Santa Teresa de Ávila ou, como se chamava religiosamente, Teresa de Jesus, ou ainda, civilmente, Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, foi monja da Ordem do Carmelo. Com São João da Cruz, fundou a observância dos descalços e ambos foram autores de obras de grande mérito espiritual e literário. Teresa de Ávila é também a primeira mulher doutora da Igreja, título que, até então, fora apenas atribuído a eminentes teólogos.

— Mesmo sabendo que, para quem já está na eternidade, o tempo não é importante, muito obrigado pela disponibilidade e muitos parabéns pelo aniversário! Começando pelos primeiros anos da sua vida, como descreve o seu ambiente familiar? É verdade que, em sua casa, era a ‘menina do papá’?

— Éramos três irmãs e nove irmãos. Por bondade de Deus, todos se pareceram com os pais, em ser virtuosos, menos eu, embora fosse a mais querida de meu pai.

— Com doze anos apenas, perde a sua mãe. Como reagiu à sua morte prematura?

— Procurava solidão para rezar as minhas devoções que eram muitas, em especial o Rosário, do qual a minha mãe era muito devota e assim nos fazia sê-lo.

— Que conselhos daria aos pais do século XXI?

— Considero algumas vezes o mal que fazem os pais em não procurar que seus filhos vejam sempre – e de todas as maneiras – coisas de virtude. Porque, com ter tanta minha mãe, como disse, de bom não tomei muito, nem quase nada – chegando ao uso da razão – e o mal causou-me muito dano. Se eu houvesse de aconselhar, diria aos pais que, nesta idade, tivessem grande cuidado com pessoas com quem seus filhos falam. Daqui vem muito mal, porque o nosso natural mais tende para o pior do que para o melhor. Assim me aconteceu a mim. 

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— É nessa altura que se torna uma leitora compulsiva de romances de cavalaria?

— Comecei a ficar com o costume de os ler. Não me parecia mal o gastar muitas horas do dia e da noite em tão vão exercício, embora às escondidas de meu pai. Era tão em excesso o que nisto me embebia que, se não tivesse livro novo, não tinha – a meu parecer – contentamento.

— Ao mesmo tempo, começa a viver um período de uma certa frivolidade …

— Comecei a trazer galas e a desejar agradar, parecendo bem, a ter muito cuidado com as mãos e cabelo, perfumes e todas as vaidades que nisto podia ter. E eram muitas, por ser muito requintada.

— E até alguma má companhia …

— Espanta-me, algumas vezes, o dano que faz uma má companhia e, se eu não tivesse passado por isto, não o poderia crer; no tempo da juventude, em especial, deve ser maior o mal que causa… De tal maneira me mudou esta convivência que, do meu natural virtuoso, não me ficou na alma quase nenhuma virtude.

— Para contrariar essa amizade perigosa, foi mandada pelo seu pai para o convento de Nossa Senhora das Graças. Como reagiu?

— Os primeiros oito dias senti-os muito, e mais pela suspeita de que se tivesse percebido a minha vaidade do que por estar lá.

— Até ao ponto de, graças à influência de uma boa religiosa, lhe começar a agradar a hipótese de tomar hábito, ideia a que, ao princípio tinha sido tão avessa …

— Começou esta boa companhia a desterrar os costumes que a má tinha feito, a tornar a pôr no meu pensamento desejos das coisas eternas e a tirar algo da grande repugnância que eu tinha em ser freira, que se me tinha tornado grandíssima.

— É então que adoece gravemente e vai descansar para casa de um tio. Essa interrupção na sua vida religiosa, que reflexões lhe suscitou?

— Que tudo era nada, a vaidade do mundo, como acaba em breve, e a temer, se tivesse morrido, de ter ido para o inferno. E, embora a minha vontade não acabava de se inclinar a ser freira, vi, no entanto, que era o melhor e mais seguro estado e assim, pouco a pouco, determinei-me a forçar-me para o tomar.

— E muito teve que se esforçar quando, a 2 de Novembro de 1535, sai de casa para ingressar no convento carmelita da Encarnação, em Ávila, contrariando o seu pai.

— Recordo-me, e a meu parecer com toda a verdade, que quando saí de casa de meu pai foi tal a aflição, que não creio que será maior quando eu morrer. Parece que cada osso se me apartava de per si, pois, como não tinha amor de Deus a contrabalançar o amor de pai e parentes, fazia-me tudo uma força tão grande que, se o Senhor não me ajudasse, não teriam bastado as minhas considerações para ir por diante. Aqui deu-me o Senhor ânimo contra mim, de maneira que o pus por obra.

— No seu livro Caminho de Perfeição, escreveu que “os juízes do mundo  são todos varões”. Que consideração lhe merecem os homens, nomeadamente os clérigos?

— Não há virtude de mulher que não tenham por suspeita!

— Como primeira doutora da Igreja, que diz da formação teológica dos fiéis?

— Espírito que não vá fundado, desde o começo, na verdade, eu mais o quisera sem oração. Grande coisa é ter letras … De devoções a tontas, livre-nos Deus!

— Como vê o futuro da Igreja?

— Vejo os tempos de tal maneira, que não é motivo para rejeitar espíritos virtuosos e fortes, ainda que sejam de mulheres.

— A Igreja e o mundo vivem actualmente tempos agitados: basta pensar no Sínodo dos Bispos para a Família, bem como no nosso país. Que diria a alguém muito preocupado pelo futuro da Igreja, de Portugal e do mundo?

— Nada te perturbe, nada te espante. Tudo passa. Só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Só Deus basta.*

*Todos os textos de Santa Teresa são citações literais (cfr. Pe. Jeremias Carlos Vechina, ocd, Prefácio, in Poemas de Santa Teresa de Jesus, Alêtheia Editores, Óbidos 2015, págs. 5-46).