A questão não é apenas judicial, é sobretudo política. E a pergunta é a de um milhão de dólares: ficando em prisão domiciliária e com maior margem de manobra em termos de contacto com o exterior, conseguirá Sócrates manter-se afastado do debate político e, consequentemente, da campanha eleitoral? A resposta não valerá dinheiro, mas poderá valer a vitória nas eleições legislativas. A razão é simples: quanto mais espaço mediático for ocupado por Sócrates, maior a dificuldade para o PS se distanciar do seu legado tóxico – tanto em termos políticos (resgate financeiro) como em termos de imagem pública (corrupção). Ou seja, estrategicamente, a possibilidade de prisão domiciliária de Sócrates não é uma boa notícia para o PS e deve ter tirado o sono a António Costa, a quem interessava politicamente que o ex-primeiro-ministro permanecesse esquecido em Évora, longe dos holofotes e dos microfones.

No arranque da campanha eleitoral, há pois uma nova carta na mesa. Confirmando-se a prisão domiciliária e se Sócrates não resistir a imiscuir-se dos assuntos políticos nacionais (como já na prisão em Évora mostrara dificuldade em fazê-lo), será muito fácil à coligação PSD/CDS fazer passar a mensagem e associar a irresponsabilidade dos Governos Sócrates ao PS de António Costa. E o mesmo acontecerá se, mesmo ficando calado, o dia-a-dia do ex-primeiro-ministro voltar a ocupar os telejornais – enquanto se falar dele na televisão, o fantasma de Sócrates existirá na cabeça dos portugueses. Depois de tanta especulação sobre se a coligação introduziria ou não o caso Sócrates na sua campanha eleitoral, a hipótese de ele se introduzir a si próprio é real e parece caída do céu. E, do lado dos socialistas, após tanto esforço para separar as águas entre o partido e o caso Sócrates, António Costa poderá encontrar-se perante uma situação de risco de contágio para a sua campanha eleitoral. Como se costuma dizer, a esperança é a última a morrer e a que resta a António Costa é que Sócrates rejeite a prisão domiciliária.

Ora, se não o fizer e de facto se verificar a prisão domiciliária de Sócrates, esta terá implicações políticas e judiciais. Deixo de fora as judiciais e fixo-me nas políticas, onde já referi o contágio do caso Sócrates na campanha eleitoral, que beneficiaria a coligação PSD/CDS. Acrescento uma outra implicação política, mais indirecta. No próprio PS, não se deve menosprezar o risco de que fidelidades de algumas figuras ao ex-primeiro-ministro possam condicionar a relação destes com António Costa e, em última instância, fragilizem a sua liderança. Pode parecer improvável, mas não seria um problema novo. A memória diz-nos que, enquanto a voz de Sócrates se fez ouvir para lá das paredes de Évora, o PS pareceu responder a dois líderes em simultâneo. De resto, mesmo antes, foi liderando em paralelo que Sócrates ajudou António Costa a tramar António José Seguro.

Tudo isto são cenários e hipóteses cuja validade será testada nas próximas semanas. Mas se tudo é ainda incerto, há algo que podemos assumir já como certeza: o tempo que nos separa das eleições legislativas é ainda demasiado e mais surpresas surgirão para baralhar as contas partidárias. Os partidos podem ter encomendado as suas sondagens internas, feito os seus cálculos, desenhado as suas estratégias e lançado os seus guiões para a campanha que, mais cedo ou mais tarde, serão surpreendidos pelos acontecimentos. E, nessa altura, veremos quem saberá adaptar-se.

Por enquanto, adaptação significa encaixar o facto de que Sócrates está em vias de se tornar personagem principal da história destas eleições. E mais ainda assumirá esse papel se o Ministério Público divulgar a acusação antes de Outubro. Quem se iludiu na esperança de uma campanha marcada pelo debate de ideias pode desistir, pois não será a TSU a determinar o voto dos portugueses. Por isso, preparem-se: o Verão promete ser quente e longo.

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