O novo jogo de salão em Lisboa é adivinhar como será Marcelo Rebelo de Sousa na presidência da república. Mas de facto, não é o novo presidente, mas António Costa quem preocupa as inteligências da capital: vai Marcelo Rebelo de Sousa “dissolver” Costa, ou “não vai fazer nada”?

Há vários erros nesta questão. O primeiro é a crença de que as alternativas de um presidente são dissolver a Assembleia da República, ou a passividade total. Não é assim. A influência de um presidente não se mede apenas pelo exercício agressivo dos seus poderes. Marcelo Rebelo de Sousa dispõe da força que lhe dá, quer o modo como foi eleito – à vontade e sem contas políticas para pagar –, quer uma capacidade de comunicação com o público que poucos outros políticos alguma vez tiveram neste regime, e que é muito mais do que simples notoriedade televisiva. Pode tentar fazer muita coisa para além de vetar e de dissolver.

O segundo erro é o daqueles que acreditam que Marcelo Rebelo de Sousa até poderá ter uma certa força, mas que já a comprometeu, ao anunciar que pretendia “ajudar” o governo e “desdramatizar” a vida política. Não foi isso um voto de colaboracionismo, que permitirá aos actuais situacionistas clamarem que o presidente traiu as expectativas, se por acaso os incomodar? Não. O candidato Marcelo Rebelo de Sousa não disse que ia ser o vingador da direita. Mas também não disse que ia ser o protector desta solução de governo.

Marcelo Rebelo de Sousa fez a campanha com duas ideias em que quase todos os comentadores fizeram um grande esforço para não reparar, até para não terem de abandonar o mais velho cliché do jornalismo (“ninguém discute as coisas importantes!”). Uma dessas ideias foi a necessidade de cumprir as regras do euro; outra, o papel do presidente como um orquestrador de compromissos. Marcelo Rebelo de Sousa percebeu duas coisas fundamentais: que o país falhou economicamente, e é perigoso continuar a abusar dos juros baixos do BCE e de uma cada vez mais duvidosa benevolência de Bruxelas para simular crescimento, arriscando outra bancarrota como em 2011; e que a oligarquia política falhou governativamente, ao não conseguir os compromissos que permitam à governação ir para além das medidas extraordinárias, geralmente de natureza fiscal, com que equilibra temporariamente as contas em situações de emergência.

Neste contexto, “ajudar” e “desdramatizar” têm sentidos diferentes daqueles que lhe têm sido dados. Não se trata de ajudar António Costa a manter-se no poder contra todos, mas de ajudar este governo em tudo o que forem “esforços adicionais” para preservar o crédito de Portugal junto dos seus credores; e não se trata de desdramatizar no sentido de levar a oposição a calar-se perante o governo de António Costa, mas de persuadir a oligarquia a deixar de fazer política em ambiente de choque e pavor (“mataram o Estado social!”) – um vício que tem inviabilizado as reformas de que todos falam desde que Portugal entrou no Euro.

É muito trabalho para um presidente. Mas não há mais ninguém para o fazer. Perante ele, terá o governo mais fraco deste regime: um governo minoritário, chefiado por um político derrotado em eleições, e cuja sobrevivência depende de quase tudo: das concessões aos comunistas, do sentido de Estado do PSD, de “conversas intensas” em Bruxelas, e da paciência de uma agência de rating. Deixará o governo que o presidente o ajude, ou, pelo contrário, irá ser tentado a dramatizar e a arranjar num confronto com um “presidente de direita” mais um meio de unir “a esquerda”? De um modo ou de outro, Marcelo Rebelo de Sousa estará no centro do palco político português. Vai precisar de habilidade. Mas também daquela sorte que Napoleão Bonaparte sempre julgou ser a principal qualidade de um general.

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