A extrema-esquerda portuguesa perdeu a vergonha, se é que a teve algum dia. No 25 de Abril desfilaram de cravo vermelho ao peito em nome da liberdade, mas precisamente ao mesmo tempo, apoiam regimes hediondos e sanguinários, rejeitando moções de censura na Assembleia da República. Entretanto o Partido Socialista faz de conta não ver nada, pois o principal objectivo é manter-se no poder.
São cada vez mais o número de dirigentes autoritários e tiranos que recebem a simpatia ou o apoio da extrema-esquerda portuguesa: Putin, Kim ou Le Pen, por muito paradoxal que pareça à primeira vista.
Recentemente, participei com Marisa Matias, deputada do Bloco de Esquerda, num debate na Universidade de Coimbra, e fiquei surpreendido com o discurso macio e civilizado por ela pronunciado sobre os problemas da Europa e do mundo. Parecia estar-se perante uma democrata moderna.
Mas eis que, de repente, vejo dirigentes do seu partido como Catarina Martins ou o “guru” do BE, Francisco Louçã, defenderem exactamente o mesmo que defende Vladimir Putin em relação à segunda volta das eleições francesas: a vitória da extremista, mas de direita, chamada Marine Le Pen. Sim, porque apelar à abstenção é aumentar as hipóteses de vitória desse verme político.
Todavia, isto não tem nada de extraordinário, porque tanto Putin, como Francisco Louçã e Marine le Pen têm o mesmo objectivo: destruir completamente a União Europeia. Da posição do PCP a este respeito, não vale a pena falar: voltam a repetir os erros da cartilha estalinista de divisão da esquerda, uma das razões da chegada de Hitler ao poder na Alemanha.
Recordo que o termo social-fascista não foi criado nem pelo MRPP, nem por qualquer outro partido da extrema-esquerda durante o PREC, mas pelos estalinistas, que assim passaram a caracterizar os socialistas europeus.
Além disso, também não me surpreendeu a recusa de apoio por parte do Partido Comunista Português à condenação da perseguição das minorias sexuais na Tchetchénia, república da Rússia onde o Kremlin permite a um “vermezinho local”, Ramzan Kadyrov, todo o tipo de patifarias e crimes, desde que o ex-terrorista faça de conta que a sua coutada ainda pertence à Federação da Rússia. Isto porque, como é sabido, Álvaro Cunhal não admitia não só desvios políticos, como também sexuais, à semelhança da União Soviética, onde a homossexualidade era punível com três anos de prisão.
O facto de o pensamento político no PCP ter deixado de se desenvolver após o fim da URSS, pois deixaram de chegar as cartilhas com instruções à Soeiro Pereira Gomes, explica também este apoio incondicional a um autocrata, com pretensões a czar, que dirige e pilha o seu país como um qualquer ditador de extrema-direita. Os comunistas portugueses continuam a ver em Putin o continuador do “anti-imperialismo” soviético, o que é completamente míope.
Vários artigos no Avante dão a resposta do costume para justificar a política dos vários tiranos e tiranetes: “Notícias como as da utilização de armas químicas pela Síria contra o seu próprio povo, como a criação de campos de concentração para homossexuais na Rússia, como a ameaça de um ataque à Coreia do Norte aos EUA, surgem e difundem-se, muitas vezes sem qualquer preocupação de confirmar a sua veracidade, sem contraditório, apenas com intuito de criar um ambiente favorável a objectivos sinistros e a isolar as forças progressistas e revolucionárias que lutam pela paz. É preciso estar atento e não ir na onda”. Ainda se podem ter dúvidas face ao pretexto de Trump para bombardear a Síria, mas sobre seres como Kim ou Kadyrov!
A tão apregoada superioridade moral dos comunistas permite até julgar os media que ousam chamar a atenção para o regime mais desumano na Terra: “Apresentando a Coreia do Norte como uma «ameaça» a abater, os media preparam a «opinião pública» para a anunciada «punição» como se de coisa inócua se tratasse. Como se os EUA, a maior potência nuclear do mundo e único país que já usou armas nucleares, com os terríveis e dramáticos resultados que se conhece, tivessem o direito de intervir onde e como bem entenderem sem cuidarem das consequências”.
No que respeita à Venezuela, quantas esperanças no regime de Chavez-Maduro depositou não só o PCP, mas também o Bloco de Esquerda! Este último parece estar arrependido na aposta no “socialismo bolivariano”, mas Jerónimo de Sousa e seus camaradas continuam a insistir que a culpa é do imperialismo, não vendo “massas populares” nas multidões de cidadãos venezuelanos que apenas querem eleições livres. O candidato a Fidel Castro local, que quando cair não será de maduro, mas de podre, é que representa a luta anti-imperialista na América Latina.
A propósito, na situação em que a Venezuela se encontra, Putin poderia dar uma ajuda: enviar alimentos ou outros bens essenciais, mas o que se sabe é que o Kremlin construiu nesse país uma fábrica que produz centenas Ak-47 (Kalachnikov) e forneceu muitos outros armamentos que hoje são empregues para “alimentar” a oposição. Neste campo, Putin tem grande experiência e certamente que a faz chegar ao seu compincha venezuelano. Ainda na quinta-feira, Alexei Navalny, um dos líderes da oposição russa foi atacado em pleno dia em Moscovo, mas a polícia só sabe prender e bater nos que ousam protestar contra o regime.
Verdade seja dita, as democracias também não estão isentas de culpas da degradação da situação no mundo. Donald Trump não caiu do céu, mas é produto da perda de confiança dos cidadãos nos políticos tradicionais. A Frente Nacional há muito que vinha crescendo em França, mas nem centristas, nem socialistas conseguiram ir ao encontro dos anseios dos franceses. E é este divórcio entre as elites e os cidadãos que constitui terreno político fértil para o aparecimento de novos tiranos. Por isso, é preciso rapidamente criar vacinas para que a doença não se transforme em epidemia. Isto porque a extrema-esquerda até a vermes se alia para chegar ao poder, o mesmo se podendo dizer da extrema-direita.
Enquanto socialistas, sociais-democratas, liberais, democratas-cristãos não compreenderem que praticamente já lhes resta pouco tempo para apresentar novas formas de governação, mais abertas ao cidadão, libertas da submissão aos interesses especulativos do sector financeiro e mais transparentes, os países europeus, e não só, correm o risco de ver as novas pestes a destruí-los.