Parece que o presidente da república terá ensinado aos alemães que o programa de António Costa e o de Pedro Passos Coelho não são muito diferentes. Imagino que nenhum deles tenha apreciado essa comparação, e com alguma razão. O presidente teria sido mais exacto se tivesse dito outra coisa: Costa e Passos Coelho até podem ter programas diferentes, mas a situação do país é tal que não existe margem para as suas diferenças. Como poderia ser de outra maneira, num país envelhecido, deficitário, endividado, cada vez menos competitivo, e cuja economia estagna há quinze anos? Mas não esperem que este seja o tema da discussão no congresso do PS.

Pelo menos em público, António Costa faz questão de fazer parte do grande número para quem todas as culpas são evidentes e todas as soluções muito fáceis. Para ele, tudo se deve à austeridade de Passos; para muitos dos seus adversários, ao despesismo socialista. Como se a austeridade não fosse, como ainda é, o único meio de manter o crédito de que todos dependemos; e como se a despesa não continuasse a ser, por consenso geral, a única via que os partidos portugueses inventaram de para ter eleitores. Por isso, o governo de Passos, apesar dos seus cortes, teve de deixar a despesa ao nível mais alto desde 2008, e o governo de Costa, apesar das suas reversões, terá de manter a austeridade ao nível em que a encontrou. É neste impasse que está a oligarquia: impotente perante a despesa, derrotada perante a austeridade.

Daí, a conjugação de fracassos que explica a fraqueza política do regime. O PSD e o CDS conseguiram, com a ajuda do BCE, fazer passar o ajustamento, mas não souberam tornar esse sucesso numa nova maioria reformista. Em grande medida, porque o aumento de impostos lhes tirou credibilidade para serem alternativa a um sistema que, no essencial e apesar das acusações dos seus adversários, conservaram. Pelo seu lado, PS, PCP e BE andaram quatro anos a denunciar a austeridade, apenas para depois o PS não conseguir ser o primeiro partido, e o PCP e o BE ficarem abaixo dos resultados de 2009. No fim, perceberam que juntando as suas derrotas podiam impedir os outros de governar. Mas é o BCE que agora lhes permite reverter e desfazer, sem imediatamente serem atacados pelo mercado. E para continuarem a ter o BCE do seu lado, precisam da austeridade.

A situação onde estamos não tem saídas fáceis, ao contrário do que sugeriram, durante anos, António Costa e os seus aliados parlamentares. Do ponto de vista do Euro, que parece estar subjacente a muitos debates, o impasse pode ser descrito assim: permanecer no euro exige reformas, sair do euro significa desvalorização. O que é mais difícil? Reformar quer dizer, muito precisamente, diminuir as rendas e as garantias de algumas classes da sociedade, porque é duvidoso que possamos ser competitivos com as cargas e as limitações impostas pela actual estrutura de rendas. Pelo contrário, a desvalorização monetária, fatalmente enorme (30%? 50%?), é compatível com a manutenção formal dessa estrutura. Mas a diminuição real de salários, de subsídios e de pensões seria tão grande, que comprometeria fortemente o alcance do chamado Estado social — mesmo sem entrar em conta com o descalabro inflacionista de que só o Euro nos libertou e a que provavelmente voltaríamos.

Por tudo isto, nenhum partido se atreve a fazer grandes propostas. Preferem, em vez disso, atacar-se uns aos outros: fulano chama austeritário a sicrano, sicrano chama despesista a fulano. Como se todos não tivessem de ser austeritários e despesistas ao mesmo tempo.

O ponto onde chegámos é o da irrelevância da política, a não ser como distribuição de posições dentro da oligarquia. A isso, chama-se uma crise. Provavelmente, a maior crise política desde 1976. Mas ninguém o reconhecerá no congresso do PS.

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