1. O responsável pela actual crise política em Espanha tem um nome: Pedro Sánchez. Aquilo que deveria ter dito ao país e ao partido, a seguir às segundas eleições legislativas em que o PSOE perdeu mandatos, é muito simples: nós tentaremos criar condições para uma alternativa de governo ao PP. Mas se não o conseguirmos não contribuiremos para a instabilidade política. Nem precisava de dizer mais nada. Obviamente que o corolário desta afirmação é que, caso fracassasse essa alternativa, restaria viabilizar com a abstenção um governo liderado por Rajoy. No fundo, adoptar a mesma posição que António Costa adoptou em Portugal. Mas Sánchez decidiu optar por uma estratégia suicida, para si e para o seu partido, que poucos perceberão. Não sabemos quais serão os próximos capítulos desta crise, mas não é difícil descortinar qual deverá ser a táctica de Rajoy, independentemente de eventual congresso e primárias no PSOE. O PP só terá a ganhar com novas eleições em Dezembro, sendo por isso provável que tudo faça para que elas se materializem. E o que se prevê dessas eleições é que o PP suba e o PSOE caia ainda mais. O mercado secundário da dívida, mostrou segunda-feira algum nervosismo e agravamento das condições de financiamento em resposta à demissão de Sánchez. Esse agravamento só não será maior, nos próximos meses, se o mercado antecipar que os resultados de eventuais novas eleições irão contribuir para maior estabilidade política.
2. Ao mesmo tempo que o PSOE tenta resolver os seus problemas internos, o Parlamento Europeu (Comissões ECON e REGI) e a Comissão Europeia começaram um “diálogo estruturado” para decidir sobre a eventualidade das sanções a Portugal e Espanha por causa do seu desempenho orçamental em 2015. Deste diálogo, que deverá acabar cedo, resultará provavelmente a não aplicação de sanções, mas à boa maneira europeia eventualmente arrastar-se-á a decisão para manter a pressão sobre o país, como se nós necessitássemos de mais pressão para resolver os problemas que já temos. Existe unanimidade na Assembleia da República sobre a rejeição das sanções embora por razões diferentes. Lamento que na passada sexta feira a Assembleia da República não se tenha acordado um texto que pudesse ter tido apoio unânime pois do ponto de vista externo seria mais eficaz. Na realidade só o PCP apresentou voto de protesto, e se o ponto um – que condenava as pressões europeias – pôde ser aprovado com os votos da maioria de esquerda e o PAN, já os pontos dois e três – que apelavam à rejeição de todas as regras orçamentais (no PEC, no Tratado Orçamental, etc.) – foi rejeitado. Ao contrário desta divisão, dois dias antes numa reunião do parlamento europeu (comissão ECON) com os parlamentos nacionais, foi defendida a unanimidade nacional na rejeição das sanções, quer por um deputado e um eurodeputado portugueses da família dos socialistas e democratas. Também outros eurodeputados de outras famílias políticas defenderam o mesmo. Seremos tanto mais eficazes quanto, no campo doméstico, sublinharmos aquilo que nos une e não o que nos divide, e no campo europeu usarmos o argumento da defesa do melhor interesse europeu. Dizer que uma eventual aplicação das sanções a Portugal diminuiria o apoio ao projeto europeu em Portugal, é verdade, mas não é eficaz pois um holandês dirá (como disse) que aumentaria o apoio holandês. Temos que explicar a irracionalidade da medida em função dos próprios interesses europeus.
3. Isto exige que a academia e os think tanks nacionais comecem a discutir, a escrever e a apresentar em fora europeus, policy papers em inglês (para que todos leiam) de reflexão sobre a racionalidade, a irracionalidade e a complexidade das regras orçamentais, mesmo sabendo que antes de eleições cruciais europeias em 2017 nada se alterará. Não será tarefa fácil, pois a legiferação europeia e a burocracia necessária para a implementar é de facto imensa. Tome-se o caso corrente das eventuais sanções. Onde estão previstas? Prepare-se para um longo título: no “Regulamento n.º 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n. 1083/2006 do Conselho.” Um regulamento com 150 páginas que dedica nada menos que quase quatro (págs. 30 a 33) ao artigo 23º (com 17 pontos) supostamente sobre a eficácia dos fundos e boa governação económica, mas que na prática explica os mecanismos de monitorização da Comissão e do Conselho em relação aos Estados Membros e do enquadramento das eventuais sanções. Já agora importa realçar que as sanções, ao contrário do que alguns têm dito, não são automáticas, mas dependem do contexto económico do país: “O âmbito e o nível da suspensão das autorizações ou dos pagamentos (…), devem ser proporcionados, respeitar a igualdade de tratamento entre Estados-Membros e ter em conta a situação económica e social do Estado-Membro em causa, nomeadamente a sua taxa de desemprego relativamente à média europeia e o impacto da suspensão na sua economia.” (artº 23 n. 11) Parece-me evidente que a referência ao desemprego colocará a Espanha fora das sanções e o impacto na economia, colocará Portugal fora. Mas para além da não aplicação das sanções, que acredito acontecerá, o facto é que com esta governação económica europeia caminharemos para a desagregação política. Até eu, que sou um europeísta convicto, me estou tornando mais eurocético. E não devo ser o único. A Europa precisa de um mega SIMPLEX.
PS. À hora de fecho deste artigo decorria a reunião em Bruxelas. A comissão, através dos Comissários Katainen e Cretu, defendiam a interpretação do art. 23 como obrigando à imposição das sanções, que poderiam ser moduladas em função das condições do país (ver artº 23 n. 11 acima citado). Já os eurodeputados coordenadores de vários partidos na comissão parlamentar REGI defendem que o art. 23 sugere uma interpretação política e mais aberta (não obriga a sanções).
Professor universitário, deputado eleito como independente nas listas do PS de Setúbal e membro do respetivo grupo parlamentar. As opiniões expressas apenas vinculam o autor.