Como acontece no resto do mundo, e como em Portugal aconteceu por exemplo com Mário Soares, uma universidade decidiu contratar um ex-primeiro ministro com o estatuto de “professor convidado”. Mas como não acontece no resto do mundo, e como nunca tinha acontecido em Portugal, a extrema esquerda mobilizou logo os seus activistas para uma campanha em nome, imagine-se, do “ensino”. Não vale a pena retomar essa discussão, toda movida a má fé. O que interessa é notar que, se alguém por acaso duvidou da continuada relevância de Passos Coelho, terá certamente deixado de duvidar.

Segundo ensinam os seus inimigos, Passos aproveitou a troika para, por mero capricho ideológico, “destruir a economia” e “desmantelar o Estado social”. Teria passado pelo poder como uma espécie de Nero, a recitar Hayek enquanto a sociedade portuguesa ardia. Ora bem, se foi assim, não bastará isso para o desacreditar? Para que se preocupam tanto com ele?

Acontece que não foi assim, e é esse o problema dos inimigos do ex-primeiro ministro. Afinal, a economia destruída cresce e recupera emprego desde 2013. Afinal, o Estado social desmantelado nunca precisou de ser reconstruído — e pôde até encaixar as cativações da “geringonça” em 2017. É verdade: Vítor Gaspar agravou brutalmente os impostos. Mas se isso prova alguma coisa, é o carácter de emergência pública da governação de Passos, que teve de recorrer, para equilibrar as contas vandalizadas por seis anos de socialismo, ao que não é costume os “neo-liberais” recomendarem.

O radicalismo liberal de Passos nunca foi mais do que um mito urbano. O liberalismo de Passos é apenas aquela parcela de liberalismo que, perante o estatismo deste regime, já existia na “social democracia” de Sá Carneiro, de Pinto Balsemão ou de Cavaco Silva: a ideia de que sem uma sociedade civil mais forte e sem um Estado mais viável a democracia nunca estará consolidada em Portugal. Leia-se o programa da AD de 1980. Foi um liberalismo que nos últimos anos se tornou mais notório, não porque o PSD se tivesse feito mais liberal, mas apenas porque o PS e a restante esquerda se fizeram mais estatistas.

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Passos Coelho teve de conduzir um ajustamento que não o deixou ser “social democrata”, tal como Mário Soares não pôde ser “socialista” em 1978 ou em 1983. Mas ao contrário de Mário Soares, Passos não pôde, por causa do Euro, recorrer ao véu da inflação. Na história portuguesa, foi o primeiro chefe de governo que, num ajustamento, não pôde dissimular os cortes com desvalorizações monetárias.  Governou com a verdade. Frequentemente sozinho entre uma oligarquia desorientada, não desistiu e poupou o país à via grega dos resgates sucessivos.

Para quem teve de suportar descontos e impostos, talvez a verdade tenha parecido fria. A coligação PSD-CDS perdeu votos entre 2011 e 2015. Mas muita gente percebeu: a prova é que em 2015, contra toda a expectativa, Passos Coelho derrotou o candidato do PS a primeiro-ministro, António Costa.

Os inimigos de Passos Coelho nunca recuperaram do susto de 2015. Juntaram-se então todos para o afastar, mas mesmo seis meses depois de ele ter anunciado que não se recandidataria à liderança do PSD, o tema ainda tem de ser Passos Coelho. É que os oligarcas não se sentem seguros. Sabem que tudo é demasiado conjuntural. E se as coisas mudarem? Não irá o povo dizer — ao menos, aquele não nos enganou…? É preciso, por isso, continuar a combatê-lo. Com inimigos destes, Passos não precisa de amigos para ser lembrado e até homenageado.