A semana passada começou com uma chocante primeira página do Telegraph de Londres, logo na segunda-feira de manhã: ‘Army can’t keep up with Russia’. Não se tratava da opinião de um comentador avulso. Era a declaração do chefe das Forças Armadas britânicas, General Sir Nick Carter, denunciando o gigantesco investimento militar russo e a actual incapacidade britânica de lhe fazer frente.

Na semana anterior, o Pentágono acabara de publicar uma nova ‘Estratégia de Defesa Nacional’. O documento define a Rússia e a China como as ameaças mais sérias para os EUA e o mundo ocidental — mais do que o terrorismo islâmico.

E a semana passada terminou com uma capa surpreendente de uma revista britânica: ‘The Next War’ era o título em letras garrafais de The Economist. No editorial de abertura, a revista alerta:

‘Se a América permitir que a China e a Rússia estabeleçam hegemonias regionais — quer inconscientemente, quer porque a política americana se tornou demasiado disfuncional para conseguir gerar uma resposta — então [a América] estará a dar-lhes [à China e à Rússia] luz verde para prosseguirem os seus interesses pela força bruta.’

Entretanto, nestas mesmas duas últimas semanas, nas capitais europeias — incluindo parcialmente em Davos — estes temas eram superiormente ignorados. As capitais europeias continuam magnamente ocupadas com a campanha contra o chamado ‘nacionalismo’.

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O termo ‘nacionalismo’ tornou-se elástico: inclui justamente a condenação de atitudes xenófobas, racistas e proteccionistas; mas também inclui a gratuita condenação da inofensiva oposição patriótica de inúmeros eleitorados de nações europeias (sobretudo da Europa central e de Leste) contra maior integração supranacional da União Europeia — designadamente, contra a definição supranacional das políticas de imigração de cada país, que sempre foram matéria dos Parlamentos nacionais.

Precisamente a este propósito, também esta semana uma outra revista britânica alertou para a dissonância cognitiva que ameaça o debate europeu. John O’Sullivan (antigo conselheiro da Sra. Thatcher, que estará de novo entre nós no próximo dia 10 de Fevereiro), escreveu o artigo que deu a capa da Spectator.

Chama-se ‘The fight for Europe’. Ainda que eu não subscreva inteiramente as opiniões de John O’Sullivan (um frequente participante nas sessões do Estoril Political Forum do IEP-UCP, sempre obviamente ignorados pelos ‘media’ politicamente correctos nacionais), creio que os alertas dele devem pelo menos ser tidos em conta. Por exemplo:

‘Estes europeus do centro e do leste entendem-se a si próprios como a verdadeira Europa. Uma Europa que valoriza o estado-nação, a família, políticas prudentes, a religião cristã, e a democracia maioritária — e vêem estes padrões como ecos mais autênticos da tradição europeia. Por isso, os seus conflitos com Bruxelas não são acerca de eles serem anti-europeus, mas acerca do que significa ser europeu.’

Concordemos ou não com O’Sullivan, creio que o seu olhar recomenda pelo menos prudência. E a prudência recomenda que o projecto europeu não deve ambicionar desenhos utópicos supranacionais — sob pena de podermos ficar com ‘mais Europa e… com menos europeus’.

Mas receio que este nem sequer seja agora o problema principal. O problema principal é que a obsessão de alguns sectores euro-federalistas contra o chamado ‘nacionalismo’ pode estar a gerar uma tentação fatal: a tentação de substituir a aliança entre a Europa e os EUA pela aliança euro-asiática… se preciso for com a China comunista!

O argumento começa a surgir em várias vozes. Ouvi recentemente um alto funcionário europeu citar positivamente a China três vezes numa intervenção pública de 20 minutos — em que insistentemente condenou o ‘nacionalismo’ dentro da Europa e na América de Trump. Inúmeros jornais europeus citam frequentemente a China como um parceiro desejável, ou pelo menos possível — sobretudo contra o que designam por ‘nacionalismo’ da América de Trump.

Vamos ser claros: a ideia de substituir a aliança euro-atlântica por uma aliança euro-chinesa não é apenas uma completa loucura — seria uma submissão.