As opiniões dos estrangeiros se dividem: alguns dizem que os portugueses são brutos, outros que são normais, outros dizem que são grosseiros. Confesso que quando pisei em Lisboa pela primeira vez fiquei um pouco confusa em relação a certos comportamentos. Lembro-me de perguntar ao meu pai, num restaurante, se o fiambre daqui era o presunto do Brasil. O empregado, que nem estava na conversa, deu um berro “OH PÁ! FIAMBRE É FIAMBRE E PRESUNTO É PRESUNTO”. Independentemente do conteúdo, fiquei completamente atônita com o fato de se falar dessa forma com um cliente. Ou melhor, de falar dessa forma com qualquer um. E apenas para esclarecer: eu estava certa, o fiambre de Portugal é o presunto do Brasil e o presunto de Portugal é o presunto cru do Brasil.

As respostas curtas e diretas, a forma rígida (e por vezes ríspida) de falar, o hábito de não puxar muita conversa, uma certa distância que se coloca entre o português e seu interlocutor causam estranheza. De fato, tais atitudes podem soar como antipatia ou como vontade de não estabelecer contato. Mas depois de um certo tempo em Portugal eu percebi que isso se deve muito mais à timidez dos portugueses do que a qualquer coisa relacionada com arrogância ou agressividade- diferente do que ocorre com os espanhóis e com os franceses.

Talvez, dentro dos padrões europeus, o português não seja um povo especialmente fechado, mas para nós que nascemos na América Latina, esse grau de afastamento já é o bastante para nos assustar. Aprendi que os portugueses não são antipáticos, mas sim tímidos e que, ultrapassada uma primeira barreira de contato, tornam-se até bastante amáveis. Mas atenção: ser simpático ou ser amável não tem nada a ver com ser deixar de ser resguardado. E essa é uma qualidade preciosa.

Lembro-me que logo que vim morar em Portugal fui encontrar uma moça portuguesa, amiga de uma amiga de São Paulo. Ela era muito querida e simpática e eu estava mesmo precisando de novos amigos por aqui. Fomos almoçar num dia, jantar num outro, tomar um brunch num terceiro. No quarto encontro eu me dei conta de que ela nunca havia me dito absolutamente nada sobre sua vida pessoal, desde o princípio até então. Eu só sabia onde ela trabalhava e que já havia sido casada uma vez. Nada mais. Conversávamos sobre viagens, música, literatura, política, cinema, moda… Mas nada sobre assuntos pessoais. Foi apenas neste quarto encontro- depois de julgar-me digna de alguma confiança- que ela começou, lentamente, a dar pequenas aberturas para falarmos sobre as nossas vidas, em doses bastante comedidas.

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Pouco tempo depois aconteceu um encontro semelhante. Fui conhecer uma amiga de uma amiga de São Paulo, mas desta vez era uma brasileira. Na noite em que nos conhecemos, em cerca de quinze minutos (talvez doze minutos) já havíamos espalhado as nossas vidas pessoais por cima da mesa do restaurante, nos seus mínimos detalhes (incluindo narrativas sobre os atritos com os irmãos, o desemprego do tio, nossos problemas de digestão, amores do passado e crises de carreira).

Fiquei muito impressionada com aqueles dois extremos de exposição das próprias vidas. Ambas eram mulheres fantásticas, simpáticas e agradáveis, mas a portuguesa colocou limites claros de até onde queria que a conversa fosse (ainda que de forma inconsciente) e a brasileira (assim como eu) não tinha nenhuma intenção de colocar filtro à nossa conversa.

Em Portugal eu aprendi que ser reservado pode ser um grande ato de sabedoria, ao invés de falar sobre todos os assuntos com qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Não estou dizendo que as pessoas devam ser contidas ou que devam esconder seus sentimentos (como sei que os portugueses frequentemente fazem, e isso sim é má ideia), mas que devem selecionar bem o que dizer a quem e o que dizer em cada oportunidade.

Os portugueses, de um modo geral não são grosseiros. Talvez o mundo devesse aprender com Portugal a importância de aproximar-se lentamente, de manter uma certa timidez que serve como zona de segurança até obter a certeza de que aquela é uma relação na qual pode haver uma certa cumplicidade. E talvez Portugal pudesse aprender com o Brasil a distribuir um pouco mais de sorrisos gratuitos e talvez um ou outro abraço precoce. Seria um bom equilíbrio. Temos muito a aprender juntos.