A vitória da “saída” do Reino Unido da União Europeia está a provocar algumas lágrimas de lamentação em Moscovo, mas não devem restar dúvidas de que se trata de “lágrimas de crocodilo”. O Kremlin esfrega as mãos de contente com o resultado e espera o efeito do dominó.

O Kremlin ainda não comentou os resultados do referendo na Grã-Bretanha, mas a julgar pelas primeiras declarações de deputados e analistas políticos ligados ao poder, a posição será de “lamentar a saída do Reino Unido”, “o enfraquecimento da Europa”, mas, na realidade, Putin não pode estar mais satisfeito com o resultado.

Nestas situações, é importante estar atento às declarações do “excêntrico” líder nacionalista russo Vladimir Jirinovski, que reagiu assim aos resultados do referendo: “Talvez o Comité Internacional [da Câmara Baixa do Parlamento] prepare rapidamente [um comunicado]. Devemos expressar a nossa solidariedade ao povo britânico, que tomou a decisão correcta sobre a saída da União Europeia. Eles fizeram um acto heroico”.

Aleksei Puchkov, presidente do Comité da Duma para as Relações Internacionais, é “mais diplomático” quando escreve: “Depois dos referendos na Holanda e na Grã-Bretanha, as elites nos países da EU estarão contra sua realização: a opinião do povo é perigosa para os seus objectivos políticos”.
É precisamente isso que o Kremlin espera depois da desastrosa experiência política de David Cameron e os aliados de Vladimir Putin na Europa já lhe estão a fazer a vontade: Marine le Pen, líder da Frente Popular Francesa, já veio fazer essa reivindicação. Outros virão a seguir e não excluo que a onda chegará a Portugal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para o Kremlin, o enfraquecimento da União Europeia veio na melhor altura também porque torna cada vez mais difícil manter a política de sanções contra Moscovo, que foram impostas quando as tropas russas invadiram a Crimeia e o Leste da Ucrânia. Alguns dirigentes da Itália, França e Alemanha já começam a dar claros sinais de hesitação nesse campo e o resultado do referendo em Inglaterra apenas poderá acelerar esse processo.

O Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, manifestou a esperança de que a EU iria manter o regime de sanções contra a Rússia depois do Brexit, mas declarações dessas mais não servem do que tentar adoçar o sentimento amargo que existe entre os ucranianos pós-europeus. Na nova situação criada, o separatismo pró-russo no Leste da Ucrânia ganha novo alento e facilita o trabalho do Kremlin nessa região.

Preocupada com os seus graves problemas internos, a União Europeia não irá prestar grande atenção à farsa eleitoral que está a ser preparada na Rússia para o mês de Setembro: a eleição dos deputados da Câmara Baixa do Parlamento.

E Moscovo pode dar mais um passo no sonho, alimentado pela antiga elite soviética e a actual direcção russa, de enfraquecer seriamente a ligação entre a EU e os Estados Unidos. Resta apenas esperar que Donald Trump vença as presidenciais norte-americanas.

Europa, acorda! Desta vez, Vladimir Putin não foi o iniciador, nem o autor, desta decisão desastrosa, são os nossos dirigentes, somos nós, europeus, que estamos a sepultar um sistema que permitiu à Europa ter 70 anos consecutivos de paz.