Para os seus antecessores no PSD, Passos Coelho errou ao supor que tudo ia correr mal o ano passado. Não sei se Passos supôs mesmo que a maioria de António Costa não ia durar, ou que a anunciada “reversão da austeridade” comprometeria os equilíbrios orçamentais. Mas se supôs, não esteve sozinho. Inicialmente, a economia ressentiu o novo governo, o investimento caiu, a Comissão Europeia agitou-se nas cadeiras. A explicação é simples: toda a gente levou a sério o que as esquerdas tinham andado a dizer na oposição entre 2011 e 2015.

Ainda alguém se lembra? As esquerdas não desejavam apenas devolver num ano os cortes de salários e pensões que Passos Coelho se propunha devolver em dois anos. As esquerdas pretendiam desmanchar o ajustamento, repudiar a dívida, contestar o euro, encontrar uma alternativa ao crescimento baseado em exportações. Não lhes bastava que as coisas “corressem bem”. Rejeitavam a Europa de Angela Merkel, a Europa dos baixos défices, a Europa da flexibilização laboral. As actuais ideias de Emmanuel Macron seriam anátema para Costa em 2015.

Tudo isto, ainda por cima, parecia corresponder à “ideologia” das esquerdas. Por isso, é natural que, ao princípio, muita gente tivesse admitido uma mudança de rumo que, dados os constrangimentos financeiros do país, só poderia ser acidentada. O que menos gente previu foi que os partidos da actual maioria, para se manterem no poder, estivessem dispostos a deitar fora tudo o que tinham andado a dizer, por exemplo, sobre a relevância fundamental do investimento público.

Quase todos subestimaram a extrema fraqueza de Costa e dos seus correntes parceiros. Em 2015, precisavam do governo como de pão para a boca. Costa precisava de ser primeiro-ministro para continuar a sua carreira política, o PS temia ser ultrapassado por um Podemos português, o BE desesperava por não conseguir ser esse Podemos, e o PCP estava arrepiado com a hemorragia da CGTP. Nenhum deles podia correr o risco de continuar na oposição. E ao contrário das direitas, tinham tirado a verdadeira lição da Grécia: que a Comissão Europeia era indiferente à composição dos governos nacionais, desde que fingissem honrar as metas do orçamento.

Agora, o erro dos críticos de Passos no PSD é acreditarem que Costa só convive com os velhos inimigos do PS no tempo do PREC porque Passos, com a sua “perspectiva pessimista”, não suscita afectos no PS. Um líder do PSD despreocupado e folião seria logo abraçado por Costa como um meio de se “libertar” do PCP e do BE. É uma ilusão risível. Os críticos de Passos ainda não perceberam o que se passou: Costa descobriu um novo “arco da governação”, que lhe permite fazer o que é preciso para manter a correr o dinheiro do BCE, e ainda por cima com “paz social”. O PSD e o CDS não fazem greves, não marcham nas ruas, não inspiram bloqueios no Tribunal Constitucional, nem existem na televisão, a não ser através daqueles “comentadores de direita” que, por acaso, até apoiam Costa. Na medida em que não servem para criar “conflitos sociais”, o PSD e o CDS também não servem para garantir “paz social”. Para que quereria Costa a sua ajuda? Para fazer “reformas estruturais”? Mas quem precisa de reformas, quando o BCE dá dinheiro e o turismo alegra as ruas?

À oligarquia, basta um governo que faça contas para Bruxelas ver. Ora, isso Costa já provou que é possível com o PCP e o BE. Não precisa do PSD. Nem o de Passos, nem o de quem quer que seja. Quando muito, dá-lhe jeito um presidente da república oriundo da direita, para não se imiscuir nas intrigas das esquerdas e para atiçar as intrigas no PSD. Os problemas do PSD ou do CDS não se resolvem, como parecem pensar os críticos de Passos, mudando de líder ou de “discurso” como quem renova o guarda-roupa. Não, não perceberam ainda o que se está a passar.

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