Fazer umas jornadas parlamentares quando a negociação em torno do Orçamento do Estado está praticamente parada não é tarefa fácil. Não há novidades para dar, porque nada está fechado; há apenas bandeiras para erguer. Foi o que fez o Bloco de Esquerda esta sexta e sábado, na região do Algarve. Enquanto os 19 deputados bloquistas visitavam os vários setores de atividade, das pescas ao setor da saúde e da educação, Catarina Martins e Pedro Filipe Soares aproveitavam para passar mensagens ao Governo: é preciso honrar a palavra e alterar a lei laboral para combater os abusos nos contratos a prazo e para aumentar a negociação coletiva. Mas isso é só um “pequeno passo”.
Em entrevista ao Observador no último dia das jornadas, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar bloquista, deixou um caderno de encargos ao Governo para a discussão orçamental, como o aumento dos salários na administração pública e a baixa do IRS. No caso dos escalões de IRS, o BE prefere não “entrar na discussão com números de escalões fechados”, por alegar que os escalões não garantem em si mesmo maior igualdade e progressividade, preferindo antes bater-se por um valor global “que não seja ridicularizável” e que se faça notar na carteira dos portugueses dos escalões mais baixos. Os 600 milhões de euros são um ponto de partida — não uma linha vermelha –, mas em resposta ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que já alertou que para cortar receita é preciso cortar despesa, Pedro Filipe Soares nega que baixar o IRS tenha de implicar cortes. “Não tem de haver contrapartida de cortes”, diz, propondo, ao invés, mexidas no IRC para haver aumento de receita, nomeadamente através do aumento da derrama estadual.
As jornadas do Bloco de Esquerda realizaram-se estes dias no Algarve, tal como as do PSD. E tal como fez o PSD, um dos pontos centrais do programa do BE foi apontar o dedo à falta de investimento público em setores importantes como a saúde e a educação. Isto é o BE e o PSD a concordarem na mesma crítica ao Governo?
Pode ser pelo menos um assumir das responsabilidades do PSD. Se olharmos para o setor da saúde, pegando naquele que é um dos principais serviços públicos do Algarve, e virmos o que aconteceu desde 2011, vemos uma redução brutal do número de profissionais. Faltam médicos, enfermeiros, assistentes operacionais. Vemos isso no Algarve como vemos a nível nacional. Mesmo tendo recuperado algum do emprego nesta área estamos ainda abaixo dos números de emprego que tínhamos em 2011, o que mostra bem o que foi a destruição de emprego neste setor. O que vemos, no Algarve em particular, é que se está a levar a zero o investimento público na saúde, que já era frágil antes de 2011, e que ficou muito pior depois desse período. Responsabilidade do PSD e CDS que, quando vêm dizer que o setor está mal não fazem mais do que uma confissão das suas responsabilidades na matéria.
Mas este Governo, no ano e meio que está em funções, também não tem feito nada para melhorar isso?
Temos dito sempre que a grande degradação que existe em setores como a saúde exige um esforço muito grande deste Governo. A saúde tem um défice crónico, o Ministério da Saúde fala sempre em mais de 300 milhões de euros de défice anual face ao que está orçamentado e ao que é depois gasto. Ou seja, há um conhecimento dos números. Mas sabendo que o estado social é um dos fatores principais de qualidade de vida das pessoas, sabemos que temos de dar particular atenção a estes aspetos. É esse alerta que queremos levar ao Governo. E vamos fazê-lo, primeiro, com uma interpelação no Parlamento, já no dia 7 de junho, aos ministros da Saúde e da Educação, para dizer que temos de investir nestas áreas porque são essenciais para a vida das pessoas; mas, depois, vamos também fazer esse caminho até ao Orçamento do Estado.
No plano das negociações para o Orçamento do Estado, o BE já quantificou as verbas que quer ver destinadas ao orçamento da Saúde?
Estamos em discussão com o Governo sobre estas matérias. Há pontos que decorrem do acordo que foi firmado entre o BE e o PS que ainda faltam cumprir. E esses são os pontos a que vamos dar prioridade, porque nesses há um compromisso já assumido.
Quais?
A questão dos escalões de IRS, por exemplo. Nós consideramos manifestamente insuficiente o valor que foi colocado pelo Governo no Programa de Estabilidade e estamos a lutar para que seja aumentado, para que haja uma verdadeira solução para esta questão fundamental. Porque deve haver um maior equilíbrio e isso faz-se através da alteração dos escalões de IRS, mas os 200 milhões de euros que o Governo propôs são insuficientes.
O Bloco de Esquerda fala em 600 milhões. Não vão aceitar menos do que isso?
Falamos em ter um valor que seja capaz de dar algo visível às pessoas. Os escalões de IRS englobam um número de contribuintes muito grande nos escalões mais baixos, o que significa que qualquer alteração nos escalões mais baixos terá de ter um valor considerável. Isto porque um valor pequeno a dividir por muitos contribuintes, na prática, não tem efeito nenhum na carteira das pessoas. Os 600 milhões são um valor de partida que podemos discutir com alguma abertura. Os 200 milhões é que estão seguramente aquém do que será necessário.
E com todas as devoluções de rendimento individual que têm vindo a ser feitas sobra dinheiro para investir nos serviços públicos?
Temos uma discussão geral na sociedade, não só com o PS, sobre os resultados da política económica. PSD e CDS, por exemplo, dizem que tudo o que foi feito ia servir para chamar o Diabo, vinha a troika e ia ser tudo deitado por água abaixo. Nesse debate económico, sempre dissemos que a recuperação de rendimentos ajudava à dinamização da economia, e por isso era necessária e positiva para o nosso país. Junto do Governo havia também discussões sobre isso. O que podemos dizer agora, ano e meio depois, é que, primeiro, PSD e CDS ficaram fora do jogo na sua argumentação porque a economia está a portar-se melhor do que era expectável. E, depois, nós fizemos uma recuperação de rendimentos que ajudou às contas públicas. Por isso, utilizar dinheiro público para ter uma política ponderada, pensada, mas justa na distribuição de rendimentos, tem ajudado à dinamização da economia. Outro exemplo é o aumento do salário mínimo, que foi outra enorme discussão que tivemos com o PS, e agora os dados dizem que o aumento do salário mínimo nacional foi um fator importante para combater as desigualdades. Se aprendemos que estas escolhas têm resultados positivos acima dos que estavam previsto, então o que temos de fazer é deixar de ter medo de investir naquilo que é positivo e que tem sucesso.
Mas o que se vê é que estes resultados positivos dos indicadores económicos não são motivados pela política macroeconómica inicialmente traçada pelo Governo, ou pelo PS. O modelo inicial assentava no consumo interno, no investimento público, e o que se veio a verificar é que a economia cresce muito à custa das exportações, do investimento privado e estrangeiro, até pagamentos antecipados ao FMI o Governo está a fazer. Isto não faz lembrar o modelo que o PSD defendia?
Não tanto. Os exemplos que dei são exemplos claros de melhoria do mercado interno através da melhoria do rendimento das pessoas, com um peso brutal na nossa economia. O aumento do salário mínimo, por exemplo, subiu 10% nos últimos dois anos. Isto afeta agora mais de 700 mil trabalhadores. O que está a ser demonstrado é que esta recuperação de rendimento não é utilizada para importações. Está a servir de alavanca das empresas a nível nacional para depois poderem exportar, o que é positivo. A eliminação dos cortes na administração pública, o caminho para a eliminação da sobretaxa de IRS, tudo isso são medidas de centenas de milhões de euros que ajudaram a esta dinamização da economia porque deram mais confiança às pessoas, geraram maior dinâmica económica interna, e isso depois é utilizado pelas empresas para investirem e para exportarem. Não consigo separar as duas realidades. Se o PSD e o CDS dizem que é uma política igual à que tinham seguido, das duas uma: ou é um equívoco face ao que andaram a dizer no último ano e meio, ou então estão agora a colocar-se numa fotografia que não é a sua, que é a fotografia dos bons resultados da economia. Qualquer uma das duas não é edificante para PSD e CDS.
O argumento é de que o Governo mudou de caminho a meio do jogo.
Mas não vemos isso. Podemos divergir dos Programas de Estabilidade enviados pelo Governo para Bruxelas, mas a verdade é que os programas de 2016 e de 2017 são exatamente iguais. Esse é que é o ponto de comparação dos dados macroeconómicos que podemos ter em cima da mesa. Não é factual que se possa dizer que esta é a teoria económica que PSD e CDS teriam seguido. Porque manifestamente não tem nada a ver. Não há cortes salariais, há um aumento de salário mínimo muito para lá do previsto, há aumento extraordinário de pensões. Há fragilidades ainda que advêm do período do PSD/CDS? Há. Mas aí vamos chegar sempre ao mesmo ponto, que é a defesa do estado social. Falta de facto investimento público nessas áreas, e é por esse investimento que nos vamos bater para demonstrar que temos um caminho de futuro. Não podemos ficar só a colher os louros da situação económica, até porque já nos aproximamos a passos largos do final da legislatura. Ora, esta legislatura serviu em primeiro lugar para parar o que estava a acontecer — cortes e austeridade –, já fizemos isso, o que falta agora é repor o que foi retirado nos serviços públicos. Falta garantir que este caminho é de facto sustentável, e isso só se faz continuando a política. Não é tendo medo da política que foi seguida e que está a dar bons resultados.
Mas admite que o Governo abdicou, para já, do investimento nestes setores importantes em prol de outros objetivos, como o objetivo do défice. Acha que da mesma forma que o Governo anterior era acusado de ir para além da troika, este Governo vai para além do défice?
Há dois aspetos diferentes na dinâmica macroeconómica: há o medo, por parte do Governo, do resvalar do défice, e isso vê-se pelo volume das cativações; e há um resultado da dinâmica económica que acaba por melhorar o défice para lá do expectável pelo Governo. Mas não ignoramos que essas cativações existiram por causa do medo do resvalar do défice. O que aconteceu foi que o Governo estava a prever determinada dinâmica da economia, fez as contas em função dessa previsão, e depois a dinâmica da economia mostrou que não havia motivos para ter medo nem motivos para fazer essas cativações.
A revisão dos escalões de IRS é uma das grandes bandeiras para este novo Orçamento. Mário Centeno já mostrou abertura para rever a progressividade e rever os escalões. Atualmente são 5, Mário Centeno diz que não chegará aos 8, o PCP quer 10, onde é que o BE fica nesta conta?
Não entramos neste debate pelo número de escalões. O caso português, do ponto de vista técnico, funciona com escalões para indicação de uma taxa marginal, mas depois vemos aplicada uma taxa efetiva diferente do escalão onde estamos inseridos, que é aplicada em função dos nossos rendimentos. Termos mais escalões torna o sistema mais progressivo, logo, mais justo. Mas por si só não é isso que garante uma maior igualdade. Se forem 8 escalões, podem ser 8 escalões num modelo mais desigual ou 8 escalões num modelo mais igual e progressivo; por isso não entramos no debate do número de escalões. Tem é de haver um bolo orçamental para aplicar na alteração aos escalões de IRS, que é uma outra forma de entrar neste debate. O Governo fala em 200 milhões, é pouco, nós pomos 600 milhões em cima da mesa. A ideia é utilizar este dinheiro para tornar mais justo o nosso sistema fiscal. Quantos escalões isso implica, veremos.
Em que ponto está esta discussão com o Governo? Já fecharam pelo menos o valor desse bolo orçamental?
Estamos na discussão do valor global ainda, e esse é um ponto fundamental porque o resto faz-se rapidamente. Sendo definido o valor da medida, depois materializa-se de forma rápida e justa. Mas voltamos ao mesmo: se o nosso objetivo é responder à pressão fiscal dos escalões mais baixos, que são os escalões que englobam o maior número de contribuintes, então, nesse caso, para ser algo visível e não ridicularizável, o valor global da medida tem de ser condizente.
O Bloco contenta-se se for um valor algures entre os 200 e os 600 milhões?
Queremos o máximo possível e é para isso que estamos a lutar. Sempre com o objetivo de não ser uma medida meramente simbólica, ser uma medida que se sente no bolso das pessoas, e ser uma medida que traga mais justiça fiscal. Esses são os dois pilares da nossa posição negocial.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, disse este sábado que para reduzir o IRS nesse valor, um valor tão mais elevado do que o Governo prevê nas suas contas, implica cortes na despesa noutras áreas. O BE aceita essa contrapartida? Em que áreas pode ser feito esse corte?
Consideramos que, fruto da dinâmica económica, existe a possibilidade de fazer essa alteração no IRS. E para baixar o IRS não tem de haver qualquer contrapartida ao nível de cortes na despesa. Isso vai contra a coerência daquilo que defendemos. Se for preciso alterar alguma coisa na estrutura do Estado, então que seja por uma maior eficiência no lado da receita. Um exemplo disso pode ser a derrama estadual, que ainda não aumentou. Um aumento da derrama estadual [sede de IRC] pode trazer receita que compense a baixa do IRS. Não deve é haver cortes em lado nenhum, não deve ser nesses termos que se faz a negociação.
Mário Centeno já disse que não vai haver aumentos salariais em 2018, mas que vai haver descongelamento de carreiras e isso por si só já vai resultar em algum aumento salarial. O Bloco acha que isso chega ou vai bater-se para haver uma revisão da tabela remuneratória?
Estamos a discutir todos os dossiês. É justo haver um descongelamento de carreiras, que estão congeladas há mais anos do que os funcionários públicos têm memória. Mas isso tem implicações remuneratórias também. Por isso é um dos pontos principais de debate: saber como se gere essa pressão orçamental. O descongelamento está na posição conjunta, tem de ser aplicado. O que não está na posição conjunta é o aumento salarial da administração pública. Nós bater-nos-emos por ele, porque consideramos que é justo para quem está com salários congelados há muito tempo, e seria coerente com a política que tem sido seguida. Num ano em que se espera que a inflação possa acelerar, o congelamento de salários é uma forma de perda de salários. É com essa base argumentava que nos vamos bater junto do Governo para dizer que temos de ser coerentes com o que dissemos que íamos fazer: repor rendimentos. Mas sabemos a posição do Governo sobre a matéria. E neste debate sobre onde vamos gastar dinheiro e onde vamos buscar dinheiro há várias soluções para poder fazer esse caminho, tem é de haver disponibilidade de ambas as partes.
Nesse braço de ferro, se não está na posição conjunta, ganha o Governo.
Não há nenhum resultado à partida para nenhuma negociação. O aumento extraordinário de pensões não estava na posição conjunta e foi alcançado. Por isso, neste momento, o que podemos dizer é que não há acordo. Veremos como chegamos até outubro.
Mas o BE vai bater-se para que haja aumentos salariais líquidos?
Sim, sim. Tínhamos dito que gostaríamos de ter fechado o dossiê orçamental mais cedo do que tarde, e a verdade é que o tempo está a passar e ele não está a ser fechado. Há muitas questões ainda pendentes. Temos até outubro, limite até novembro, para fechar este dossiê.
Em relação à precariedade laboral. O Governo optou por fazer um levantamento dos precários existentes para depois integrá-los na máquina do Estado. Acha que é possível fazer essa integração total?
Esperamos que sim. Este método tem um mérito. É que, primeiro, houve um levantamento feito pelas administrações públicas sobre aquilo que é a visão do empregador da precariedade. Depois, numa segunda fase, foi o trabalhador a dizer que está numa situação precária, e isto permite aos trabalhadores dizerem “nós também somos precários, queremos que a nossa situação seja enquadrada aqui”. É um percurso que, pelo menos, tem mais mérito do que tudo o que já se tentou fazer no passado. Resolverá todas as situações? Não, certamente. A situação dos professores é a mais visível. Todos reconhecemos que há muita precariedade nos professores contratados, mas a verdade é que o Governo não aceitou que os professores fossem enquadrados neste processo, por haver um teto para as suas remunerações em função da disponibilidade financeira do empregador. É um exemplo que demonstra que não fica tudo resolvido com este processo.
Mas mesmo identificando grande parte dos trabalhadores precários, haverá depois dinheiro para integrá-los a todos na administração pública?
Essa é uma das perguntas que tem sido feita ao ministro do Trabalho e creio que ele tem dado uma boa resposta. Em primeiro lugar, é muito difícil dizer quanto vai custar esta medida. Ninguém pode sequer excluir que seja mais barata para o Estado. Se estivermos a falar, por exemplo, de situações de trabalho temporário em que, para além do pagamento ao trabalhador existe um pagamento a uma entidade intermediária, o que vemos é que muitas vezes isso fica mais caro do que se o Estado assumisse diretamente as suas obrigações para com o trabalhador e o enquadrasse na sua equipa. Vemos muito isso na Saúde, em médicos, enfermeiros e tarefeiros, que são enquadrados através de empresas de trabalho temporário que saem muito mais caras ao Estado. Com esses exemplos é difícil dizer se vamos ter maior ou menos pressão orçamental com a integração destes trabalhadores precários. Mas a discussão não está a ser feita nesses termos, está a ser feita no enquadramento das situações de precariedade e depois nas necessidades de as suprir. No final de junho terminará o período para os trabalhadores dizerem se estão em situação de precariedade, depois começamos outra fase de avaliação caso a caso da situação e da resposta a dar, e depois vamos materializar as soluções que forem encontradas.
É preciso mexer na lei laboral?
É preciso mexer na lei laboral mas para outras matérias. Para este caso concreto teremos de mexer na contratação pública, e aí terá de haver alguma alteração à lei, porque o reconhecimento dos direitos destes trabalhadores não está na lei que regula a contratação na administração pública. Quando chegar o momento essa alteração será feita.
Então é preciso mexer na lei laboral para quê?
É preciso mexer na lei laboral para assegurar maior estabilidade do emprego e maior garantia da qualidade de vida das pessoas. Ainda temos muito do legado da troika na lei laboral. Não houve quase alterações ao código do trabalho no nosso país. As pessoas continuam a poder ser despedidas com uma indemnização irrisória, sem regras que os protejam. Os trabalhos a prazo continuam a ser um flagelo na nossa sociedade. Há um conjunto de matérias pelas quais ainda temos de lutar. E esse é um dos pontos para a segunda parte da legislatura também. O código do trabalho tem de ser alterado para garantir mais direitos às pessoas e maior contratação coletiva.
Há acordo com o Governo para agir nesse sentido, para mexer no código de trabalho?
Não, essa é uma das matérias em discussão. Vamos apresentar agora dois projetos de lei no sentido de dar seguimento a duas questões com as quais o Governo já se comprometeu (ou no grupo de trabalho que tem com o BE sobre precariedade ou no próprio programa de governo), que são questões relacionadas com os contratos a prazo e com a necessidade de acabar com os bancos de horas individuais, beneficiando a negociação coletiva. Não são passos grandes, são passos na direção certa, mas queremos mais.
Como é que viu a situação dos estagiários não remunerados que o Governo contratou para os serviços jurídicos da Presidência do Concelho de Ministros? Não é um contra-senso?
Assim que essa situação foi noticiada fizemos de imediato uma pergunta ao Governo.
Já teve resposta?
Ainda não, aconteceu há uma semana, o Governo ainda está a tempo para responder. Mas consideramos que é uma situação inaceitável nos contornos em que foi apresentada. O Governo veio tentar responder dizendo que iria investigar. Aguardamos o resultado dessa investigação, sendo que a nossa posição é conhecida: abusar da situação de estágio para cumprir obrigações permanentes de serviços, para estar enquadrado numa hierarquia e num horário de trabalho, e para suprir necessidades permanentes, é uma forma de precariedade que nós condenamos. No privado e no Estado.
Continua a achar que deve haver uma reestruturação da dívida?
Sim, essa é a posição do Bloco e é a minha posição pessoal. Chegamos a uma proposta de reestruturação juntamente com o PS que fica aquém daquilo que o BE tem defendido, mas que é em si uma proposta de reestruturação. É melhor ser aplicada esta do que não ser aplicada nenhuma.
Mas essa proposta põe tudo nas mãos de Bruxelas.
Isso resultou da posição que o PS assumiu no grupo de trabalho. O PS sempre disse que não abdicaria de uma relação de multilateralidade para qualquer que fosse o problema da dívida. Isso implicava fazer negociações no quadro europeu. Essa não era a nossa posição mas quisemos, mesmo assim, demonstrar que é possível fazer muito mais do que está a ser feito agora. Demonstrámos duas coisas: que o Governo pode e deve lutar por melhores condições da dívida pública junto das instâncias europeias, mas também que esta relação de multilateralidade com as instâncias europeias não é uma posição capaz de resolver o problema da dívida do nosso país. Por isso é que disse que a proposta fica aquém. Temos de fazer mais. A realidade mostra que se conseguíssemos resolver o problema da divida tínhamos capacidade para estar a crescer muito mais e para resolver o grande flagelo do país, que é o emprego.
O relatório não chegou a Bruxelas, por opção dos eurodeputados, nem foi sequer formalmente assinado pelo Governo. Então serviu para quê?
Para nós serviu para o que disse ainda agora e também para mostrar que o BE não tem uma posição dogmática sobre a dívida. Serviu para demonstrar também que a posição que o PS assumiu é insuficiente para resolver o problema. Se o Governo não fizer nada de fundo no que toca à relação com a União Europeia ficará demonstrado que, mesmo para fazer coisas pequenas, o PS só lá vai quando é pressionado para o fazer.
A hipótese de Mário Centeno no Eurogrupo é viável? Era uma forma de Portugal controlar melhor os detidos da política económica e orçamental europeia?
Acredita mesmo nisso?
Não acredita?
Quanto à hipótese de Mário Centeno ir para o Eurogrupo, não sei. Isso depende de uma relação de forças à escala europeia, depende da relação entre os partidos socialistas europeus e o PPE, e é mais uma negociação de cúpula do que outra coisa. Nós não estamos nesses espaços, não sei dizer se a opção é válida ou não, já ouvimos opiniões contrárias sobre a matéria. Agora, se para Portugal era importante ter o ministro das Finanças como presidente do Eurogrupo? Faço a pergunta ao contrário. Nós acreditamos que o Eurogrupo é reformável? Que uma pessoa no meio daqueles ministros todos fará a diferença? E qual será a alteração que Mário Centeno terá de fazer na política que defende para chegar a presidente do Eurogrupo? É que o que nós temos visto é que quem lá chega tem de ter a bênção da Alemanha. E a Alemanha, mais concretamente Wolfgang Schauble, tem estado muitas vezes contra aquilo que queremos fazer em Portugal.
Schauble agora diz que Mário Centeno é o Cristiano Ronaldo do Ecofin.
Uma afirmação que é de uma enorme ironia e cinismo. Schauble criticou o aumento do salário mínimo em Portugal, criticou largamente várias medidas que foram feitas em Portugal, agora vir dizer isso é puramente cinismo. Não há outra explicação. Mas não me parece que as cedências que Mário Centeno teria de fazer para ser presidente do Eurogrupo sejam importantes para Portugal.
No meio disto tudo parece que o PS conseguiu de alguma forma provar que havia uma alternativa mesmo estando dentro do euro e das regras do Tratado Orçamental. Isto não esvazia o discurso do Bloco de Esquerda?
As discussões à escala europeia mantêm-se. A dívida pública mantém-se como fator principal de pressão do nosso país. O que mostrámos até agora é que é possível ter uma política diferente que ajuda a economia, mas o problema estrutural da dívida sempre dissemos que não se resolvia dentro do euro. E esse problema mantém-se a um nível alarmante. Essa é a ameaça permanente do nosso país, porque pode ser usada como chantagem à escala europeia. Nós agora beneficiamos de um contexto de abrandamento das pressões europeias sobre Portugal, graças ao brexit, graças às diversas eleições à escala europeia, e graças aos tremores da extrema direita poder vir a ganhar peso em cada uma dessas eleições. Isso fez com que as atenções se desviassem de Portugal. Mas o problema estrutural da divida mantém-se e essa submissão do PS ao tratado orçamental não tem resolvido nenhum dos problemas fundamentais. Isso faz com que ainda haja uma possibilidade de perdermos rapidamente aquilo que vamos conquistando. Por isso acho que este debate continua em aberto.
Se o PS ganhasse as próximas eleições sem maioria, o BE renovava este acordo?
É muito cedo para falar em cenários pós-eleitorais. O que demonstramos neste caminho é que, primeiro, a chantagem do voto útil deixou de fazer sentido. Depois, quando temos força somos capazes de influenciar positivamente a política no nosso país. Mostramos também que o PS é melhor a governar quando é pressionado à esquerda do que quando tem maioria absoluta ou do que quando faz acordos com a direita. E isso é uma conclusão importante deste processo.