Quando li esta deliciosa crítica de Alexander Masters ao livro The Universe in Your Hand lembrei-me do famoso e infame modelo macroeconómico do PS com os seus 207.000 empregos em quatro anos. E, nem de propósito, ontem Stephen Hawking contou-nos aquilo em que ‘acredita’: que a informação se transforma em holograma quando passa num buraco negro. O que me deixou muito feliz, uma vez que estou muito familiarizada com todas as possibilidades permitidas aos hologramas, pela via mais óbvia, a das séries infantis que os meus filhos vêem na televisão. Há uma destas séries que tem um avô preso num universo alternativo e cujo vilão atua por meio de hologramas. Acho que amanhã, para as impressionar (há que aproveitar enquanto não chega a adolescência), digo às minha crianças que provavelmente os buracos negros tiveram o seu papel na separação de avô e neto.

Como refere Alexander Masters, há um grupo numeroso de cientistas respeitáveis, ferozmente ateus, deliberadamente descrentes dessas fábulas que são as religiões, cujo intelecto não se contenta com menos do que uma cristalina prova científica. Misturam-se a custo com os simplórios beatos ou new age que acreditam num Deus criador ou numa energia harmoniosa universal com que comunicam através de mantras e meditação. Oferecem a esses beatos e new agers o tratamento merecido: a chacota. E no meio de tanta teoria exótica e improvável, nunca lhes ocorreu ponderar se o apelo espiritual da grande maioria da população mundial é afinal resposta a alguma lei natural ainda não descoberta. Ou se a procura de resposta aos ‘porquê?’ e ‘para quê?’ é, hélas, tão racional como o encantamento que as personalidades científicas têm com a beleza (fria) do ‘como?’, que é ao que a ciência responde.

Em todo o caso, eu, que como católica sou alvo de chacota das personalidades científicas, fiquei satisfeita com o que li dessas teorias (todas mais veneráveis do que qualquer religião) que, entre surpreendentes outros, concebem universos dentro de universos. Porque quando eu era criança vivia fascinada com a imagem do Atlas carregando o mundo nos ombros. (Mal sabia eu que décadas mais tarde faria parte de um grupo que tem no seu cânone um livro chamado Atlas Shrugged.) Bom, a criança Maria João também vivia convencida que o nosso mundo era um brinquedo num mundo de gigantes, tal como os globos terrestres são brinquedos no nosso. Pelo que, dou já aqui como provado de forma cristalina, as imaginações infantis são uma ótima fonte de explicações cosmológicas.

Tudo está bem para a personalidade científica, portanto – tanto sejam os hologramas cheios de informação, sejam os 207.000 empregos do PS – desde que haja uma fórmula matemática a provar. E tanto melhor – para a física quântica e para os economistas do PS – se a fórmula matemática for de impossível replicação na realidade.

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De física não posso elucidar. A leitura de uns livros de Carl Sagan e uma discussão em que um amigo físico me explicou entusiasmado o que eram os wormholes referidos em Contacto não me habilitam particularmente. Mas no caso dos modelos económicos há que dizer com frontalidade, como os treinadores de futebol: fazer promessas de números macroeconómicos com base em modelos económicos é aldrabice da mais básica que a política portuguesa tem conhecido. É certo que António Costa já veio dizer que não prometeu 207.000 empregos, mas enrolou a verdade de maneira a dar a ideia de que é uma previsão muito segura.

Ora não é. Convém explicar que os modelos económicos servem para pouco mais do que testar teorias económicas (a ver se os modelos teóricos produzem resultados semelhantes aos comportamentos observados na realidade) e fazer previsões que deem alguma informação aos governantes e decisores económicos. Mas qualquer economista minimamente decente sabe que só por acaso as previsões acertam. E a razão é muito simples: na realidade há demasiadas variáveis que influenciam as muitas decisões económicas e é impraticável contemplar todas essas variáveis no modelo económico. Por isso muitas variáveis ficam de fora ou são, como simplificação, colocadas como constantes ou com padrão de alteração previsto – e nada nos garante que não venham a ser essas variáveis (excluídas ou com comportamento afinal errático) a influir mais na decisão dos agentes económicos. Para complicar, há toda a incerteza normal do mundo. Quem sabe como vai evoluir a economia chinesa e qual o seu efeito no resto do mundo? Aposto que convulsões chinesas não constaram das contas do PS, mas certamente que determinarão a realidade. Quem sabe que mais choques aí virão? E, por fim, há a própria natureza dos modelos. Imaginem quão exato pode ser colocar o comportamento da produção de um país numa equação.

Com ou sem fórmula matemática, com prova cristalina ou desfocada, pode-se dizer com segurança do acréscimo dos 207.000 empregos de Costa o mesmo que dos wormholes de Sagan e dos hologramas de Hawking: são teoricamente possíveis. Para o eleitor desconfiado talvez seja melhor usar o seu bom senso, em vez da matemática, e questionar-se se é verosímil que o PS consiga obter, só porque sim, taxas de crescimento do emprego desconhecidas no Portugal do século XXI. Isto ao mesmo tempo que dificulta os contratos de trabalho a termo, encarece despedimentos, aumenta impostos aos agentes económicos mais dinâmicos e produtivos – o que António Costa chama de ‘melhorar a progressividade’ – e ‘faz obra’ como em Lisboa (o eufemismo de investimento público, que desta vez, e perdoem-me se provocar ataques de tosse, garantem ser do bom).

Tudo igual à receita do PS nos seus governos dos anos 16 a 1 a.T. (antes da Troika).