No dia 4 de Outubro, os eleitores portugueses estarão perante uma escolha dramática. Não porque os dois concorrentes principais proponham modelos sociais incompatíveis, mas porque um deles resolveu, à medida que encontrava dificuldades, subir a parada, não se importando de pôr em causa duas dimensões primordiais do regime: a integração na zona euro e a escolha dos governos por via eleitoral.
Se estas eleições são um drama, isso deve-se inteiramente a António Costa. Em primeiro lugar, pela sua decisão de negar as causas e as consequências do programa de ajustamento. O ajustamento permitiu a Portugal continuar no euro e recuperar o crédito público. Mas para Costa, o memorando com a troika, negociado e assinado pelo PS, constituiu apenas um golpe da direita, e o ajustamento, que aliás ficou aquém das metas do memorando, teria sido levado ao extremo só com o objectivo de “destruir” o país. Deste modo, Costa identificou as condições para manter Portugal na moeda única com um delírio ideológico deste governo. Se vencer, estará na situação de Alexis Tsipras em Janeiro deste ano. Não terá um mandato para prosseguir a consolidação das contas públicas e as reformas, e dependerá por isso de pressão externa.
Em segundo lugar, Costa já explicou que não admite uma derrota. A não ser que a coligação tenha uma maioria absoluta, Costa pretende ser governo mesmo perdendo as eleições. Não vai dar uma oportunidade aos vencedores e recorrerá, para impedir que a “direita” governe, a transações com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, que sempre negaram tudo aquilo que o PS historicamente defendeu. Por agora, o repúdio por Costa da tradição portuguesa de governar quem ganha está a ser encarado apenas como um problema do Presidente da República. Não é: é um problema de todos nós. Este anunciado “golpe de Estado parlamentar”, como lhe chamou Lobo Xavier, produziria a mais grave crise política e constitucional desde 1976.
António Costa podia ter tentado ganhar as eleições demonstrando que era mais competente e mais consensual. Preferiu, em vez disso, o confronto e a ruptura. Dir-me-ão: mas é só para as eleições; se ganhar, voltará a ser sensato. Não. Costa é agora prisioneiro da sua estratégia. Na Europa, fez do PS um “partido anti-austeridade”, destinado a alarmar os investidores internacionais. Em Portugal, tornou o PS um factor de crispação e de conflito. Ontem, na RTP, Costa sentiu necessidade de esclarecer que não iria lançar o país no “caos”. Mas o facto de ter de dar essas explicações diz tudo sobre a estratégia que seguiu. O caos já começou, pelo menos no que ele diz.
O que nos diferenciou da Grécia foi a existência em Portugal de uma maioria parlamentar estável que, sem preconceitos, fez em geral o que era preciso para manter o euro e aproveitar as aberturas da política europeia. O governo limitou as prestações do Estado, como a esquerda “socialista” diz que não gosta, mas também aumentou os impostos, para desgosto da direita “liberal”. Faltou-lhe, nesta campanha, explicar mais claramente como espera favorecer a liberdade de empreendimento e aumentar as oportunidades. Mas foi um governo que salvaguardou aquela que é a mais plausível base económica de uma democracia pluralista em Portugal: o desenvolvimento gerado pela iniciativa dos cidadãos nos mercados internacionais. Costa, com a sua estratégia, pode comprometer tudo isto.
Haverá quem diga: o resultado de 4 de Outubro não é assim tão importante; se tudo correr mal, teremos novas eleições dentro de um ano. O problema de novas eleições, na actual situação de convalescença do crédito público, é que será difícil impedir que signifiquem um novo resgate, com mais cortes e mais impostos. É essa, de facto, a escolha no domingo: ou um resultado decisivo, ou um segundo resgate.