Treinar o ‘self pitch’ é essencial para universitários que estão a chegar ao mercado de trabalho. Saber falar de si mesmos, das suas ambições e competências, dos seus dons e talentos, das suas qualidades e defeitos é absolutamente vital. Ninguém contrata ninguém que não inspire confiança. Ninguém se atravessa por ninguém que não saiba falar de si, que não tenha respostas inteligentes e fale com clareza daquilo que aprendeu nos livros, mas acima de tudo daquilo que compreendeu e integrou a partir da sua própria experiência e vivências.

Os empregadores não gostam de atitudes passivas, mas também detestam pessoas em bicos de pés, perguntativas, invasivas, a tentarem apresentar serviço. As palavras-chave são autenticidade, credibilidade e confiança, pois é a originalidade de cada um que faz a diferença nas organizações. Importa, claro, ir bem preparado e estar actualizado nas suas áreas de especialidade, mas curiosamente não é o muito saber que faz com que este seja contratado e aquele dispensado. Nas entrevistas de primeiro emprego há dezenas de candidatos excelentes, com CVs fabulosos e altamente competitivos no sentido em que à partida todos são dignos daquele posto de trabalho, mas quem contrata faz sempre uma aposta. E quem aposta gosta de sentir que põe toda a sua confiança em alguém com capacidade de superação, que vai querer estar sempre a subir a fasquia. E isso depende muito dos traços de carácter de cada um, da maneira como integra as suas vivências e experiências. E passa pela capacidade de auto análise e conhecimento próprio.

Chegamos à segunda metade do semestre universitário e estamos todos a entrar na recta final do ano lectivo, o que quer dizer que o stress aumenta entre alunos e professores, pais e filhos. Nas universidades, os estudantes sentem-se esticados por muitos lados e nem sempre capazes de responder a todos os desafios. Tenho 250 alunos por semestre e encontro nas minhas turmas muitos jovens com sintomas graves de ansiedade. Falo destas 8 turmas, actuais, mas também falo das centenas, milhares de alunos que tive ao longo desta última década, pois todos sabem que o mercado de trabalho está ultra competitivo, e a estatística de desemprego entre jovens licenciados e muito qualificados, é brutal.

Dou Comunicação, Liderança e Ética na Nova SBE, uma cadeira obrigatória para todos os alunos das licenciaturas de Economia e Gestão, e vejo o que acontece nesta altura do ano. Alguns sobrevivem à beira desse precipício assustador que é o burnout, enquanto outros tentam encontrar estratégias para não colapsarem perante o cúmulo de testes, exames, trabalhos e apresentações finais. Felizmente dou uma cadeira que convoca outros talentos e competências, pois o treino das chamadas ‘soft skills’ é dinâmico e vai muito para além do que vem escrito nos manuais. Aprendemos muito uns com os outros em aula, pois as matérias têm em conta a matéria-prima que cada um traz em si. Ensinar a comunicar, dar ferramentas para influenciar positivamente os outros, treinar a confiança, a motivação e a superação, bem como aprender a dar feedback, a gerir o tempo e a fazer apresentações é fabuloso quando temos do outro lado alunos interessados e interessantes, que já fizeram algumas opções radicais para a sua vida. Alunos que estudam porque gostam de estudar, quero dizer.

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Estatísticas recentes provam que as novas gerações vão fazer, em média, 25 coisas diferentes ao longo da vida. Ou seja, estes jovens vão evoluir profissionalmente entre actividades e empregos que podem surgir numa lógica sequencial, mas também muito disruptiva. O que quer dizer que muitos dos meus alunos de Economia podem não chegar a ter empregos como economistas e muitos dos que estudam Gestão podem nunca exercer como gestores. Estas 25 actividades são de largo espectro e, insisto, numa evolução pouco previsível. Os de Economia podem até começar na música ou na indústria multimédia, passando para o cinema, por exemplo; bem como os de Gestão podem vir a assumir ou a criar postos de trabalho que ainda não existem, e optarem por profissões que pouco têm a ver com a gestão. À excepção dos cursos de Medicina (e hoje em dia muitos médicos também já podem vir a ser empreendedores e tantas outras coisas para além de exercer Medicina), poucos cursos dão ‘apenas’ para as áreas específicas de formação.

Nesta lógica e porque a realidade actual é extraordinariamente desafiante, mas também desmedidamente exigente, os universitários têm que interiorizar novas regras. Desde logo, a regra de que não existem regras universais nem respostas definitivas para nada. Depois, a certeza absoluta de que já não há empregos para a vida. Finalmente a consciência de que tudo isto requer uma abertura permanente à novidade e puxa por uma constante flexibilidade e capacidade de adaptação. Em certos universos empresariais e para certos empregadores, a experiência internacional e a atitude de colaboração em ambientes multiculturais passaram a ser mais valorizadas do que as boas médias conseguidas nas boas universidades. O mercado de trabalho para os portugueses deixou de se passar entre Lisboa e o Porto e passou para uma espécie de Liga dos Campeões, que se disputa entre jogadores e equipas do mundo inteiro.

Conscientes desta realidade, professores e alunos treinam cada vez mais as competências que permitem colaborar mais e entregar melhor, pois o mundo do trabalho é um imenso sistema colaborativo e de entrega. As ‘soft skills’ servem para isto mesmo, para comunicar com mais clareza e assertividade, para adquirir ferramentas que permitem uma melhor gestão das relações interpessoais, bem como para reforçar aquela confiança que gera confiança e, por isso mesmo, obtém melhores resultados individuais e em equipa. Quem lidera as universidades de topo sabe que o mundo ‘corporate’ é ferozmente competitivo e já nada se faz apenas com as chamadas ‘hard skills’. Quem não sabe comunicar, não sabe gerir as relações interpessoais, não sabe motivar e não saber dar um rumo a um projecto ou a uma equipa, não serve para muito. Pior, pode ser uma cabeça brilhante e até ter veia de génio, mas se não possui ‘soft skills’, se não sabe traduzir por palavras simples a sua ciência e experiência, se não consegue motivar uma equipa e contagiar os outros com as suas ideias, de pouco lhe serve o brilhantismo, pois mais cedo ou mais tarde pode chegar a ser dispensado de uma organização.

Por tudo isto é essencial que os universitários treinem também o ‘self pitch’, para saberem apresentar-se e falar de si mesmos nas entrevistas de emprego. Nos tempos que correm há perguntas que fatalmente vão ser feitas a todos. Falo de questões que têm a ver com a natureza de cada um, com os seus pontos fortes e fracos, mas também de factos, acontecimentos, estatísticas e conhecimentos que é impossível não levar preparados. Poucos escaparão à tendência universal para lançar desafios tipo puzzle, só para testar a capacidade de raciocínio, e quase nenhuns chegarão a uma empresa sem antes terem sido interrogados sobre as suas qualidades e defeitos. Assim sendo, é impossível não tentar ajudar os alunos universitários a aprofundarem o auto-conhecimento, bem como a treinar o raciocínio.

Sempre que alguém faz uma pergunta esdrúxula do tipo ‘quantos pelos tem um cão?’, não quer saber a resposta certa, mas perceber a capacidade de raciocínio do candidato. Quem faz esta e outras perguntas para as quais não há nem haverá nunca uma resposta certa, quer apenas testar a lógica, a proactividade, a velocidade e a capacidade de resposta. Não se trata de saber quantos pelos tem um cão, mas de ver como um entrevistado chegaria a uma resposta plausível. Importa, por isso, perceber que mais do que a conta final, interessa o caminho que a pessoa percorre para chegar a esse resultado. O truque mais infalível é sempre o de pensar em voz alta. Sempre. Expor a forma como se faz o raciocínio, para se perceber como delimita o universo, como pensa, como enquadra e como faz contas ou assume variáveis, é aquilo que conta para quem está no papel de entrevistador. Daí que uma resposta imediata ou, pelo contrário, demorada e após uns segundos de raciocínio em silêncio sejam eliminatórias. Vale a pena perceber que estas perguntas sem resposta e porventura nonsense são determinantes para se perceber o raciocínio. Para se ter acesso à estrutura e qualidade do pensamento. E à velocidade, também.

Quanto a defeitos e qualidades, também há pistas seguras. Ninguém contrata ninguém que não inspire confiança nem revele um bom conhecimento de si mesmo. Se perguntam pelos defeitos, ou pontos fracos, não se pode ser evasivo e, muito menos, batoteiro. Fazer batota pode ser, por exemplo, dizer: teimosia.

Toda a gente sabe que teimosia se confunde com determinação. Ou seja, soa a uma espécie de meio-defeito que até pode ser considerado virtude. Não é bom usar o defeito da teimosia, portanto. Mais vale pensar antes e preparar bem esta matéria viva dos defeitos e qualidades próprios. A boa resposta será sempre a que for mais autêntica e comunicada com sinceridade. Não se trata de expor fragilidades inconfessáveis e muito menos de uma devassa de intimidade, mas de revelar alguma coisa de si mesmo que é real e pode ser determinante na contratação. Impressiona sempre a capacidade de auto-conhecimento quando ela revela maturidade e uma certa distância crítica. Em todo o caso é vital que os defeitos sejam confessáveis e sempre comunicados com um reforço positivo a atirar para um passado, do tipo: “era pouco pontual, mas aprendi com a minha falta de pontualidade que…”. Ou seja, no passado, para que o presente seja de vigilância e no futuro esse defeito não tenha peso.

No capítulo virtudes, muitos acham que devem responder chavões como: sou bom líder, tenho ambição e sou bom a trabalhar em equipa. Se forem estas as qualidades, óptimo, mas que sejam comunicadas por interposta pessoa. É mais credível dizer: “percebi que sou um bom líder num campo de férias X ou na minha experiência Y por isto e aquilo”, do que afirmar-se um bom líder e ponto. Os entrevistadores-contratadores vão sempre perguntar porque é que diz que é um bom líder, em que é ambicioso ou porque trabalha bem em equipa e, por isso, é inteligente falar das virtudes próprias a partir da experiência e até daquilo que os outros já validaram. Faz sentido e resulta mais assertivo. Não fica confinado a uma ideia sobre si mesmo, mas surge como matéria testada e validada por outros, em situações reais.

Há outras pistas que ensinamos aos alunos em fase de entrevistas de primeiro emprego e termino com mais uma: perguntas abertas, generalistas e porventura abstractas ou conceptuais exigem sempre respostas concretas; enquanto perguntas muito específicas remetem para respostas mais conceptuais. Por outras palavras: se perguntam pela árvore, a resposta tem que enquadrar a árvore na floresta, mas se perguntam pela floresta, a resposta tem que incluir sempre a árvore. Acho que posto assim se percebe, mas treinado no simulador que criamos em aula, realizamos que faz toda a diferença conceptualizar ou concretizar, em função do que é perguntado. Nas aulas de treino para entrevistas de emprego são os alunos que se contratam (ou não) uns aos outros, segundo critérios validados pelo mercado de trabalho e é fascinante ver como nestas idades são tão incisivos, lúcidos e criativos. Apetece pedir-lhes que não percam estas capacidades. Que não deixem que nada nem ninguém no mundo do trabalho lhes distorça os critérios ou mine a confiança que revelam na academia.