A política portuguesa tem neste momento três comédias em cartaz. A primeira é a história da afeição entre o presidente da república e o primeiro ministro; a segunda diz respeito à zanga entre António Costa e José Sócrates; a terceira é a da unidade da maioria parlamentar. É através destes exercícios teatrais que a política aparece em palco. Vale a pena passá-los em revista.

Para perceber a presente harmonia entre o presidente e o governo, não é preciso fazer de Marcelo Rebelo de Sousa o anti-Cavaco Silva, nem imaginar cumplicidades especiais. Os partidos da maioria perderam as eleições legislativas e assistiram, impotentes, ao massacre dos seus candidatos presidenciais por Marcelo Rebelo de Sousa. Precisam agora dele como contacto com um país que a nenhum deu votos para chefiar o governo e que, depois das legislativas, já formou, nas presidenciais, uma maioria de sinal contrário. Ao presidente, pelo seu lado, não lhe convém passar por chefe da oposição. Interessa-lhe, nesta fase, que todas as responsabilidades sejam do governo. Mas não se tem inibido de comentar, usando até os termos mais agrestes. Por esta razão: sabe que a maioria tem de fingir que não o ouve. Foi assim, por exemplo, que chamou “aberrantes” às ideias de Catarina Martins.

A guerra contra “o presidente da direita”, no tempo de Cavaco Silva, foi declarada no PS por José Sócrates. Não está António Costa em ruptura com Sócrates? Pouco importa o que, pessoalmente, os dois chefes socialistas sentem um pelo outro. O costismo é o socratismo em mais de um sentido. Nas ideias: outra vez o estímulo ao consumo para sair da crise, como em 2009. No pessoal: os rostos do governo socrático são os rostos do governo costista. Nos métodos: a campanha de raiva contra José Rodrigues dos Santos. Na estratégia: a viragem à esquerda, preparada pela cruzada socrática contra a “direita liberal” a partir de 2009. E porque é que Costa não muda? Porque, como se viu mais uma vez no Marão, o que é activo e agressivo na militância socialista está com Sócrates. Costa é um inquilino; o senhorio é Sócrates. Mesmo que quisesse, Costa não teria força para levar o PS por outro caminho. Mas Sócrates, politicamente estropiado, não é solução. No PS, o passado não morre, e o futuro não pode nascer.

Quanto à chamada “geringonça”, não gastemos tempo com diagnósticos de convergência ideológica. Dura e durará, mas apenas pela fraqueza dos partidos que a compõem: o PS que não ganhou as eleições, o BE que não ultrapassou o tecto de 2009, o PCP que viu a CGTP a encolher – e tudo isto, apesar de a “direita” ter estado comprometida num programa de ajustamento durante quatro anos. Mas nem assim. Não há entusiasmo, não há esperança. Há medo, há cinismo.

Em suma, o que estas três comédias revelam é a imensa fragilidade do poder político num país que precisa de investimento, mas onde o investimento diminui, que precisa de emprego, mas onde o desemprego sobe, que precisa de clareza e previsibilidade, mas onde nada é claro e previsível. Quem sabe se haverá ou não “medidas adicionais“? Quem sabe, ao certo, se a “austeridade” acabou ou não? Veremos. E como estamos todos à espera para ver, os serviços do Estado preparam-se para as “cativações”, e os contribuintes pressentem o agravamento do IVA. O que ninguém espera é pelas reformas que os socialistas fizeram na Alemanha com Schroeder e tentam fazer agora em França com Valls e Macron. Enquanto o BCE e a Arábia Saudita mantiverem o dinheiro e o petróleo em baixa, talvez não haja a catástrofe em que alguns confiam para despertar. Haverá, no entanto, uma coisa mais triste: um lento definhar económico, uma constante baixa de expectativas sociais. E é assim que com três comédias se faz uma tragédia.

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