Na semana passada referi aqui o livro de Kim Holmes, The Closing of the Liberal Mind: How groupthink and intolerance define the left (New York/London: Encounter Books, 2016). Observei que o autor apresentava uma alerta a que direita e esquerda moderadas deviam prestar atenção: o alerta para a erosão dos valores comuns entre esquerda e direita democráticas, valores esses que sustentam as democracias ocidentais.

A leitura de férias que recomendo hoje vem corroborar o argumento de Holmes, mas desta vez com forte evidência empírica — não apenas no plano conceptual. Trata-se do artigo de abertura da mais recente edição do Journal of Democracy (Julho de 2016, Volume 27, Número 3). Intitulado “The Democratic Disconnect”, o artigo é assinado pelos politólogos Roberto Stefan Foa, investigador principal de World Values Survey, e Yascha Mounk, de Harvard.

Com base em estudos de opinião internacionais promovidos desde 1981, os autores detectam um efectivo declínio recente do apoio à democracia ocidental — antes de mais nas próprias democracias ocidentais e até nos EUA. Não é possível reproduzir aqui todos os dados discutidos no artigo. Mas alguns podem e talvez devam ser citados.

Nos EUA, 72% das pessoas nascidas antes da II Guerra dão o valor máximo (10, numa escala de 1 a 10) a “viver numa democracia”. Mas, quando se passa para os chamados “millenials” (pessoas nascidas depois de 1980), os valores caiem abruptamente: apenas 30% dão valor máximo a “viver numa democracia”.

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Não se trata de um fenómeno relacionado com a idade, argumentam os autores. Em 1995, apenas 16% dos americanos nascidos na década de 1970 acreditavam que a democracia era um “mau sistema político” para o seu país. Em 2011, essa percentagem subia para 24% entre os “millenials” (nascidos depois de 1980, portanto em idades semelhantes aos do grupo anterior medido em 1995).

Entre estes mesmos “millenials”, 26% considera “não importante” que as pessoas possam escolher os governantes em eleições livres. Essa percentagem baixa para 10% entre as pessoas nascidas antes da II Guerra e para 14% dos que nasceram entre 1945 e 1965 (os chamados “baby-boomers”).

Estes dados são reforçados pelas respostas à pergunta “seria melhor ter um ‘líder forte’ que não tivesse de seguir parlamentos e eleições?”. Em 1995, 24% subscrevia essa preferência. Em 2011, essa percentagem subiu para 32%. No mesmo período, a percentagem de pessoas que acha melhor “ter especialistas, em vez de governos eleitos, a tomar decisões para o país” cresceu de 39 para uns surpreendentes (ou mesmo escandalosos) 49%.

Estes e muitos outros dados preocupantes justificam largamente a leitura atenta do artigo do Journal of Democracy (bem como a breve resposta, menos pessimista, de Ronald Inglehart no artigo seguinte). É de prever, e será de saudar, que aquele artigo venha a dar lugar a um largo debate internacional sobre o real alcance dos dados encontrados e as possíveis explicações para eles.

Em qualquer caso, no imediato, o artigo parece ajudar a explicar o intrigante espectáculo até agora oferecido pela campanha presidencial norte-americana.

Como é possível que o Partido Republicano de Abraham Lincoln, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan tenha deixado que massas ululantes nomeassem Donald Trump — que nunca foi um Republicano — como seu candidato presidencial? Como é possível que o Partido Democrata de Franklin D. Roosevelt, Harry S. Truman e John F. Kennedy tenha deixado que massas ululantes quase nomeassem Bernie Sanders — que nunca foi um Democrata — como seu candidato presidencial?

No livro da semana passada, Kim Holmes sugeria que ideias radicais de direita e de esquerda estavam a enfraquecer o ancestral consenso demo-liberal americano. No artigo que sugiro esta semana, esse enfraquecimento é evidenciado com dados empíricos.

Resta-me terminar com as palavras de Winston Churchill, recentemente citadas por um americano distinto em Lisboa: “The Americans can always be trusted to do the right thing, once all other possibilities have been exhausted.”