatriamento de capitais. E, portanto, as pessoas podem continuar a ter o dinheiro na Suíça ou nas Cayman, pagam uma taxa de 7,5%. Quando digo as pessoas, digo as empresas ou os indivíduos que recorrem a estes mecanismos. Que, obviamente ou são os ricos ou são os que querem esconder património ou os que querem utilizar esses esquemas para evitar impostos. Para mim, isso é absolutamente escandaloso. Aliás, o relatório da comissão TAX, que foi a que investigou o LuxLeaks, já lá tinha um parágrafo sobre o RERT, que foi proposto por mim. Mas volta a estar neste relatório [dos Panama Papers]. Sobre Portugal, também há referências à Madeira.
Porque é que a Madeira é referenciada várias vezes no relatório?
A Madeira é outro caso sintomático em que responsáveis políticos de todos os quadrantes mantêm a ficção que a Madeira é uma jurisdição privilegiada por ser uma zona ultraperiférica e negam que seja uma offshore. Efetivamente que é uma offshore. E quando estamos nessa negação, evidentemente que isso serve para tudo. Não é o pior dos offshores que temos na UE. Os piores são os que estão representados no relatório da Oxfame, que aliás, espero que venham a constar os casos concretos no relatório do Parlamento Europeu. Vai haver uma emenda do nosso grupo nesse sentido: de pelo menos aqueles quatro (Holanda, Irlanda, Malta e Luxemburgo) serem efetivamente nomeados [como offshores dentro da UE]. Tanto mais que há um sentimento de ultraje no Parlamento Europeu, designadamente naqueles que trabalhámos na comissão sobre os Panama Papers, de um pedido que há muito o Parlamento vinha fazendo à Comissão Europeia, que houvesse uma proposta de uma lista comum de paraísos fiscais…
A lista que o Conselho Europeu de 5 de dezembro aprovou não lhe agrada?
Não. É uma lista absolutamente incompleta que não identifica nenhum dos casos de paraísos fiscais que existem na própria União Europeia. E há mais, além desses. Mas, pelo menos esses quatro, que são os mais ostensivos, clamorosos e problemáticos, não os mencionar e só falar de terceiros países, é absolutamente escandaloso. No fundo, continua a demonstrar que os Estados-membros não querem efetivamente atacar a questão central de combate à evasão fiscal, aos paraísos fiscais, com tudo o que implica de evasão fiscal, elisão fiscal, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Denunciar casos de branqueamento? “Está a incomodar muitos profissionais da advocacia em Portugal”
Houve uma missão em Portugal dos Panama Papers. Porque mereceu Portugal essa particular atenção? Tem a ver com a Madeira?
Tem a ver, sobretudo, com o apagão. Teve a ver, em parte, com a Madeira porque a certa altura começou a haver interesse — houve uma investigação da televisão alemã ARD sobre a Madeira que relevou vários casos — e começou o interesse pela Madeira. Mas, o que efetivamente desencadeou a missão a Portugal foi uma proposta minha que tinha a ver com o apagão. É evidente que não era apenas um apagão.
Aparentemente, parece que foi um erro técnico. Informático.
Ah, erro técnico. É evidente que não é um erro técnico. Estamos a falar de, pelo menos dez mil milhões. Dez mil milhões é uma fatia substancial do que pedimos emprestado à troika. Quando isso foi revelado em Portugal pela investigação do Público, e quando isso foi trazido ao conhecimento da comissão dos Panama Papers por uma comunicação que fiz aos membros, não foi difícil fazer aprovar uma missão a Portugal como prioridade. Porque, ainda por cima, isso ocorria nos anos da troika. Portanto, quando a supervisão era suposto ter sido mais apertada do que nunca.
No relatório está escrito que a comissão de inquérito “lamenta que, entre 2011 e 2014, as autoridades de supervisão bancária nacionais e europeias e as autoridades fiscais nacionais não tenham prestado atenção às transferências de capital para offshores, o que levou a que, pelo menos, 10 mil milhões de euros tenham sido transferidos sem controlos fiscais e de branqueamento de capitais, maioritariamente para o Panamá”. Que consequência é que tem o facto de esta referência estar no relatório?
É importante. Este relatório tem duas partes. Uma parte incide sobre os casos que a comissão investigou. E Portugal foi um deles. Portanto, era era óbvio que, neste relatório final devia haver uma referência a Portugal e está lá. Eu redigi essa referência. E depois isso veio a ser objeto de uma negociação, de um acerto, até no sentido de se incluir a referência ao caso da investigação ao ex-primeiro-ministro Sócrates. E portanto, isso está lá no relatório. E gostaria que, obviamente, isto levasse a que houvesse ação. E vou trabalhar, aqui no Parlamento Europeu e fora dele, para que haja ação. Agora, também tenho consciência dos limites da nossa intervenção. Já fizemos muita coisa no relatório TAX, com os LuxLeaks, muitas recomendações e, até hoje, os Governos fazem ouvidos de mercador. Há muitas recomendações que fazíamos nos dois relatórios TAX que continuamos a propor as mesmas recomendações.
A questão de propor a criação dos registos centrais dos verdadeiros beneficiários das offshores, acha que isso exequível?
Não só é exequível como já está a ser feito. Na sequência do trabalho que fizemos no relatório TAX, onde fui também relatora-sombra. Nas negociações da quarta diretiva contra o branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo — que acabou de entrar em vigor em todos os Estados Europeus, incluindo Portugal — e estamos já a trabalhar na quinta diretiva. Já na quarta diretiva tem, por exemplo, a obrigatoriedade de cada país ter um registo central de beneficiários últimos. O que ainda fica é ao critério de cada país como esse registo central vai ser elaborado. E agora estamos na quinta diretiva a refinar. Por exemplo, estamos a tentar incluir na quinta aquilo que não conseguimos incluir na quarta.
Que propostas foram essas?
Fiz propostas que estão em cima da mesa, que na outra não tinham conseguido passar, mas que agora passaram, que são referências à necessidade das empresas de outras jurisdições que não da UE, que fazem negócios na UE. Há uma que já está a incomodar muita gente em Portugal — designadamente profissionais da advocacia — relativamente aos deveres de due diligence, em que há o dever de comunicar às autoridades esquemas que tenham conhecimento pela via das suas relações profissionais, que possam ser esquemas perversos de evasão, de fraude fiscal ou de branqueamento de capitais. Há vários advogados em Portugal que vivem disso e que contestam e que dizem que isso afeta as suas obrigações profissionais, o segredo profissional e por aí fora. Pois que se habituem, pois isso vai, certamente, ser reforçado. É uma das propostas que a própria Comissão Europeia faz. O comissário Moscovici também acha que esse é um aspeto que tem de ser reforçado. E vai fazer propostas concretas nesse sentido. E nós já temos linguagem no sentido de apertar isso na quinta diretiva contra o branqueamento de capitais. Muitas maneiras, independentemente de isto estar ou não — e está e ainda bem que está. Nós depois podemos transpor isto para a ação.
Mas com limitações.
Sim. Mas, mesmo esta lista com todas as insuficiências, esta lista de paraísos fiscais só conseguimos tê-la porque tem havido este trabalho todo do Parlamento Europeu e há esta pressão toda e a denúncia. E a alguns Governos incomoda muito ter lá algumas jurisdições. É evidente que a Portugal incomoda lá muito ter lá Macau ou ter lá Cabo Verde na lista cinzenta. Mas correspondem infelizmente a realidades que não se podem, pura e simplesmente pôr para debaixo do tapete.
Nas conclusões do relatório, há uma parte que diz que a Madeira é utilizada abusivamente.
Claro. E há também o relatório que está anexo, sobre a missão a Portugal onde houve muita discussão sobre a Madeira. Estão lá equacionados os problemas que suscitaram e as divergências que havia entre vários interlocutores políticos sobre se a Madeira era ou não um paraíso fiscal. E sem dúvida que foi a nossa investigação, e a minha concretamente, sobre a Madeira, que me permitiu, por exemplo, detetar que a Autoridade Tributária não tem controlo nenhum sobre a Madeira. Não é porque não tenha poderes, mas porque, efetivamente, não há vontade política. O que é um escândalo. E o que permite às pessoas da Madeira dizer que a autoridade nacional tem todo o direito e o dever de fazer a investigação. Que na prática não faz.
José Sócrates: “O PS tem de fazer uma introspeção sobre como se tornou instrumento de um indivíduo com um projeto pessoal, de poder e enriquecimento”
Há pouco falava naquele parágrafo do relatório que referia as suspeitas do Ministério Público sobre o ex-primeiro-ministro José Sócrates alegadamente ter recebido subornos do Grupo Espírito Santo. Qual a relevância de terem colocado esta referência? Foi por pressão dos membros do PPE?
Sim. Há quem vá para estas comissões para fazer chicana política interna. Nacional. E há quem vá para estas comissões para, independentemente das consequências políticas para a sua própria família, queira chegar ao fundo dos assuntos e queira estudar e perceber os assuntos. Penso que estou na segunda categoria. Portanto, para mim o essencial era identificar os problemas. Mas é evidente que, a partir do momento que havia uma proposta que vinha do deputado Nuno Melo, mas que era colocada em cima da mesa pela mão do coordenador do PPE, não vou negar a evidência. Até afinei, porque a linguagem que me era proposta até estava incorreta e eu até afinei. Obviamente, não me ia opor a isso: eram factos.
Teve vários confrontos com José Sócrates, quando era líder do seu partido, que não convivia bem com as lutas que travava Parlamento Europeu, como o ex-MNE Luís Amado, nos voos da CIA…
Até houve a tentativa de me expulsarem do grupo socialista, por parte da delegação nacional, mas adiante. (Risos)
Sei que é contra expurgas, mas depois destes factos que são conhecidos na Operação Marquês, José Sócrates deve continuar no PS?
Do meu ponto de vista, a questão não é ele continuar no PS. É o PS demarcar-se claramente desse tipo de comportamentos. A direção do partido, e o partido, no seu conjunto, deve demarcar-se. Tem de haver um momento, e na minha opinião já devia ter havido — mas se calhar vamos ter de esperar que a justiça apure tudo o que há para apurar — para o próprio PS fazer uma introspeção de como é que se deixou tornar instrumento de um indivíduo com um projeto pessoal de poder, mas não só, de enriquecimento pessoal, tão nefasta e tão contrária aquilo que são os ideias e os valores socialistas. Essa é um trabalho de introspeção que o PS tem de fazer.
E a sociedade portuguesa toda…
Toda a sociedade, mas o Partido Socialista por maioria de razão. Porque foi o instrumento que lhe permitiu a ele [José Sócrates] ter a posição de poder que efetivamente teve na sociedade portuguesa.
Chocou-a algumas das revelações desse caso?
Chocam-me. Absolutamente. Houve sempre ao longo do mandato de Sócrates, a partir de certa altura, muitas desconfianças. O caso Freeport. Aí, a Justiça não se ajudou a si própria. Hoje percebemos que isso foi uma reação dos magistrados porque, de cima, o procurador-geral [da República, Pinto Monteiro] os impedia de fazer isso. E, sobretudo, naquela altura em que estavam indubitavelmente sob controlo de um procurador que estava ao serviço do poder político. E eu disse-o várias vezes. Porque foi exatamente isso que concluí que foi atuação do procurador Pinto Monteiro, quer no caso dos voos da CIA, quer no caso dos submarinos, depois mais tarde percebemos que foi também essa a situação no caso do Freeport, no caso Face Oculta, etc.
Mas nunca imaginou que fosse este o nível das acusações?
Nunca imaginei, por muito questionável que fosse: havia a questão da licenciatura, a questão das casas pavorosas, havia as questões lá para trás, mais tarde vim a saber — do tal HLC dos aterros –, agora, nunca imaginei que o próprio exercício de poder como primeiro-ministro tivesse sido instrumentalizado para um esquema de enriquecimento e de facilitação de esquemas. Mas devo ter sido das poucas pessoas em Portugal que questionou o Governo por ter permitido que não se pagasse impostos pela venda da Vivo. Estávamos a falar de 7,5 mil milhões de euros. Devo ter sido das poucas pessoas em Portugal, nessa altura até sem saber nada de questões de impostos perguntei: “Porque carga de água?” Nunca imaginei que se estivesse a passar aquilo que se passou. E vamos ver o que a justiça vai acabar por dar por provada ou não. Mas sem dúvida que muito do que já sabemos é politicamente absolutamente inaceitável. Também foi por isso quando em 2015 foi a Angola, quando na altura estavam presos os REVOS, o Luaty, gente da imprensa ligada poder angolano na altura me perguntou, e tentou fazer uma comparação com o preso político José Sócrates e eu nessa altura não tive espinhas nenhumas em dizer que José Sócrates não era preso político nenhum, era um político preso.
A missão da comissão de inquérito a Portugal chegou a enviar um email a José Sócrates — e a Armando Vara também –, para os tentar ouvi, mas acabaram por não responder.
Essa proposta foi do deputado Nuno Melo. Não a fiz porque parti do princípio que quem está sob investigação judicial não tem interesse nenhum em falar com uma comissão do Parlamento Europeu. Aliás, José Sócrates sempre teve uma atitude de desvalorizar o Parlamento Europeu não seria nestas circunstâncias que ele iria falar.
Chegou a propor o nome de Paulo Portas, mas o PPE tem maioria na comissão. Foi por pressão de Nuno Melo que Paulo Portas acabou por não estar na lista para ser ouvido?
Não me opus a nenhum nome. Fiz a proposta de vários nomes e não me opus a nenhum nome que tenha sido proposto por outras pessoas. Que saiba, só Nuno Melo é que propôs. Portanto, não me opus a que Sócrates ou Ricardo Salgado fossem convidados a falar com a comissão. Em contrapartida, Nuno Melo opôs-se a que Paulo Portas fosse convidado, que era uma proposta minha. Tem de perguntar ao deputado Nuno Melo porque é que ele tem medo que Paulo Portas seja questionado. Porquê Paulo Portas? Porque, obviamente, foi vice-primeiro-ministro de Portugal durante a troika, durante o tempo em que se fez o terceiro RERT.
Mas também, disse na altura, que era por causa dos submarinos.
Obviamente. E mais: eu tinha proposto que os submarinos fossem exatamente um caso de corrupção transnacional, porque envolvia corruptores alemães — que aliás foram condenados na Alemanha por corrupção de agentes políticos em Portugal — e em Portugal nunca se descobriu quem eram os agentes políticos corrompidos. Portanto, até tinha procurado que esse fosse um dos casos que merecia uma investigação.E ainda está a ser investigado. Embora não tenha sido porque, obviamente, a Nuno Melo não interessava que esse caso tivesse atenção. E, por isso, Nuno Melo não quis que Paulo Portas fosse chamado a vir à comissão e utilizou, sim, a maioria que existe no PPE, e que se faz sentir nesta comissão (eu sou vice-presidente, mas o presidente é do PPE) e é alemão, portanto também não tinha muito interesse em que se investigasse esse caso.
Nuno Melo só se opôs à audição de Portas?
Sim. Opôs-se a Paulo Portas e só a Paulo Portas. E eu queria também porque ele era número dois do Governo e teve influência na criação dos Vistos Gold — uma das coisas que está no relatório também é a referência aos Vistos Gold. Tenho sido a única pessoa no Parlamento Europeu há muitas anos que batalha para que a Comissão se interesse por a investigação dos Vistos Gold e pelos programas ditos de promoção de investimentos que vários outros países têm com outros nomes. Finalmente, a comissão acordou para isso e está agora a fazer a sua própria investigação. Claro que o PPE não se escudou em que queria proteger Paulo Portas, escudou-se em que era muito difícil. E era verdade. Já tínhamos uma agenda muito sobrecarregada e que havia outras prioridades. Portanto, é evidente que o programa foi feito também com o meu consentimento. Mas houve aqui uma negociação e ficou claro que quem se opôs foi o deputado Nuno Melo. Ele lá saberá porque é que o quer proteger.
Política europeia de Defesa. “Acho absolutamente lamentável que Portugal não estivesse imediatamente no núcleo duro”
Há umas semanas disse que ia questionar a comissão pelo facto do Ministério Público ter arquivado o caso Tecnoforma, com conclusões completamente diferentes do relatório do OLAF, que concluiu que houve fraude. Pode, de alguma maneira, fazer pressão?
Já fiz. Já mandei uma carta à comissão a perguntar quem é que vai pagar essa fatura. E como é que a comissão reage ao facto de a justiça portuguesa ter arquivado o processo, não obstante o relatório do OLAF considerar que havia fraude, e grave, e inclusivamente ter pedido a devolução de uma quantia substancial. Portanto, vou pôr essa questão à comissão. Aliás, já pus. E estou a aguardar. Também descobri recentemente que o procurador que encerrou o processo em Lisboa, Rui Correia Marques, é curiosamente o procurador que recentemente passou a ter em suas mãos o processo dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e do caso do Atlântida. Constituí-me assistente do processo. Sei que foi feito um trabalho importante pela PJ e pelas procuradoras e confesso que tenho alguma apreensão com isto: o procurador que encerrou o processo Tecnoforma neste momento tem em mãos com o caso do ENVC. Pergunto se o objetivo será de arquivar o processo. Estou aqui a dar notícia das minhas apreensões. Espero que não se confirmem.
Sobre a Cooperação Estratégica Permanente — a nova política europeia de Defesa –, em Portugal quem mais contesta são os partidos à esquerda do PS, que acham que está em causa a soberania nacional.
Sorrisos.
Sei que a sua opinião não é bem essa…
É normal que esses dois partidos, que sabemos que têm uma posição crítica em relação à Europa, um mais construtivo que outro. Mas, enfim, trabalham no contexto europeu e é importante o trabalho que fazem, aqui no próprio PE, e em Portugal, designadamente no apoio ao Governo. E num apoio crítico, e ainda bem. Mas sabemos que em relação a questões como a área da Defesa eles são reticentes. Relutantes. E, portanto, não estou admirada em relação à posição deles. Sou do PS exatamente por isso. Sinto-me muito de esquerda, se calhar em muitas matérias tão ou mais à esquerda do que o PCP e do que o BE, mas sem dúvida que sou profundamente europeísta, sou até federalista europeia, e portanto sou a favor de que precisamos da Europa da Segurança e da Defesa.
Porque é que o PS demorou tanto tempo a aderir à Cooperação Estratégica Permanente (PESCO no acrónimo inglês]?
Vai ter de fazer essa pergunta aos responsáveis do Governo.
Mas sabe o porquê de isso ter acontecido?
Já vi muitas coisas escritas ou ditas sobre isso. Acho absolutamente lamentável que Portugal não estivesse imediatamente no núcleo duro que imediatamente anunciou a sua adesão à PESCO. Penso que deverá haver várias razões. Antes de mais, o nosso establishment militar. É um establishment formado na NATO e que sempre teve muitas resistências à UE. Não perceberam que assim também não têm recursos, não vão a lado nenhum: não é no quadro NATO que se vai a algum lado. Admito que tenha existido a nível político algum adiar, por se intuir alguma dificuldade nos parceiros que apoiam o atual Governo. Admito que a mudança na secretaria de Estado dos Assuntos Europeus possa ter tido algum impacto. Mas espero que no próximo dia 11 [esta segunda-feira] Portugal anuncie que está na PESCO.
Passos Coelho, José Sócrates e Durão Barroso não foram governações que tenha tido particular simpatia. Gostou de António Guterres. Costa, desde Guterres, é o melhor primeiro-ministro que Portugal já teve? E, já agora, o que tem falhado?
Desde António Guterres, António Costa é o melhor primeiro-ministro. Sem dúvida. E acho que fez uma coisa notável: desde logo conseguir negociar o entendimento para a “geringonça” começar a funcionar. Fui uma das pessoas que, no dia em que o PS teve a votação que teve, me disse chocada porque, justamente, esperava que o PS tivesse uma votação muito mais significativa, que lhe permitisse formar Governo.
Ainda para mais tendo Costa desafiado António José Seguro, que apoiou.
Exatamente. E, portanto, fiquei agradavelmente surpreendida, quando apesar do resultado ser poucochinho, ele ter conseguido — isso é sobretudo mérito dele, mas também mérito dos parceiros — e a mão na consciência dos parceiros, que tinham a consciência de ter sido eles que tinham contribuído para deitar abaixo o Governo Sócrates e, portanto, a abrir o caminho à direita. E, portanto, foi essa mão na consciência que os levou a ter a coragem de fazer os acordos que fizeram com António Costa — e é mérito de António Costa — ter negociado e tê-los mantido a funcionar. E é mérito grande de outras pessoas. E destaco aqui o trabalho do Pedro Nuno Santos que acho ser um grande, grande valor do Partido Socialista.
Acha que pode vir a ser líder do PS e primeiro-ministro no futuro?
Já o disse antes. E acho sim. E acho que esta experiência da negociação permanente no quadro do Governo é importantíssima para um jovem como ele. Mas penso que a governação tem sido francamente positiva. Devolveu a confiança aos portugueses, devolveu recursos, rendimentos, aos portugueses, devolveu capacidade de investimento. Não tem sido tudo perfeito. Ninguém é perfeito e eu própria não me tenho eximido de fazer as críticas quando acho que são justas e até necessárias.
O caso que falámos há pouco da taxa das Renováveis é um exemplo?
Tweetei imediatamente que, se lá estivesse e votasse, teria votado como votou o meu camarada Ascenso Simões. Que foi com o Bloco de Esquerda. Penso que as coisas começaram a ter uma sucessão de aspetos infelizes a partir dos incêndios de Pedrógão. Foi um choque para todos. E não tenho dúvidas que foi também um choque para o primeiro-ministro. Como, de resto, ele o disse. Mas acho que a coisa não foi bem gerida. Em muitos aspetos, noutros foi. O ministro que tem feito um trabalho importante é o Pedro Marques. O Capoulas Santos também. Mas na Administração Interna levou ao desfecho que sabemos. Penso que há aqui também uma acumulação de cansaço e espero que rapidamente se recupere o controlo dos acontecimentos e que continue a haver a abertura que tem havido para reconhecer que, muitas vezes, tem havido erros. Penso que essa é uma das qualidades grandes que António Costa tem.