Na Europa das décadas de 1920 e de 1930, entre a grande inflação e a grande depressão, vários demagogos sem escrúpulos e com algum carisma pessoal descobriram um ovo de colombo político. Omitamos, por enquanto, o nome da fórmula. Uns eram socialistas e outros nacionalistas. O seu golpe de asa esteve em misturar uma coisa e outra, como na expressão “socialismo nacional”. Combinaram assim a ideia de uma revolução social com a ideia da defesa da ordem, e o desprezo pela democracia parlamentar com o entusiasmo pela mobilização das “massas”. Esta fórmula, que venceu em dois dos quatro maiores estados da Europa ocidental, teve muitas variantes. Mas acabou por ser caracterizada por um elemento que nuns casos esteve na sua origem, e noutros apareceu depois, mas apareceu quase sempre: o ódio aos judeus, apoiado em teorias raciais ou em teorias da conspiração. A partir da década de 1930, o anti-semitismo levou à exclusão legal da cidadania e à emigração de milhares de pessoas. Na década de 1940, justificou um programa de genocídio.

Podem pôr agora os nomes. Em 1946, no Tribunal Internacional de Nuremberga, o programa de extermínio sistemático da população judaica europeia foi um dos quesitos da acusação contra os líderes da Alemanha nazi. Mas embora ligado ao horror, o anti-semitismo não desapareceu. Os populismos de tipo nacionalista, mesmo quando precisam de respeitabilidade, quase nunca conseguiram livrar-se dessa marca de água, geralmente revelada através do “negacionismo” do holocausto. Provavelmente, porque o anti-semitismo corporiza muito bem o sincretismo ideológico que está na base dos velhos fascismos e dos novos populismos nacionalistas.

O líder social democrata alemão August Bebel chamou ao “anti-semitismo” o “socialismo dos idiotas”. De facto, o anti-semitismo recolhe toda a mitologia anti-capitalista, como a que informa as teorias da conspiração dos bancos, mas identificando o capitalismo com aquele que, até ao século XX, foi o maior grupo étnico-religioso europeu sem Estado, e que o folclore de quase todos os países associava ao negócio e ao dinheiro. Não por acaso, a esquerda republicana e socialista europeia foi frequentemente anti-semita (pensemos em Wagner), pelo menos até ao caso Dreyfus em França, no fim do século XIX. Na propaganda nazi, os judeus são às vezes comissários bolcheviques, mas mais habitualmente banqueiros de cartola. O anti-semitismo funciona, desse ponto de vista, como um anti-capitalismo focado numa minoria específica, excluída da “comunidade nacional”, e portanto aceitável para os demais proprietários e capitalistas.c

A rejeição do anti-semitismo constituiu, na Europa do pós-guerra, um dos mais eficazes antídotos contra este género de movimentos. A história dos populismos ditos de “extrema-direita” está pontuada de momentos em que uma gafe anti-semita compromete o demagogo em ascensão, obrigando-o a desdizer-se e tirando-lhe o élan. Ora, esse tempo de higiene pode estar no fim. Porque ao mesmo tempo que ressurgem os populismos, com a sua síntese da ordem e da revolução, eis que a contestação furiosa a Israel rompe os diques político-culturais que têm contido o anti-semitismo.

Na corrente raiva contra Israel, a esquerda anti-capitalista, que desde a década de 1970 viu no ataque ao Estado judaico um meio de atingir os EUA, não se inibe de marchar com o jihadismo, que herdou do nacionalismo árabe de meados do século XX a fixação na destruição de Israel. Um dos seus truques mais perversos é confundir Israel com a Alemanha nazi, ou a operação contra o Hamas com o holocausto. Como é óbvio, todas as mortes são para lamentar. Mas deveria talvez ser óbvio que a organização do extermínio sistemático de um povo, por razões ideológicas, não é a mesma coisa que uma operação militar que causa vítimas civis por se desenrolar numa área densamente habitada. Até há pouco, as esquerdas académicas zelavam pelo carácter único do holocausto, de forma a evitar comparações com o Gulag comunista. Agora, que o fim é difamar Israel, pode-se banalizar o nazismo.

O primeiro efeito destas marchas comuns de velhos esquerdistas e radicais islâmicos tem sido a “legitimação” do anti-semitismo, sob o manto hipócrita do “anti-sionismo”, mas com o mesmo resultado: a perseguição das comunidades judaicas. Em França, a 20 de Julho, os protestos por Gaza inspiraram uma espécie de pogrom, Na Bélgica, um letreiro proibia a entrada num café aos “sionistas”. Na Alemanha, o governo achou por bem tranquilizar os judeus perante os slogans anti-semitas das manifestações ditas pró-palestinianas. Em suma, da próxima vez que Jean-Marie Le Pen cometer uma gafe anti-semita, sentir-se-á menos exposto e isolado. No momento em que os populismos sobem na Europa, será boa ideia isentar o anti-semitismo do estigma que, até agora, o refreou? No fundo, talvez o anti-semitismo não seja o único socialismo próprio de idiotas.

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