Esta semana, deveria ter havido música num pinhal junto ao mar. Não houve. O festival teve de se mudar para a cidade, para não ser proibido. A razão: o risco de incêndio florestal. Não me percebam mal: sim, está mesmo muito calor; sim, os fogos são mesmo um perigo. Mas tenho ideia que antigamente, antes de o dedo do Estado escorregar para o botão vermelho da proibição, havia outros meios: criavam-se infra-estruturas, estabeleciam-se regras, definiam-se boas práticas, recomendavam-se precauções, esperava-se que as pessoas se portassem razoavelmente, punia-se quem violava a lei. Agora, não. A proibição ameaça tornar-se a primeira opção perante qualquer risco.

O confinamento do Covid criou aparentemente um novo modo de governar. As acções dos indivíduos e as interacções entre eles têm sempre riscos. É assim que doenças se transmitem, e florestas ardem. Mas ninguém pensou, até há uns anos, que a solução fosse, pura e simplesmente, confinar as pessoas em casa ou os festivais na cidade. As quarentenas do Covid mudaram tudo. Porque não proibir? As vantagens são claras. Dispensam os poderes públicos de investimentos, e, acima de tudo, de responsabilidades. Há qualquer coisa que pode correr mal? Proíbe-se, encerra-se, evacua-se. Durante décadas, os fogos florestais foram, para os governos, um tormento. Toda a gente, quando os pinhais começavam a arder, encurralava os ministros para lhes pedir contas de tudo. Onde andavam os meios aéreos? A protecção civil estava mesmo a funcionar? O que tinham feito pelo mitológico “ordenamento da floresta”? Uma complicação. Não é mais fácil proibir pura e simplesmente as pessoas de se aproximarem do arvoredo?

O confinamento também ensinou como se faz passar uma proibição. Não tem dificuldade nenhuma. A população, para quem qualquer tipo de risco se tornou inaceitável, está agora sempre pronta para se assustar. Meios de comunicação desesperados por audiências nunca hesitam em abusar do nome de Dante a propósito e a despropósito.  Na cultura política, há muito que argumentos racionais foram substituídos, à esquerda e à direita, pelo alarmismo catastrofista, hoje o principal veículo de todas as ideologias. Não sei se repararam, mas estamos agora a viver sempre no fim do mundo. E perante o apocalipse, que repressão é que não se justifica? Que liberdade é que se pode manter?

Há no entanto algumas perguntas que conviria fazer. Eis uma delas: em que momento se torna absurdo este modo expedito de resolver problemas por meio da suspensão da vida social e da anulação da autonomia dos indivíduos? Por exemplo: só até 30 de Junho, segundo a Federação Portuguesa de Nadadores-Salvadores, já morreram este ano 68 pessoas “em meio aquático”. Faz sentido, para evitar afogamentos, proibir a frequência das praias no Verão?

Mais uma vez, que não haja equívocos: não disse que o Covid não era um risco. Nem estou a dizer que os incêndios florestais não têm importância. Também não direi que este proibicionismo é o novo nazismo, e que devemos todos comprar já boinas de resistente à “Alô Alô”, e passar à clandestinidade. O meu argumento é outro: é que as proibições, além de infantilizarem os cidadãos, são um meio demasiado conveniente para os poderes públicos escaparem a responsabilidades e compensarem falhas, sem nunca precisarem de enfrentar os problemas. De resto, não podem ser o remédio para todas as emergências, até por esta razão: já não há o dinheiro barato que durante a pandemia criou a ilusão de que era possível, sem custos para ninguém, pagar a toda a gente para ficar em casa. Como estamos a ver pela inflação, também não há confinamentos grátis. 

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR