No dia 15 de março do presente ano, foi publicado um novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário, sem que tivesse existido acordo com as organizações sindicais de professores. Mais um! Esta é a sexta alteração à versão inicial de 27 de junho de 2012. Não é normal que um documento estruturante e que é feito para um espaço de tempo alargado seja alterado seis vezes em cinco anos (umas vezes mais a fundo, outras de pequeno pormenor). E, através destas modificações, podemos observar o pouco respeito que existe pela estabilidade dos professores nas escolas e pela estabilidade das próprias escolas.

O próprio preâmbulo do Decreto-Lei diz “que a valorização dos profissionais que trabalham nas escolas e, em particular, a criação de condições para a estabilidade da função docente assumem um papel insubstituível para que educadores e professores possam desempenhar o seu trabalho na construção de uma escola mais democrática e inclusiva.” No entanto, a apregoada estabilidade é sempre posta em causa com as constantes mudanças legislativas e são disso exemplo as alterações constantes das prioridades dos professores nos concursos. Ora num ano os concursos regem-se pela graduação profissional no concurso interno, ora noutro ano os docentes dos quadros de agrupamento ficam à frente dos docentes dos quadros de zona pedagógica. Ora num ano, os docentes dos quadros de zona pedagógica concorrem em pé de igualdade na mobilidade interna com os professores dos quadros sem componente letiva, ora noutro ano concorrem depois. Umas vezes é dado às escolas o poder de contratar os professores e, de um momento para o outro, é-lhes retirado qualquer poder para isso, e tudo isto num curto prazo de 5 anos.

Nunca ninguém consegue ter a certeza se a melhor opção que procura fazer em 2017 será invertida em 2018. Inesperadamente, este ano foram colocados muitos professores contratados um pouco por todo o país e é previsível que muitos vão limitar as suas preferências para 2017/2018 à espera que, no próximo ano, aconteça novamente uma “vindima” generosa. Podem enganar-se eles, ou posso eu, porque acho que esta fartura de colocações não será novamente repetida. Ou seja, ninguém sabe.

Um concurso de professores não devia existir segundo a lógica de funcionamento dos jogos de fortuna e azar, no qual, cada vez mais professores não sabem, no dia 1 de setembro de cada ano, onde vão trabalhar, e em ano de concurso interno acabam-se as renovações de contrato (novidade introduzida na sexta alteração ao diploma de 2012), e cessam as mobilidades (e aqui são perto de 20 mil docentes dos quadros de zona pedagógica que vão esperar pelo habitual dia 30 de agosto para saber onde vão trabalhar dois dias depois).

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Diz ainda o preâmbulo que o estado tem sido abusador, mas que não entende corrigir o abuso que cometeu, e a chamada norma-travão aplica-se apenas no futuro. No entanto, melhora um pouco o limite de contratos sucessivos que um professor contratado pode ter, em horário anual, completo e no mesmo grupo de recrutamento. Dos cinco contratos de Nuno Crato passa-se agora para quatro. Os sindicatos queriam três. Com a regra atual deverão ser cerca de 500 professores em condições de vincular este ano pela norma-travão.

E o abuso tenta ser reparado ao criar-se mais um concurso de vinculação extraordinária, o terceiro em 5 anos. De tão “ordinários” que têm sido levam a que quem já faz parte do sistema, sendo quadro de agrupamento, mantenha a sua estabilidade profissional sempre longe de casa, pois, na mobilidade interna só poderão ser colocados nos lugares sobrantes, e se sobrarem.

A reparação no concurso de vinculação extraordinária de 2017 andará na ordem das 3.200 novas vinculações. Não digo que sejam desnecessários estes professores, porque não o são. Fazem falta estes professores e mesmo assim não chegam, e continuará a ser necessário contratar todos os anos mais uns milhares deles.

E para terminar este breve artigo sobre a pouca estabilidade do corpo docente e a muita instabilidade legislativa, constata-se que as escolas, no apuramento de vagas para o concurso interno deverão apurar pelo menos umas dez mil vagas negativas de quadro de agrupamento.

E, se for verdade, então, o preâmbulo vale tanto como um balde de lixo, porque nenhum docente do quadro de agrupamento por obter a primeira prioridade no concurso interno conseguirá aproximar-se da sua residência.

“Com efeito, a alteração das prioridades do concurso interno, conjugada com o apuramento real de vagas dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, irá permitir a aproximação à residência dos docentes, de uma forma permanente e justa, fomentando a estabilidade do corpo docente e promovendo a dignificação da carreira”. (excerto do preâmbulo do Decreto-Lei 28/2017, de 17 de março)

É difícil o Ministério da Educação entender que a estabilidade apenas se faz se forem criadas condições para que todos os professores dos quadros fiquem de forma fixa colocados a um agrupamento? Qual a necessidade de, em cada concurso, aumentar-se os lugares dos quadros de zona pedagógica quando a lei geral do trabalho, em funções públicas, já tem mecanismos para deslocar os trabalhadores até um raio de 60km?

Professor do 2º Ciclo e autor do Blog DeAr Lindo

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.