O primeiro-ministro foi convidado pela UEFA para assistir à final da Liga Europa em Budapeste. É, por enquanto, a última versão da história. Mas até chegarmos aí, tivemos de passar por muitas variantes. Na primeira, aliás, a história nem sequer existia. António Costa, na Hungria?  Não constava da agenda pública do primeiro-ministro, nunca acontecera. Foi quando de repente apareceu a foto do primeiro-ministro no estádio, sentado ao lado de Viktor Orban, que se abriram as comportas da barragem da efabulação oficial. Não nos contaram uma, nem duas, mas muitas histórias. Numa delas, António Costa teria simplesmente parado em Budapeste por “razões técnicas” do voo, descobrira que por acaso ia haver um jogo, foi ver. Noutra, já a caminho da cimeira europeia, sem prévios planos futebolísticos, fora subitamente possuído por um desejo danado de abraçar José Mourinho. Foi ao fim de vários dias, destas e de outras narrativas, que surgiu a versão do convite da UEFA. Já só serviu para adensar o mistério.

Porque é que o governo teve de experimentar tantos guiões, como se estivesse a preparar uma série de televisão e quisesse perceber a que tipo de intriga o público reagiria melhor? Quis esconder o idílio europeu com Orban, como a oposição insinuou ontem no parlamento? Entre todos os incidentes da governação socialista, talvez este não seja dos mais graves, mas é certamente dos mais emblemáticos.

O poder socialista esconde e mente, em primeiro lugar, porque pode. O poder político em Portugal continua a funcionar sem registo de muitas das suas actividades. Quando contam histórias, os governantes não têm de recear ser desmentidos por documentos. Temos assim um regime em que não há verdade e mentira, mas apenas versões diferentes, como vimos na TAP. E sempre que a memória de um telemóvel pode desempatar, apaga-se a memória do telemóvel. Em Portugal, Boris Johnson, acusado de mentir ao parlamento, ainda seria primeiro-ministro. Nada disto é saudável num Estado de direito democrático, onde é suposto o poder político ser limitado. Ora, um poder cuja actividade não pode ser escrutinada objectivamente nunca está verdadeiramente limitado.

O poder socialista esconde e mente, em segundo lugar, porque está convencido de que precisa de esconder e mentir. É claro que o governo partiu do princípio de que a viagem do primeiro-ministro seria interpretada da pior maneira. Optou assim pela supressão. Quando tudo foi descoberto, promoveu uma nuvem de versões, para desorientar comentadores. O poder socialista vive desconfiado da sociedade. Um grupo político pode unir-se à sociedade de várias maneiras. Uma delas é a partilha de uma ideia mobilizadora do que deve ser essa sociedade, que leve uma parte dela a entusiasmar-se com o grupo político e os seus objectivos. O poder socialista, porém, não tem essa ideia. Não podendo mobilizar a sociedade, optou por dominá-la e clientelizá-la. Daí o seu esforço para controlar todos os recursos, da administração pública à comunicação social. Daí o seu fomento da dependência em relação ao Estado. Mas daí também o seu modo conspirativo de actuar, sempre a antecipar a má-fé e a incompreensão. O segredo e a mentira são o inevitável corolário de um poder que não está ligado à sociedade senão pela dominação e pelo clientelismo.

Há outra coisa que nos devia impressionar nesta viagem a Budapeste. A Presidência da República poderia constituir uma esfera alternativa de transparência e de franqueza na vida pública. Em vez disso, escolheu funcionar como mais um contador de histórias no teatro socialista. É pena. 

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