Debaltsevo, uma localidade do Leste da Ucrânia até há pouco tempo desconhecida, vai entrar na história como mais uma prova de que os acordos de paz, mesmo que assinados na velha Europa, com grandes tradições democráticas, para nada servem face à força militar e que o Kremlin só parará quando tiver cumprido o seu programa máximo: o controlo da Ucrânia.
Não que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, não tivesse avisado. No dia em que foram assinados os Acordos de Minsk, onde se encontra também a sua assinatura, ele “aconselhou” os cerca de 6 a 8 mil militares ucranianos que defendiam Debaltsevo a deporem as armas e a entregarem essa estratégica localidade aos separatistas.
Desse modo, os separatistas pró-russos conseguiriam juntar as duas “repúblicas populares” por eles auto-proclamadas: Donetsk e Lugansk, o que será uma boa base para a formação de mais um estado fantoche controlado pela Rússia.
François Hollande e Angela Merkel, talvez já cansados de 16 horas de conversações e temendo que os acordos não fossem assinados, deixaram esse problema por resolver, ou melhor, entregaram a sua solução ao destino, embora este fosse mais do que previsível. Assim, ainda a tinta no papel não tinha secado e já os dirigentes separatistas anunciavam que o cessar de fogo não dizia respeito a Debaltzevo.
Os resultados estão à vista: dezenas ou centenas (se não milhares) de civis e militares perderam a vida no assalto lançado pelos separatistas pró-russos contra as tropas ucranianas. Desconhece-se o número dos que ficaram prisioneiros.
Alguns poderão considerar que, agora, a situação acalmará e as coisas, a pouco e pouco, voltarão à normalidade. Trata-se de um cenário possível, mas temporário: o Kremlin já cumpriu o seu programa mínimo ao controlar uma zona que a qualquer momento poderá servir-lhe para desestabilizar a situação em toda a Ucrânia. Por isso, agora, o conflito até poderá parecer congelado através de conversações eternas sobre pormenores como o estatuto de Lugansk e Donetsk, o “nível de autonomia” desses territórios, etc., etc. A OSCE será o intermediário (ou o “idiota útil”) desse longo processo, tal como já acontece num território muito próximo da zona rebelde: a Transdnístria.
No entanto, a verdade é que Moscovo ainda não cumpriu o seu programa máximo, que consiste no controlo da Ucrânia. E aqui uma crise política interna no país vizinho poderá ser uma boa ajuda para o Kremlin. A derrota de Debaltsevo poderá ser o início.
Quanto ao envio de armamentos militares norte-americanos para a Ucrânia, não sei se irá ajudar a resolver o problema. As forças armadas da Ucrânia ainda se encontram numa fase de formação, pois o que Victor Ianukovitch, antigo Presidente ucraniano que se encontra actualmente a residir numa vivenda de luxo perto de Moscovo, deixou foi um corpo castrense desorganizado e corrupto, incapaz de realizar qualquer operação militar. Por isso, duvido que entre as tropas ucranianas haja quadros suficientes capazes de manobrar armamentos modernos.
Além disso, esse passo irá elevar o conflito a um novo nível, que poderia exigir mesmo o envio de militares de países da União Europeia e dos Estados Unidos para a Ucrânia. Acontece porém que o chamado Ocidente não parece muito inclinado a um confronto directo com a Rússia, e Putin sabe muito bem disso.
Uma coisa é certa: o conflito na Ucrânia está longe do fim, sendo difícil adivinhar de que forma se irá desenvolver.
P.S. Recomendo vivamente a leitura da opinião de Rui Ramos “Qual é o maior problema da Europa?”, publicada aqui no Observador, principalmente aos mais distraídos.