Desta vez, a coligação PSD/CDS não falhou na sua comunicação política. O dia 25 de Abril seria a melhor data para apresentar a renovação do compromisso entre os dois partidos, e assim aconteceu. Em grande medida por culpa da direita democrática, o “25 de Abril” tornou-se uma celebração da esquerda. A direita deve corrigir esse erro e a iniciativa de Passos Coelho e de Paulo Portas é um bom começo.
Como é óbvio há vários “25 de Abril”. O primeiro diz respeito ao fim do Estado Novo. E todos os democratas, à esquerda e à direita, devem celebrar a queda de uma ditadura (para mim, é a data política mais importante da minha vida). Este é o “25 de Abril” mais consensual de todos. Os outros dizem respeito aos modelos de sociedade que se querem para o nosso país e aí começam as divergências.
Houve o “25 de Abril” comunista, que pretendeu substituir uma ditadura por outra, desta vez a “ditadura do proletariado”, conduzida pelo Partido Comunista. Esse “25 de Abril” foi derrotado em 1975. A direita democrática desempenhou um papel central nessa vitória, tal como a esquerda democrática, liderada por Mário Soares. Soares acabou por se tornar o grande símbolo dessa vitória – o que grande parte da direita nunca esqueceu nem perdoou, embora seja culpada por isso.
Dessa vitória, resultou o “25 de Abril” mais importante de todos. O “25 de Abril” que desejava fazer de Portugal um país ocidental e europeu. Uma sociedade de cidadãos livres, um Estado respeitador das liberdades individuais e dos direitos sociais fundamentais, uma democracia pluralista e parlamentar, uma economia de mercado sem monopólios e privilégios e uma justiça rápida e eficaz. Para esse “25 de Abril” a integração europeia, e os compromissos que daí decorrem, seriam fundamentais.
Mas as circunstâncias políticas permitiram a sobrevivência de um terceiro “25 de Abril” – uma espécie de via intermédia entre o “25 de Abril” comunista e o “25 de Abril” liberal e democrata. A definição deste “25 de Abril” não é fácil porque é feito de aparências e de realidades escondidas. É o “25 de Abril” que aparentemente aceita a economia de mercado mas recusa a revisão de uma Constituição a “caminho do socialismo” – mostrando de resto como vive bem com a hipocrisia. É o “25 de Abril” que aparentemente defende o pluralismo político, mas concede ao PS uma espécie de direito natural à Presidência da República – como se tem visto com todos os ataques à legitimidade do Presidente Cavaco Silva. É o “25 de Abril” que promoveu o “capitalismo de Estado”, dando ao governo um lugar central na condução da economia do país – com o PM e ministros a intervirem directamente em decisões a empresas e bancos, e muitas vezes privados – e que aceitou e conviveu com uma economia de privilegiados e de monopólios. É o “25 de Abril” que utiliza o “Estado social” para controlar a liberdade de escolha dos cidadãos portugueses, para impor impostos inaceitáveis e para empregar militantes partidários no aparelho do Estado.
Este “25 de Abril” goza de um talento político indiscutível. Foi capaz de misturar a legitimidade da democracia com um Estado paternalista e cidadãos submissos, herdados do “24 de Abril”. Foi capaz de reforçar o capitalismo de Estado e o poder dos monopólios numa economia mais aberta. E foi capaz de misturar a aparência europeia com o populismo de inspiração latino americana. Os governos de Sócrates constituíram o apogeu deste “25 de Abril”. A intervenção descarada e inaceitável no sector privado económico, o uso de recursos públicos para benefícios próprios, os abusos de poder, a intervenção permanente na justiça e a tentativa de controlar grupos de comunicação social constituíram as maiores ameaças ao pluralismo político, ao estado de direito e às liberdades individuais desde 1975.
No entanto, deve ficar bem claro que outros governos e o PSD também contribuíram para a consolidação desse “25 de Abril”, onde se tentou aproveitar as vantagens da democracia e da “Europa”, mantendo muitas das estruturas de poder herdadas do “24 de Abril”. Enquanto durou, ninguém se incomodou. Mas os erros e os abusos dos governos de Sócrates, juntamente com a crise internacional e europeia, fizeram explodir as contradições que sustentavam o nosso regime económico e social. A crise obrigou a enfrentar e a acabar com essa mistura de “25 e 24 de Abril”, que beneficiou uma minoria de privilegiados e prejudicou a maioria dos portugueses.
Nos últimos quatro anos, a coligação governou durante o período mais difícil desde o 25 de Abril, cometeu erros, mas demonstrou uma grande virtude. Está disposta a terminar com privilégios inaceitáveis e a lutar contra certos resíduos do arbitrarismo pré-“24 de Abril”, tão habilmente explorados por muitos dos governos anteriores. Daí, o ódio a este governo, inclusivamente entre muitos sectores de direita. Por isso – e não é pouco – merece um segundo mandato para reforçar o “25 de Abril” que deseja um Portugal de cidadãos mais livres e de instituições mais justas.
Precisa contudo de fazer mais. Na área fiscal, tem que reduzir a “tirania de impostos” sobre a classe média. O que os portugueses pagam de impostos é simplesmente inaceitável e constitui um atentado contra a liberdade individual. Na área social, deve concentrar os recursos nos reformados e nos que recebem o ordenado mínimo. Sobretudo, os que trabalharam a vida inteira não podem pagar pelos erros cometidos pelos governos anteriores. Devem gozar a sua velhice nas melhores condições possíveis. E na economia, deve apoiar com benefícios fiscais os sectores exportadores.
Quanto ao PS, continua a navegar num mar de contradições – as mesmas que nos levaram ao desastre de 2011 – e na rejeição da realidade, como se viu com as propostas para os próximos dez anos, pela sua equipa de economistas e como se nota pelo discurso do seu líder. O PS e os candidatos a Belém da sua área política – como Sampaio da Nóvoa – gostam muito de falar de mudança. Mas são tudo menos a mudança. Sampaio da Nóvoa é uma cópia da candidatura de Manuel Alegre – com a diferença de contar com o apoio de Soares – e o seu “pensamento político” situa-se algures entre 1975 e 1985. Quanto à liderança do PS é muito simples. António Costa foi o número dois de Sócrates. E o líder parlamentar, Ferro Rodrigues, dirigiu o PS antes de Sócrates. Chamam a isto mudança?
O valor do 25 de Abril está na construção de um futuro melhor e não no regresso ao passado. É esta a escolha que os portugueses terão que fazer nas próximas eleições.