O dia 8 de Março (23 de Fevereiro) de 1917 na Rússia entrou na história por ter marcado o início da primeira revolução a vencer a monarquia arcaica e incompetente que governava o país. Porém, a luta pelo poder entre os democratas e os bolcheviques acabaria por fazer abortar mais uma tentativa de aproximação à Europa.
Ao contrário do 25 de Abril de 1974 em Portugal, a Revolução de Março na Rússia começou como um movimento popular espontâneo, constituído pelos operários de Petrogrado que não aceitavam os maus salários, as longas horas de trabalho e as privações, a que se juntaram soldados de uma Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que parecia não ter fim.
A abdicação do czar Nicolau II ao trono do Império Russo foi de tal forma inesperada que houve dificuldade em formar um governo para que o poder não caísse na rua. Mas o problema é que, no lugar de um novo poder, apareceram dois: o Governo Provisório, que reunia dirigentes de vários sectores democráticos, e os Sovietes, que juntavam partidos revolucionários de todo o tipo, desde os socialistas revolucionários até aos anarquistas. Nessa altura os bolcheviques de Lenine, se recorrermos à linguagem política de 1974-1975 em Portugal, não passavam de um “grupelho” de extrema-esquerda sem grandes perspectivas de tomar o poder, uma espécie de MRPP ou de UDP.
Enquanto os partidos vencedores se digladiavam pelo poder no maior país no mundo à borda de um precipício social, económico, político e militar, os cidadãos russos, que tinham conquistado amplas liberdades políticas para a época, rapidamente se desiludiram com os novos senhores, pois os principais anseios não eram cumpridos: a fome de terra dos camponeses (problema milenário na Rússia) estava por satisfazer não obstante as promessas do Governo Provisório; o país continuava mergulhado numa guerra cujos objectivos poucos compreendiam; e a situação social dos operários citadinos apenas se deteriorava.
Ao contrário do que aconteceu no Portugal de Abril, as novas autoridades russas não tiveram tempo de realizar eleições para uma Assembleia Constituinte, órgão que deveria determinar o regime político russo. É verdade que as convocaram para Novembro de 1917 e até se realizou a sua primeira volta no início do ano seguinte, mas os bolcheviques de Lenine já tinham tomado o poder pela força e, quando se viram derrotados nas urnas, dissolveram essa assembleia.
No meio do caos e da indecisão política, surgiu uma personagem rara: Vladimir Lenine. Surpreendido pela revolução na Suíça, regressa à Rússia com ajuda dos alemães, inimigos dos russos na guerra, apodera-se das propostas dos partidos de esquerda mais populares e acrescenta propostas que quase ninguém levou a sério. No fundo, os primeiros discursos de Lenine faziam lembrar as peças oratórias de Arnaldo de Matos. Até alguns dos seus camaradas consideravam que ele não estava ao corrente da situação na Rússia, devido à longa permanência na emigração, ou que estava mesmo louco.
Como hoje se volta a falar tanto de populismo, é necessário analisar esta fase da vida de Lenine para constatar que ele era um mestre na matéria. Prometia tudo o que os cidadãos russos queriam ouvir — fábricas aos operários, terra aos camponeses, poder aos sovietes, paz sem contribuições e anexações — e o seu Partido Bolchevique começou a ganhar cada vez mais popularidade. Aqui, é particularmente importante salientar que os seguidores de Lenine, num processo em que Trotski teve um grande papel, conquistavam posições cada vez mais fortes nos Sovietes, organizações muito fortes nas grandes cidades russas e que não sentiam falta de armas para enfrentar o poder policial e militar do Governo Provisório, cada vez mais enfraquecido e impopular.
Neste período, houve tentativas de resolver a situação, como em 28 de Maio de 1926 em Portugal, através de um golpe militar, mas os democratas russos opuseram-se a esse cenário.
Ao contrário de Portugal, na Rússia não aconteceu um 25 de Novembro, mas sim um 25 de Outubro/7 de Novembro, que pôs fim à tentativa de democratização desse país. Militares e civis anti-bolcheviques não conseguiram unir-se, talvez porque não levavam Lenine a sério. Para eles, o seu poder não aguentaria 15 dias, mas a verdade é que apenas caiu 74 anos depois, em 1991.
Os resultados são conhecidos: os operários continuaram sem fábricas, os camponeses sem terra e o sangue continuou a correr abundantemente. Não é difícil encontrar promessas semelhantes entre os populistas das extremas esquerda e direita actuais. Afinal, a felicidade está ao virar da esquina, dizem eles, e, sabendo tantas vezes que não é verdade, a maioria vai atrás e vota neles.
E também não é difícil encontrar causas para que os cidadãos acreditem nos populistas: corrupção, compadrio, demagogia, mentira, justiça inoperante… Cada um pode completar a lista.