Há dias, o boletim meteorológico da BBC sobre a Europa falava das altas temperaturas na Península Ibérica, e logo alertava para o risco de “wildfires” em Portugal. Portugal, este ano, está assim: não é o único país em que o Verão é quente e há incêndios florestais, mas é o país que mais arde e o único em que os fogos se parecem com uma praga bíblica. Neste Verão, os incêndios de mato já mataram e feriram dezenas de pessoas, cortaram as principais vias de comunicação, ameaçaram cidades, obrigaram à evacuação de muitas povoações, e forçaram o país a pedir auxílio internacional. Pelo meio, deixaram expostas as tremendas insuficiências e falhanços da protecção civil. Já não se trata simplesmente de um problema do interior despovoado. Já não se trata apenas de um problema de “floresta”. É um problema de segurança nacional.
E como responde o governo? Com uma “revolução”. A maior “revolução” desde os tempos de el-rei D. Dinis, segundo o ministro Capoulas Santos. Em que consiste? Adivinharam: em papel. Mais legislação, mais páginas do Diário da República, mais uma “reforma da floresta”.
A floresta, ao contrário do que se diz, é uma das coisas mais “reformadas” em Portugal (um dos decretos é, aliás, a quinta alteração ao Sistema Nacional de Defesa da Floresta de 2006). Em Portugal, confundimos “floresta” com um matagal que cobriu serras e vales à medida que os campos eram abandonados e o Estado multiplicava leis inconsequentes. Basta circular pelo país para ver. Há pinhais e mato colados às estradas principais e agarrados às povoações. Segundo a lei, não devia ser assim. Acontece que ninguém cumpre a lei, a começar pelos próprios serviços públicos e seus concessionários, que nem as bermas das estradas limpam. E é neste cenário que o ministro sobe à montanha para proclamar mais uma “revolução”.
Marx dizia que a humanidade só se colocava os problemas que podia resolver. Como é óbvio, Marx não conhecia essa secção da humanidade que é a oligarquia portuguesa. Os oligarcas da nossa política preferem sempre os problemas que não podem resolver. O país teria agradecido se o Dr. Capoulas, renunciando a originalidades, tivesse garantido simplesmente duas coisas: a aplicação rigorosa das leis já existentes e a responsabilização dos faltosos. Mas sem autoridade nem meios para essas coisas básicas, o ministro prefere rivalizar com D. Dinis.
Os produtores de papel clamam que a legislação vai ser uma catástrofe. Provavelmente. Porque ataca sobretudo as plantações comerciais, quando o problema são os matagais sem cultura nem destino que resultaram da desertificação rural e de uma arborização que começou a ser promovida pelo próprio Estado e que entretanto o Estado abandonou e deixou tornar-se selvagem. Para os matagais cheios de combustível, há muitas ideias, mas é duvidoso que haja os recursos necessários para os transformar, em tempo útil, numa floresta ordenada e resistente. Acontece que, ao contrário do que julga o Dr. Capoulas, não podemos esperar cem ou cinquenta anos por “revoluções” imaginárias.
A questão principal, neste momento, é de segurança. Antes de mais, os portugueses precisam de saber que podem circular nas estradas e dormir nas suas casas sem acabarem num braseiro qualquer. O que nos convinha a todos é que as regras de segurança fossem cumpridas e os serviços funcionassem eficientemente. Para tanto, o primeiro passo seria responsabilizar os responsáveis, que é o que, desde o colapso do Estado em Pedrógão Grande, as autoridades têm evitado. Mas sem isso, tudo será apenas mais uma mistificação.