Nenhum bom pai ou mãe de família resiste a uma eloquente história de amizade. Sabem quem retratou bem amizades? Hergé, com a amizade entre Tintin e o Capitão Haddock ou o jovem chinês Tchang. Para os amigos do mundo animal podemos também incluir Milou, que prescinde uma vez ou outra de roer uns saborosos ossos para ajudar Tintin.

Aprecio igualmente exemplos de dedicação à família. Trago à colação, por exemplo, Lord Arthur Saville, criação de Oscar Wilde, que por amor à sua futura mulher cometeu o crime que lhe cabia antes de casar. Considerava indigno e uma desconsideração pela sua prometida senhora entrar no estado de casamento com afazeres pendentes de natureza questionável.

É por ter tal enlevo por estas histórias de afetos que fiquei tão enternecida com o que se passou por estes dias para os lados dos amigos e familiares do PS. Ah, o gosto de termos gente a governar-nos que trata tão amorosamente de amigos e família.

Vejamos os Best Friends Forever António Costa e Lacerda Machado. Esse, o feliz contemplado com a nomeação para a administração da TAP, aquele negócio que o dito BFF do primeiro-ministro ajudou – tão generosa e desinteressadamente, fez tudo para o bem do país sem esperar nenhuma recompensa (pecuniária) – a trazer de novo para as garras do Estado. Ora sobre este pestilento assunto há alguns pontos a referir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um. Veem para que servem as empresas públicas? Os políticos podem aventar as tretas que se lembrarem, inventar benefícios para os consumidores, aludir falsamente a um qualquer interesse nacional (sei lá, como os balcões da CGD que vão fechar pelo motivo mais comum nas empresas privadas, o lucro, ou os voos que a TAP já não faz para o Porto). A verdade é mais prosaica: os políticos defendem a existência de empresas públicas porque querem ter nelas a possibilidade de colocar amigos recebendo simpáticos ordenados ou, ocasionalmente, emprateleirar inimigos. E enquanto existirem empresas públicas essa será a sua serventia. Clamar contra nomeações de amigos (pessoais ou políticos) ao mesmo tempo que se declara paixão ao setor empresarial do Estado é diletantismo de amantes de unicórnios ou hipocrisia de mal-intencionados. A única solução para impedir estas promiscuidades amistosas é não dar oportunidades. Que é como quem diz: privatizar as empresas públicas.

Dois. O problema não é Lacerda Machado, é o seu patrono político: António Costa. Que se saiba, o novel administrador não se barricou numa casa de banho do Palácio de São Bento, ameaçando lançar granadas de mão, caso não lhe calhasse nenhuma sinecura. Foi Costa que promoveu a promiscuidade, que favoreceu escancaradamente um amigo, que agiu como se o Estado – e o país – fossem um mero apêndice desse magnífico e solarengo Costa.

O que me traz às histórias de amor familiar bem ilustradas nesta reportagem sobre nomeações de familiares de militantes do PS. Nem vale a pena comentar, pois não? São famílias de uma generosidade extrema, que (seguramente) abandonam carreiras superiormente remuneradas nas maiores multinacionais para trabalharem na administração pública portuguesa – e apenas em prol do bem comum, o ordenado ou a avença são irrelevantes. Bem hajam. Não se esqueçam de todas as noites agradecer a Deus Nosso Senhor ter-nos dado um partido como o PS, cheio de famílias inteiras abnegadas a trabalharem incansavelmente para nós.

Fiquei, não obstante, um tanto perturbada com a tal Unidade Nacional de Gestão do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, para a qual a mulher de Duarte Cordeiro foi nomeada. Até ler a reportagem tinha a felicidade de desconhecer este instrumento de parasitagem dos contribuintes. Fui ver e trata-se de um organismo para gestão de dinheiro que virá sobretudo da Noruega. Não temos falta de funcionários públicos, tal gestão poderia perfeitamente ser entregue a um qualquer departamento existente, com três ou quatro funcionários alocados. Mas os centros de acolhimento de boys, perdão, os organismos públicos são como as empresas públicas: quantos mais existem, mais amigos (e familiares) se podem nomear.

Um reparo final que, parecendo que não, tem tudo a ver. O ministro Capoulas Santos recomendou que Assunção Cristas “tomasse chá de tília, que é bom para os nervos, porque aparentemente o que ela tem estado a tomar nos últimos tempos é chá de urtigas, e esse azedume acaba por transparecer”.

Isso. Um deplorável ministro aproveitou o facto de uma líder de um partido da oposição ser mulher para ir a correr para os estereótipos machistas, à falta de argumentação política – e de maneiras. Cristas não criticou Capoulas por ter uma visão diferente da realidade e propostas diferentes (no caso, usar uma comissão já existente para responder a uma seca, em vez de criar nova). Não: Cristas critica Capoulas porque é mulher – donde, é histérica e necessita de acalmar os nervos.

Mais. A senhora que não pense que lá por ser líder do CDS está isenta dos deveres de sorrisos e de palavras elogiosas para sumidades masculinas como Capoulas. As mulheres, como se sabe, se não são ternas para ministros socialistas é porque consomem “chá de urtigas”. (No meu caso posso garantir que o chá preto em folha de bom calibre produz o mesmo efeito.) Ou então estão com o período, como aventam outros BFF, Trump e Putin.

Pergunto: onde estão os histéricos e histéricas de esquerda, gente que se alega feminista, e que enlouqueceu quando um comentador de uma TV chamou esganiçadas às senhoras do BE? Pergunto mais: insultos sexistas por um burgesso estão na prateleira da oferta de bordoadas de João Soares e merecem demissão? Ou como o alvo é cumulativamente mulher e de direita não contam?