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Ser refugiada em Portugal. As histórias de quatro mulheres

Quatro relatos de quatro mulheres refugiadas em Portugal, que falam de uma realidade diferente da que conhecemos. Mostram como o mundo está mais pequeno, mas não menos perigoso.

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Hawreen, Shahad, Katherine e Liuba são quatro jovens mulheres que escolheram Portugal para estudar, trabalhar e viver. Do Curdistão Iraquiano, passando pela Palestina até à Crimeia e à Moldávia, chegam relatos feitos na primeira pessoa de realidades e tradições distintas, que devemos conhecer melhor.

O Curdistão em Lisboa

O jantar está marcado para as oito. Somos recebidos com um sorriso na casa de Karwan Kurdi. À mesa está um grupo de jovens curdos iraquianos que estudam em Lisboa. “Somos como uma família”, diz Hawreen Hasan Ahmed, jovem estudante curdo-iraquiana, que nasceu no Irão em 1988, mas mudou-se ainda em criança para a cidade de Halabja. É estudante de engenharia civil no Instituto Superior Técnico de Lisboa, desde 2013, e a primeira mulher curda iraquiana a fazer doutoramento em Portugal. “É um orgulho.” Este jantar tinha tudo para ser um jantar normal entre amigos que procuram divertir-se. No entanto, no Curdistão Iraquiano trava-se uma guerra contra o Daesh – nome pelo qual é conhecido o Estado Islâmico – e o conflito é um espectro que paira sobre o povo curdo.

Os números são assustadores: segundo o último relatório das Nações Unidas, desde Abril de 2014 já perderam a vida mais de 15 000 civis em território iraquiano. A isto somam-se abusos, maus tratos e exploração sexual. A ameaça do auto proclamado Estado Islâmico é real, perigosa e não pode ser ignorada. No norte do Iraque é o povo curdo que dá a cara pela luta. Há 3000 anos que luta pela autonomia e esta é só mais uma batalha.

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Hawreen conta que viver fora do país é ainda mais difícil. Há muita coisa que a família lhe esconde. “Só soube esta semana que o meu tio ficou gravemente ferido num ataque bombista levado a cabo pelo Daesh e só tive conhecimento disso pelo Facebook de uma amiga. Ele sobreviveu mas vários companheiros seus, bem como o seu líder, não. Tem estilhaços e bocados de ossos dos amigos por todo o corpo que não podem ser removidos logo. Todas as semanas tem de fazer uma nova cirurgia”.
Hawreen já perdeu o pai quando tinha cinco anos e ainda três tios.  “Após a guerra contra Saddam, houve divisões internas no Curdistão e a fação política oposta ao meu pai montou-lhe uma emboscada. A minha mãe ficou sozinha com cinco filhos e nós tivemos de mudar de cidade para casa de familiares, quando eu tinha sete anos, porque corríamos perigo de vida. A minha mãe recebeu um telefonema para nós abandonarmos a casa imediatamente, era uma casa linda. Depois de sairmos, as milícias balearam a nossa casa toda de cima abaixo, antes de entrarem para saber se alguém tinha sobrevivido; tínhamos saído há meia hora”, recorda.

“Quando nos instalámos noutra cidade, foi muito complicado. Nesse ano, não pude ir à escola, pois não tinha como provar que estava no ano em que me encontrava e mandaram-me estudar em casa para os exames finais; se passasse, poderia entrar para o ano seguinte. Felizmente, a minha mãe sempre nos resguardou muito de todos os problemas. Mas, que criança pode pensar em estudar neste tipo de situação?”, desabafa. Falar de guerra e morte tornou-se já rotina para o povo curdo. “Estamos tantas vezes em guerra e já vimos e passamos por tanto sofrimento que nos tornamos frios e duros como uma pedra. É difícil, mas normal.”

"Aos poucos, fui-me adaptando. A minha mãe vai adorar ver Lisboa” - diz Hawreen – “mas está muito difícil conseguir que ela venha.”

Em Portugal, a adaptação tem sido boa. Hawreen gosta muito de Lisboa, no entanto sente que há um total desconhecimento em relação ao Curdistão. Quase todos desconhecem que o Norte do Iraque, além de ser uma zona montanhosa, também é verde, com estações do ano bem definidas onde as pessoas conseguem ter vidas normais. As mulheres estudam, trabalham, o uso do véu não é obrigatório e os índices de desenvolvimento e educação são bastante elevados em relação aos padrões do Iraque. ”Antes da ameaça deste grupo (EI) tudo corria bem: construíram-se mais universidades e centros de investigação, havia dinheiro e investimento,  agora…”

Voltei a encontrar-me com Hawreen em Lisboa, semanas depois do jantar. Encontrámo-nos na Casa do Alentejo, na Rua das Portas de Santo Antão. Hawreen não conhecia este local cuja arquitetura inspirada em motivos árabes lhe faz lembrar o seu país. “Parece que estou em casa”, dizia, visivelmente satisfeita.

“Escolhi vir para Portugal por ser um país diferente, todos os meus amigos foram para os Estados Unidos e Reino Unido, onde estão as melhores universidades, mas eu queria escolher um país diferente, conhecer a Europa. Foi um risco que tomei”. Hawreen veio sozinha. “No avião, pensava que ia para um país de pessoas louras e olhos azuis, muito frias e distantes, mas, depois, não foi nada disso que aconteceu: as pessoas são também morenas e muito calorosas”. E nem houve grandes problemas de adaptação. “As diferenças culturais são algumas, mas não me chocaram assim tanto. Quando olho para fotografias da minha mãe e das amigas nos anos 80, no Iraque, parecia que estavam em Paris, usavam minissais e tinham muita liberdade. Hoje, é tudo um pouco diferente.”

Durante seis meses, viveu longe da sua família e do seu marido. “Foi muito difícil, no início, porque sou muito ligada à minha família e estava sempre a pensar em voltar. Mas, aos poucos, fui-me adaptando. A minha mãe vai adorar ver Lisboa” – diz Hawreen – “mas está muito difícil conseguir que ela venha. Desde Janeiro que ando a tentar tratar do visto dela; como turista é muito difícil. Então, como a minha mãe é uma mulher doente, com muitos problemas de saúde, também fruto da ansiedade que viveu, falei com os hospitais, mas lá dizem-me que não têm quaisquer acordos com o Iraque. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)  já me devia ter respondido há duas semanas acerca do meu pedido mas, até agora, ainda não disseram nada. É cada vez mais difícil sair do Iraque; há muitas rotas que já não se fazem. Antes de vir para Portugal, tive de ir até ao Egipto e depois até aos Emirados Árabes, porque não há embaixada portuguesa no Iraque, para pôr o meu dedo e provar que era eu. Esta é a situação atual”.

No território a situação é muito complicada. “As pessoas estão a ficar muito infelizes, sem muita esperança. A imigração ilegal também está a aumentar. Quem ainda consegue, paga uma fortuna aos contrabandistas para chegarem à Turquia. O caminho é feito através das montanhas; é uma viagem muito dura a pé e, quando chegam à Turquia, apanham barcos muito velhos até à Grécia. A qualquer momento desta odisseia, podem ser obrigados a voltar ao Iraque, se forem apanhados.”

O Estado Islâmico é uma ameaça real, mas não o único problema. “O problema é o que já tinha acontecido antes deste grupo aparecer. As pessoas estão sem dinheiro, o desemprego está a aumentar e os jovens passam a vida em casa a ver televisão. Quando as milícias aparecem à porta de um jovem do sul do Iraque que passa fome, que viu o pai ser perseguido, morrer ainda no tempo de Saddam Hussein e ouve o que estas milícias prometem – “se vieres connosco, terás dinheiro e o teu futuro nas mãos” – eles vão. A primeira coisa que eles fazem, quando invadem uma cidade ou vila, é assaltar os bancos, ficar com petróleo, assaltar as forças armadas, assim podem sempre ter dinheiro. E obrigam todos a sair das suas casas e a ir embora em algumas horas; quem se opuser ou ficar, morre”. E apesar das justificações públicas, a religião não serve como desculpa. “Não, a religião não tem nada a ver com as motivações do Daesh. Eles destroem túmulos sagrados e tornam as mulheres iraquianas em escravas sexuais. Ora, a religião muçulmana proíbe tocar numa mulher. Por isso, nada disto tem a ver com religião. É uma fachada. “Às vezes, pergunto-me porque é que eu nasci no Médio Oriente.”

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Da Crimeia, sem retorno

Katerina, 28 anos, cidadã tártara da Crimeia, aterrou no aeroporto de Lisboa a 20 de Julho de 2014, com a sua filha Maria de 10 meses. Sem saber para onde ir, sem falar português ou inglês, chegou a pernoitar no aeroporto até o Serviço de estrangeiros e Fronteiras (SEF) ocupar-se do seu caso. Tem estatuto de refugiada e vive em Lisboa com a Crimeia guardada no coração.

A 16 de março de 2014, o presidente russo, Vladimir Putin, aproveitando o vazio de poder que se havia instalado na Ucrânia, decide fazer um referendo à população da República Autónoma da Crimeia. A pergunta foi se queriam continuar integrados na Ucrânia ou se estariam dispostos a voltar a fazer parte da Federação Russa. A votação foi arrasadora, mais de 90% dos votantes disseram sim ao regresso à Rússia. Alguns dias depois, num discurso inflamado, o Presidente russo declarava; “a Crimeia foi e será sempre parte da Rússia.” Para a minoria tártara, 12% da população, o resultado do referendo foi o pior possível: velhos fantasmas ressurgiram e o medo da deportação voltou. O exército russo ocupou toda a península e a anexação começou.

Katerina, filha do exílio, nasceu no Uzbequistão e o regresso à Crimeia aconteceu já na década de 90 do século XX, após o desmembramento da União Soviética e a independência da Ucrânia. A sua juventude passada nesta rica península de águas quentes, entrincheirada entre a Rússia e a Ucrânia, nas margens do Mar Negro, decorreu com normalidade. Apesar dos problemas da população tártara na Crimeia terem sido ignorados pelas autoridades ucranianas, ao longo de vários anos—90% das aldeias tártaras não têm boas estruturas rodoviárias, nem uma boa rede de água potável ou energia eléctrica— Katerina ressalva que, os tártaros, sob alçada ucraniana, tinham mais liberdade; “os russos não gostam de africanos, ucranianos nem de tártaros… Consideram-se superiores a todos os povos. Para mim, Putin é igual a Hitler.”

"Na Crimeia, eu e o meu marido éramos juristas, mas, aqui, é muito difícil exercermos a nossa profissão. Por isso, também quero aprender bem português", diz Katerina

Milhares de tártaros—cerca de 3000— já abandonaram a Crimeia ou foram forçados ao exílio, entre eles, o anterior e presente líder do Movimento do Mejlis— a organização que representa os interesses culturais e políticos dos tártaros— proibidos, pelas autoridades russas, de voltar a entrar na Península, acusados de extremismo. Outro problema é a preservação na Crimeia do idioma tártaro, língua de influência turca. “Há um clima de medo muito grande. As pessoas foram proibidas de se manifestar, de hastearem bandeiras da Ucrânia ou da Crimeia e agora também começam a ter receio de falar tártaro e poderem ser presas por causa disso,” explica Katerina.

Tirando partido da língua, posição geográfica e religião, os tártaros faziam a ligação entre o império Otomano e russo. Mas com o declínio do Império Otomano e com o deflagrar da Guerra entre turcos e russos, em 1774, o Canato Tártaro foi, finalmente, invadido e anexado pelos russos. Katerina é um retrato vivo desta miscelânea rica de influências ancestrais; tem olhos rasgados, pele morena, cabelo escuro e estatura média. “Vim para Portugal porque é um país onde há paz, é seguro, sentimo-nos bem aqui. Gosto do clima, das pessoas que são muito simpáticas e educadas, da comida, de passear pela cidade, de ver o mar, que me recorda a Crimeia,” conta.

Atualmente aprende português no Centro Português para Refugiados da Bobadela, com aulas de uma hora e meia três vezes por semana. “A minha professora de português ajuda-nos bastante. Amigos portugueses, ainda não tenho muitos, falo mais com as minhas colegas de turma ucranianas, paquistanesas, afegãs, refugiadas, como eu.” A par das aulas de português, está também a tirar um curso de esteticista. “Em Portugal, é muito difícil arranjar trabalho, os próprios portugueses também estão com dificuldades, então para nós, que ainda não falamos a língua, é mais difícil. Na Crimeia, eu e o meu marido éramos juristas, mas, aqui, é muito difícil exercermos a nossa profissão. Por isso, também quero aprender bem português, para poder voltar à Universidade,” diz.

“O meu marido percorre as ruas de Lisboa à procura de trabalho, bate a muitas portas, mas, não há muitos empregos e ele ainda não sabe falar português. Nós esperamos,  o dinheiro vai aparecer, é preciso paciência…” Katerina, sentada junto à estação de comboios com as mãos sobre a barriga proeminente—está grávida de 7 meses—, mantém um sorriso no rosto, respira fundo, ganha forças olhando em frente. Gosta muito de Lisboa, a cidade que já considera sua e onde espera que nasça a sua segunda filha, Júlia.

O único apoio que tem é um pequeno subsídio da segurança social, que agora está em perigo. Recentemente, foi-lhe dito que tinha de ir para Beja: “Se for para trabalhar, vou, mas, sem emprego garantido, penso que teria mais hipóteses de encontrar trabalho aqui, na capital,” refere. Será uma das novas habitantes de uma região que tem cada vez menos famílias jovens.

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Um olhar palestiniano

Shahd Wadi nasceu no Egito, cresceu na Jordânia, vive e trabalha em Portugal desde 25 de Maio de 2006. Veio para Portugal por amor. Entretanto, acabou essa relação e começou outra, com a cidade de Lisboa. É e sente-se palestiniana apesar de nunca ter vivido na Palestina. Na sua tese de doutoramento em Estudos Feministas – a primeira tese de doutoramento em estudos feministas feita em Portugal – Corpos na Trouxa, Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio, faz referência à letra de uma música da banda Arapyat (grupo de hip hop feminino) bem significativa da sua realidade; “há pessoas que vivem no seu país e nós (palestinianos) temos um país dentro de nós.”

A família de Wadi era originária da vila de Al-Muzayzia, situada no distrito de Al-Rania, junto ao Mar de Haifa, na Palestina. Em 1948, a vila foi ocupada pelo exército israelita e a sua família partiu para o exílio, assim como 750 000 palestinianos que passaram a refugiados nos países limítrofes. Este período, que ficou gravado na memória do povo, é conhecido como “Nakba”, que significa catástrofe.

Grande parte da Cisjordânia e Faixa de Gaza continuam a ter a sua administração civil e militar concentrada nas mãos das autoridades israelitas, o que leva a uma agudização dos conflitos. A Faixa de Gaza é o território do mundo com maior densidade populacional “ali, se se atirar uma pedra ao ar, sabe-se de certeza que irá cair em cima de alguém. A vida é uma prisão a céu aberto, olha-se para cima, para o lado, para baixo e tudo o que vê é um muro cinzento, pesado. Há um embargo declarado há vários anos, a taxa de desemprego é das mais elevadas do mundo (cerca de 40%), as pessoas não podem sair de Gaza nem por terra nem por mar, os pescadores têm de permanecer sempre junto à costa, que é também onde há menos peixe, as escolas não estão a funcionar, servem de abrigo a várias famílias que perderam as casas no último conflito, não há sequer luz elétrica nem água potável,” – ilustra Shahd.

"Portugal empurrou-me para revisitar a Palestina e conhecer-me a mim mesma. Também me motivou para pesquisar a história da minha família e a história do nosso exílio"

A viver em Lisboa, Shahd, sentiu forte necessidade de procurar as suas raízes, o seu lugar no mundo. “O mais importante para mim foi que me conheci enquanto palestiniana aqui. Portugal empurrou-me para revisitar a Palestina e conhecer-me a mim mesma. Também me motivou para pesquisar a história da minha família e a história do nosso exílio,” acrescenta. Ao investigar mais profundamente as suas origens descobriu objetos simbólicos que contam uma história e lhe dão uma identidade; “Encontrei o cartão de refugiado palestiniano do meu avô dado pela UNRWA  O cartão era marcado com buracos de cada vez que meu avô recebia ajuda. Este cartão, para mim, como para muitas pessoas palestinianas, é o único documento que prova que sou exilada e que tenho o direito de voltar.”

Shahd é também uma ativista. Tem um olhar determinado e as suas palavras são carregadas de simbolismo político. Faz parte do Comité da Solidariedade com a Palestina e participa em várias ações de sensibilização. Essas campanhas são feitas por grupos pró palestinianos espalhados pelo mundo, com forte difusão através das redes sociais e órgãos de comunicação, resultando daí grandes ações de mobilização que envolvem a sociedade civil.

A par das intervenções pela defesa das causas palestinianas, Shahd é também uma feminista. Na sua tese de doutoramento dá principal destaque ao papel das mulheres palestinianas. As que vivem na Palestina que fazem a sua “resistência” contra “o opressor” (israelita), contra os dogmas de uma sociedade ainda conservadora e as mulheres do exílio, especialmente as mulheres artistas; “O meu projeto de doutoramento em estudos feministas na Universidade de Coimbra é sobre as representações dos corpos de mulheres palestinianas em objetos artísticos e culturais produzidos no exílio.”

As mulheres palestinianas, “ao contrário do que a maior parte da sociedade ocidental julga, estudam, vão para a Universidade, são pintoras, realizadoras de cinema, escritoras.” No entanto, admite, que em termos de igualdade de género, ainda há um “longo caminho a percorrer.” Na Cisjordânia ouviu histórias e viajou pelas palavras sábias das mulheres mais velhas. “Abordei as memórias, corpos e narrativas de uma geração mais velha,” diz. E com isso, também se reencontrou no tempo, no espaço e com o seu corpo palestiniano. “Voltei à Palestina em Maio de 2013, um regresso que me fez entender que, afinal, já lá tinha estado nestes últimos anos, através da pesquisa e da escrita. A minha presença “real” na Palestina foi apenas uma continuação da minha presença através do meu projeto de doutoramento,” resume.

A situação atual, com um número cada vez maior de refugiados a chegarem às costas da Europa, preocupa Shahd. “Acho que hoje mais do que nunca Portugal e a Europa inteira têm responsabilidades perante os refugiados, especialmente com os milhares que morreram nos últimos anos no Mediterrâneo Digo responsabilidade e não apenas solidariedade. A Europa tem que resgatar as vidas ao invés de fechar as fronteiras, porque tem a responsabilidade humana de salvar as vidas das pessoas que estão a fugir, especialmente de guerras, nas quais a Europa está de uma forma ou outra envolvida.”

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Uma história de amor moldava… em Portugal

Liuba é natural da cidade de Komrat, capital da Gagaúzia, uma região Autónoma do Sul da Moldávia onde se fala gagauz e russo. Tem passaporte da Moldavia, mas não falo moldavo. Há sete anos que vive em Portugal, tem duas filhas e trabalha como esteticista. A sua língua, o gagauz, é uma das línguas europeias mais ameaçadas de extinção.

Atualmente com 30 anos, veio para Portugal por amor. “O meu namorado tinha recebido uma boa proposta de trabalho para vir para Portugal e aceitou, apesar de já ter trabalho na Gagauzia, mas lá os ordenados são muito baixos…. Eu segui-o algum tempo depois.” O namorado, agora atual marido, sabia falar moldavo, que apresenta semelhanças com a língua portuguesa, por isso não teve muitas dificuldades com a língua.  Liuba não fala moldavo, fala russo, gagauz e português, de forma quase perfeita. “Sempre tive talento para línguas, quando cá cheguei e ia a entrevistas de trabalho, pensavam sempre que já cá estava  há muito mais tempo.”

“Aprendemos muito quando mudamos de país, crescemos muito. Não termos a nossa família perto, aprendermos tudo de novo, é uma grande aventura."

A língua oficial da Moldávia, desde 2013, é o romeno e não o moldavo. Já em relação ao idioma russo há também um afastamento cada vez maior por parte da maioria da população. O gagauz, por sua vez, só é falado no Sul da Moldávia, na Gagauzia. Confusos?

A Moldávia é um pequeno país da Europa Oriental, sem orla costeira, situado entre a Roménia e a Ucrânia. Desde sempre aquele pequeno território foi alvo de disputa e cobiça por parte de vários povos devido à posição geográfica priveligiada. Os romanos, no século I, e mais tarde os povos eslavos, no século X, instalaram-se nesta zona fértil e vinicula. No século XIX, a Moldávia fazia parte do vasto Império Otomano, mas o país acabou dividido. Uma parte da Moldávia foi anexada pela Rússia e a outra parte pela Roménia.

Só em 1991, com o fim da União Soviética, a Moldávia torna-se um país independente, mas fragmentado e dividido devido às multíplas influências culturais e linguísticas. Há duas regiões autónomas na Moldávia que são a Gagaúzia, com cerca de 170 000 habitantes de maioria pró-russa e a Transnítia. Esta última região, separatista pró russa, declarou independência unilateral, ao fim de sangrentos conflitos. Liuba conta que as principais diferenças entre os gagauzes e os moldavos são principalmente ao nível da “cultura, das tradições e da língua”, já ao nível da religião os gagauzes, como os moldavos, são também cristãos ortodoxos.

“Para os moldavos, o gagauz não é sequer reconhecido como uma língua, admite Liuba” e a população mais jovem da Gagauzia está a deixar para trás o seu idioma; “Só por vezes em casa, com os pais e os mais velhos se fala gagauz. O meu irmão mais novo que vive na Gagauzia já não sabe falar gagauz, nas escolas fala-se russo e moldavo principalmente,” diz-nos. As suas filhas que já nasceram em Portugal falam russo e português.

Atualmente, segundo dados fornecidos pela Unesco, o gagaluz, uma variedade da língua turca falado na Moldávia, Ucrânia, Bélgica e Macedónia, encontra-se numa situação muito fragmentada, sendo que na Moldávia é onde existe maior concentração de falantes desta língua. No mesmo relório Koichiro Matsuca, diretor geral da Unesco alertou que “a perda de idiomas indígenas leva ao desaparecimento de várias formas de património cultural e, em particular, ao legado incalculável das tradições e expressões orais da comunidade que fala a língua.”

Liuba sente-se bem em Portugal. Gosta muito de viver em Santa Iria, em Almada, embora esteja num meio mais pequeno do que em Lisboa. Em Komrat, as pessoas são menos hospitaleiras e há uma concorrência muito forte entre os habitantes. “Como é um meio pequeno, predominantemente rural, as pessoas reparam muito umas para as outras, como andam vestidas, o que fazem. Aqui há maior liberdade nesse aspeto, há pessoas que vão buscar pão de roupão e de uma maneira geral, todos são mais descontraídos, conta”

Liuba é morena, mais parecida com os povos turcos do que moldavos, é dificil associarem-na com o leste da Europa. Em Portugal ouviu uma vez num centro comercial alguém falar gagauz, mas foi so aquela vez. Em relação ao futuro, gostaria muito de voltar à faculdade. É licenciada em direito mas aqui é muito difícil conseguir equivalência, admite. “Se soubesse que viria para a Europa teria tirado medicina ou engenharia, diz, animada.

Entretanto, trabalha como esteticista e gosta do que faz, do contacto com as pessoas, às vezes é quase uma psicóloga. Para Liuba mudar de país e de cultura é uma grande aprendizagem. Hoje, sente que é uma pessoa muito diferente e acima de tudo uma pessoa muito mais rica; “Aprendemos muito quando mudamos de país, crescemos muito. Não termos a nossa família perto, aprendermos tudo de novo, é uma grande aventura. Hoje, sinto-me muito mais forte do que quando vivia no meu país.”

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A primeira desta quatro entrevistas foi previamente publicada no Corvo.

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