Nunca a história viu a expulsão simultânea de um número tão grande de diplomatas e funcionários de uma embaixada, mas esta medida não deve ser interpretada como uma “perda de paciência” de Vladimir Putin. O Kremlin não costuma tomar medidas imponderadas, mesmo que elas contenham graves riscos para a Rússia.
Ao expulsar 755 diplomáticos norte-americanos da Rússia, o seu Presidente quer mostrar uma vez mais que não está disposto a ceder a pressões. Em vésperas de eleições presidenciais (marcadas para Março do próximo ano), Putin obteve mais um instrumento de fortificar as suas posições na sociedade russa. Num país assolado por uma onda de anti-americanismo que já não se via desde a guerra fria, este confronto entre Moscovo e Washington é uma prenda para o “czar”. Os Estados Unidos são apresentados como uma potência que quer destruir a Rússia, apoderar-se das suas riquezas naturais, com cujos dirigentes é impossível dialogar e, se Trump e os americanos são orgulhosos, Putin e os russos não lhes ficam atrás.
Vladimir Putin até deu um sinal de “boa vontade” ao deixar ficar em Moscovo 455 funcionários e diplomatas americanos, tantos quantos os russos que fazem idêntico trabalho na América.
Além disso, com a forte redução do pessoal diplomático e administrativo, os cidadãos russos terão de esperar ainda mais tempo pelos vistos norte-americanos: vários meses, o que também contribui para o aumento do sentimento anti-americano já existente no país.
Mas, na decisão do Kremlin, o mais importante consiste em que Putin parece ter perdido a esperança de ver em Trump um político capaz de participar na normalização das relações entre os dois países, considerando que o seu homólogo norte-americano está manietado por numerosos escândalos, muitos deles ligados à chamada ingerência russa no processo eleitoral que levou Donald Trump ao poder.
Além disso, por detrás do último pacote de sanções assinadas por Trump, é notória a política norte-americana de tentar, se não desalojar, pelo menos reduzir o papel da Rússia no mercado do gás natural na Europa. Elas visam claramente dificultar, ou até mesmo impedir, a construção do gasoduto North Stream – 2, que poderá ligar a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. Segundo o projecto, os dois tubos deste gasoduto permitirão transportar mail de 55 mil milhões de metros cúbicos de combustível por ano.
Desse modo, as empresas norte-americanas passariam a ter possibilidade de exportar gás condensado extraído dos xistos para a Europa. Embora os ambientalistas afirmem que a extracção desse combustível é altamente prejudicial para o ambiente, Trump retirou as barreiras legais à sua extracção. E caso tenha êxito, a Europa será um dos mercados principais. Por exemplo, a pequena Lituânia já substituiu o gás russo por americano.
Se semelhante projecto continuar a avançar, o porto de Sines irá ter uma importância estratégica e a construção do gasoduto entre Espanha e França permitirá fazer com a Europa alivie a sua dependência do gás russo e fique com maior poder negocial.
Nesta luta, a União Europeia não pode ser um espectador passivo, mas tentar tirar proveito das contradições entre a Rússia e os Estados Unidos. Em alguns casos, poderá servir mesmo para intermediar e acalmar as turbulentas relações entre Washington e Moscovo. Tudo vai depender da coragem política de Bruxelas.
Os Estados Unidos já prometeram responder à bofetada sem luva desferida por Putin com esta expulsão dos seus diplomatas. A sua resposta, neste campo, não pode ser simétrica sequer, pois isso faria com que a Embaixada e os Consulados russos ficassem simplesmente sem pessoal.
Porém, existem outras respostas, principalmente no campo financeiro, económico e político, podendo levar a uma espiral de sanções e contra-sanções imprevisíveis, pois nem Trump, nem Putin quererão dar sinais de fraqueza.
Pode parecer um cenário surrealista, mas não me admiraria se Putin ordenasse a saída dos astronautas americanos da Estação Espacial Internacional. Enviá-los para Terra, claro está, e não os deixar a vaguear pelo Espaço.
O que é de lamentar é que esta “nova guerra fria” desvia as atenções e não permite resolver problemas internacionais de primordial importância: guerra na Síria e na Ucrânia; crise de mísseis norte-coreanos, etc.